António Cruz é especialista em Medicina Geral e Familiar. Há vários anos que trabalha no serviço de Urgência do hospital de Santo André, do Centro Hospitalar de Leiria (CHL), onde é confrontado com as inúmeras dificuldades dos utentes que atende.
Falta de alimentos, vestuário ou outros bens de primeira necessidade são muitas vezes relatados nas consultas, num momento de fragilidade, onde a doença esconde, por vezes, “problemas financeiros ou familiares”.
“Às vezes ouvir os desabafos ajuda muito na doença. Fui procurando ajudar e envolver as pessoas que estavam à minha volta, perguntando se tinham isto ou aquilo para doar”, revela António Cruz.
Neste momento, médicos, enfermeiros ou auxiliares do CHL estão disponíveis para colaborar. Com o objectivo de tirar partido das redes sociais, o médico, que também faz serviço no Regimento de Artilharia n.º 4 (RA4), em Leiria, decidiu criar a página Leiria Solidária e, assim, poder chegar ao maior número de pessoas.
“Por que não utilizar esta ferramenta para ajudar? Não sou eu sozinho que vou conseguir chegar a todos”, recorda. A página, que tem cerca de 6700 membros, é uma forma de estabelecer ligação entre quem precisa e quem pode ajudar.
Os pedidos têm sido muitos e, na maioria das vezes, são satisfeitos. “Não damos dinheiro, apenas bens. Às vezes as pessoas têm vergonha de pedir ajuda, mas podem pedir a outros para publicarem na página as suas necessidades”, afirma António Cruz, ao garantir que todo o processo é depois tratado por mensagem privada para garantir alguma confidencialidade.
O objectivo é criar-se uma “entreajuda” entre todos. António Cruz exemplifica que quem recebe apoio pode também contribuir com pequenos serviços, como canalização ou pintura, ou até doar bens que já não precisa e podem servir outros.
Ao longo de cinco anos já foram ajudadas centenas de pessoas e histórias engraçadas há muitas. O especialista recorda o apoio que foi dado a uns idosos do Arrabal, freguesia de Leiria, que não tinham televisão por falta do equipamento TDT.
“Era tão simples ajudá-los, que eu próprio fui à [LER_MAIS] Electrocortes comprar. Depois de ter escolhido o melhor que me foi sugerido fui pagar, mas o senhor não deixou. Quando olhei para o computador, vi que tinha a página do Leiria Solidária aberta e estavam precisamente a preparar-se para ajudar esses idosos.”
Já houve outras situações em que foram oferecidos electrodomésticos e quem doou assumiu o transporte de Coimbra para Leiria. “Os portugueses são muito solidários. Mesmo sendo um pouco individualistas, ninguém fica indiferente às desgraças.”
A solidariedade deste grupo não ficou indiferente aos incêndios de Pedrógão Grande, em Junho de 2017. Um paiol do RA4 foi pequeno para receber as ajudas que chegaram de todo o País.
O objectivo de António Cruz é estender o grupo para outras cidades, criando-se as páginas Coimbra Solidária, Marinha Grande Solidária, Pombal Solidário…
António Cruz vence ‘óscar’
António Cruz, 61 anos, nasceu no Rio de Janeiro, mas é filho de portugueses, com raízes em Mortágua. Aos 14 anos mudou- -se com a família para Portugal, fixando-se em Coimbra. Sempre quis ajudar o próximo e foi por isso que decidiu seguir Medicina.
“Sou hoje médico porque sempre que via alguém sangrar queria ajudar e não sabia como. Queria ajudar a eliminar o sofrimento das pessoas. É isso que procuro fazer hoje.”
Aliás, na urgência se passar e vir um idoso a sofrer procura confortá-lo de alguma forma. A sua solidariedade foi reconhecida pelos colegas do CHL. António Cruz foi surpreendido com a atribuição de um ‘óscar’.
“Foi muito emotivo porque não estava nada a contar. A Lena [Helena Vasconcelos] combinou tudo com a minha filha.” Esta preocupação com os outros está-lhe no sangue.
Todos os anos, o avô dava guarida e comida aos peregrinos de Fátima que passavam perto de Mortágua. Também as duas filhas já lhe seguem os passos e colaboram com o Banco Alimentar.