Um memorial da “coragem, da luta, da resiliência, da esperança, da determinação, da justiça, da igualdade e da liberdade”. Foi desta forma que o presidente da Câmara de Leiria, Gonçalo Lopes, definiu o monumento de homenagem aos presos políticos e aos deputados constituintes pelo distrito inaugurado, na quarta-feira, na cidade e que pretende ser “um tributo” a todos os que nos legaram a liberdade”, mas também um “símbolo do nosso compromisso com os valores democráticos”.
Instalado na rua Vasco da Gama (nas traseiras da Caixa Geral de Depósitos), o memorial tem inscritos 245 nomes de pessoas naturais do concelho ou que aqui desenvolveram actividade de oposição ao regime e que, entre 1926 e 1974, foram presos pelas polícias políticas. Numa das faces do monumento constam ainda os nomes dos 13 deputados constituintes que desempenharam funções pelo distrito e que participaram na elaboração e aprovação da Constituição.
É um monumento que “fixa para memória futura” os nomes de quem “lutou e arriscou a vida pela liberdade” e daqueles que contribuíram para “confirmar a democracia”, salientou Acácio de Sousa, presidente da Comissão Executiva das Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril em Leiria.
Na ocasião, o responsável justificou o local escolhido para o monumento por se tratar de um sítio de passagem e, dessa forma, “dar visibilidade” ao memorial, mas também pelo seu carácter simbólico, já que na rua Vasco da Gama funcionou o Hotel Central (actual edifico do Banco Montepio), que foi um local de reunião dos oposicionistas ao regime. Era também nessa zona que estavam instalados alguns advogados que foram líderes da oposição em Leiria e o Atneu, que tinha nos seus corpos dirigentes “muitos oposicionistas”.
“O combate não acabou”
A inauguração do monumento contou com a presença de cinco dos presos políticos homenageados (Jorge Cadete Prates, Joaquim Vieira, Leonor Baridó, Alberto Costa e Maria Helena Espada Santos) e quatro antigos deputados constituintes eleitos pelo distrito (Álvaro Órfão, Pedro Lagido, Aires Rodrigues e Abílio Lourenço).
Joaquim Vieira, jornalista natural de Leiria que foi detido devido a seu envolvimento em movimentos estudantis, falou em representação dos presos políticos. “Estive preso quase um ano e meio, mas não me considero um herói ou um mártir. Foi resultado das circunstâncias, do que estava a acontecer no movimento associativo em Lisboa”, recordou, fazendo ainda referência ao exílio em Paris, onde se encontrava no dia 25 de Abril de 1974.
“Nessa manhã fui a casa do Alberto Costa pedir-lhe emprestado um fato para poder ir responder a pedido de emprego para recepcionista num hotel. Já sabíamos que havia qualquer coisa a acontecer em Portugal, que as tropas estavam na rua. Surgiu um raio de esperança”, contou Joaquim Vieira, que fez depois a ligação do passado ao presente, afirmando que “o combate não acabou”.
O jornalista defendeu que, apesar de a sociedade ser hoje “completamente diferente” e de vivermos em democracia, é preciso não esquecer ameaças como as guerras e as alterações climáticas. “Aí estão dois objectivos pelos quais é preciso continuar a lutar e é preciso mobilizar as gerações mais novas, todos no fundo, para isso”, afirmou.
Quando “até os mortos votavam”
Falando em representação dos deputados constituintes, Álvaro Órfão recordou o que se passou a 28 de Outubro de 1973, dia de eleições legislativas, que ficou marcado por confrontos na Marinha Grande. “Um dia inteiro de cargas policiais, cães a correrem atrás das pessoas, bastonada a sério”, em que “o insólito aconteceu”, com “um morto a votar”.
“Nesse dia, à hora em que passava um funeral [na Praça Stephens], as cargas da polícia amainaram um pouco. Nesse momento, um dos membros da mesa eleitoral disse para outro elemento: ‘carrega aí este que vai passar’”, relatou Álvaro Órfão.
O deputado constituinte, que foi também presidente da Câmara da Marinha Grande, contou que, após o 25 de Abril, ao consultar os arquivos do Governo Civil, confirmou que nas listas dos que votaram nesse dia no concelho constam não só o seu nome, como o de Vitorino Vieira Dias e Rui Couceiro, que, com ele, tinham “estado a levar pancada da polícia, e o do “dr. Anaquim, que se enterrou nesse dia”.
“Era a prova do que dizia a oposição, que nesse tempo até os mortos votavam”, referiu Álvaro Órfão, contando que chegou a ser feita uma queixa por fraude eleitoral, aceite em tribunal, mas que, acabou arquivada “devido a uma amnistia”.
Episódios à parte, o constituinte exaltou a grande conquista de Abril, a liberdade, considerando que “valeu a pena, ao longo destes 50 anos, termos mantido o cravo vermelho no nosso peito e no nosso coração”.
A mesma apologia fez o presidente da Assembleia Municipal de Leiria, António Sales, destacando o dever de homenagem àqueles que lutaram pela liberdade. É, diz, “um favor de reparação de muitas injustiças” e um “legado” para as novas gerações, para que “reconheçam não se esqueçam destas comemorações e destes resistentes”.
“Desejo que este monumento ofereça, a partir de agora, a quem passa, pretexto para um momento de reflexão e inspiração, que constitua um símbolo do nosso compromisso com os valores democráticos e um tributo a todos os que, com a sua luta, nos legaram a liberdade”, concluiu o presente da Câmara de Leiria.