Foi apelidada em Portugal como a “visita do século”. Em Fevereiro de 1957, a rainha Isabel II efectuou uma deslocação oficial a Portugal, cujo programa contemplava a visita ao Mosteiro da Batalha, com passagens por Caldas da Rainha e Nazaré e um almoço em Alcobaça. A caminho de Santarém, a comitiva real passou também por Porto de Mós.
Por ocasião do falecimento da rainha, cujo funeral se realiza na segunda-feira, dia 19, o JORNAL DE LEIRIA recorda alguns episódios relacionados com o périplo que fez pela região. Entre os testemunhos, conta-se a história de uma medalha oferecida pela monarca e entregue ao destinatário errado, uma casa de banho feita propositadamente para a ocasião no Mosteiro da Batalha e as recordações de Graciela de Sousa Pinheiro, então com oito anos, escolhida para entregar um ramo de rosas brancas a Isabel II.
Corria o dia 20 de Fevereiro de 1957. Depois de dois dias em Lisboa, a comitiva real parte, por volta das 10 horas, rumo ao centro do País, com destino ao Mosteiro de Santa Maria da Vitória, na Batalha. O primeiro banho de multidão acontece em Caldas da Rainha, junto à estátua da rainha D. Leonor, onde a população “aguardava há horas” pela passagem de Isabel II, como relata a reportagem da RTP.
Nazaré é ponto seguinte. À sua espera, a comitiva tem “milhares” de pessoas que enchem a marginal, enquanto no areal pescadores “dedicavam-se às lides da faina”. Antes de subir ao Sítio, Isabel II tem a oportunidade de ver uma demonstração de folclore pelo Ta-Mar e pelo Rancho Infantil da Casa dos Pescadores da Nazaré, descreve a RTP, cujas imagens exibem o casal real a apreciar a vista panorâmica do Sítio.
De volta à estrada, a comitiva segue para um almoço em Alcobaça, onde uma multidão se concentra em frente ao Mosteiro e se regista um dos momentos icónicos da visita, com a rainha e o duque de Edimburgo a entrarem no monumento sob um manto de capas de estudantes de Coimbra.
“Tudo cheio de gente”
Às 14:30 horas dá-se a chegada à Batalha, com Isabel II e o marido a serem recebidos com honras militares por um batalhão do Regimento de Infantaria 7. José Carlos Crespo, então com 21 anos, estava “há horas” à janela de casa, em frente ao Mosteiro, a aguardar o momento.
“Estava tudo cheio de gente. Os montes, as fontes, a escadaria da Pensão Ramos ‘desapareceram’, ocupadas por milhares de pessoas, que esperaram horas. Algumas, chegaram de madrugada”, recorda.
Entre a multidão encontrava-se Graciela de Sousa Pinheiro, que integrava o grupo de alunos da escola da Rebolaria que se concentraram numa das laterais do Mosteiro, “onde está hoje o posto de turismo”, para ver a rainha. A pequena Graciela estava incumbida de uma missão especial.
“Fui escolhida para oferecer à rainha um ramo de rosas brancas. Ela parou para as receber e no momento da entrega fez uma vénia de agradecimento”, conta a professora aposentada, hoje com 73 anos. Foi, diz, um momento que “ficou gravado na memória”.
Durante a sua permanência na Batalha, a rainha depositou “uma coroa de louros ponteada com papoilas vermelhas” junto ao túmulo do Soldado Desconhecido, coroa essa que está hoje no Museu das Oferendas da Liga dos Combatentes, situado dentro do Mosteiro, conta Joaquim Ruivo, director do monumento.
A visita contemplou também uma paragem “inevitável” na Capela do Fundador, junto aos túmulos de D. João I e de D. Filipa de Lencastre, “antepassada” de Isabel II.
Em jeito de curiosidade, Joaquim Ruivo recorda um episódio “acessório” relacionado com a visita e que envolveu a construção de uma casa de banho num espaço contíguo à sacristia do Mosteiro, que, no tempo dos frades dominicanos, era um cofre forte. “O Mosteiro não tinha sanitários condignos.
Na previsão de a rainha ou o duque necessitarem de casa de banho, até porque as cerimónias demoraram algum tempo, construíram-se esses sanitários, que acabaram por não ser precisos”, revela. As instalações continuam a existir, mas não são usadas.
O ‘boato’ das prendas
Da Batalha, a comitiva real seguiu em direcção a Santarém e Vila Franca de Xira. Pelo meio, passou por Porto de Mós, onde o Rossio da vila se encheu de gente para ver a rainha. “Acenou à multidão”, lembra Emília Vazão, então a terminar a instrução primária e que esteve na avenida acompanhada da mãe e das irmãs. “Dizia-se na escola que, quem se chamasse Isabel iria receber alguma coisa da rainha.
Mas, claro, foi só um boato que se gerou.” Mas houve, de facto, quem tenha recebido uma lembrança da rainha a assinalar a visita. Foi o caso de António de Almeida Monteiro, antigo presidente da Câmara e provedor da Misericórdia da Batalha, falecido em 2018, distinguido com uma condecoração real.
A entrega aconteceu já depois da visita, mas, pelo meio, teve de ser desfeito o engano. É que, inicialmente, os serviços do protocolo do Ministério dos Negócios Estrangeiros deixaram a medalha de ouro com um comerciante de Lisboa, que tinha o mesmo nome do autarca da Batalha.
“O meu avô estranhou, porque nem sequer tinha estado na visita”, relata Áurea Monteiro, revelando que o lapso foi detectado numa conversa entre o lojista e um amigo seu que era da Batalha, que lhe disse que na vila “havia um senhor com o mesmo nome”. “A medalha foi devolvida dois dias depois, com uma carta comprovativa dessa devolução”.