O site leva o observador a sobrevoar a bacia do Lis no território de Leiria e apresenta o Abrigo do Lagar Velho como um sítio arqueológico único que expressa segredos da Humanidade que remontam ao Paleolítico.
O norte-americano Michael Jones McKean apaixonou-se pela história da Criança do Lapedo e criou uma obra de arte multimédia lançada esta terça-feira, ao início da tarde, em www.twelveearths.com.
Através de fotografias, vídeos, ilustrações, animação 3D e texto, é possível explorar o Abrigo do Lagar Velho – quase como estando, realmente, lá – e conhecer o trabalho dos arqueólogos que continuam activos no terreno e no laboratório.
O autor conclui que a história da Criança do Lapedo revela uma ponte com as comunidades que viveram há 29 mil anos. E expressa a experiência humana mais profunda.
“Há momentos em que nos apercebemos de que as nossas vidas, em todos os seus pormenores, estão ligadas a uma experiência humana partilhada – que a própria vida é mais universalmente vivida do que alguma vez imaginámos. Este local preserva esta ideia, encapsulando-a como uma mensagem: uma bela recordação da ligação entre nós através do tempo, dos costumes, da língua e do espaço”, refere, citado numa nota de divulgação.
É o primeiro capítulo: nos próximos meses, Michael Jones McKean vai estar em residência artística no Museu de Leiria e nos próximos anos espera concretizar vários trabalhos de escultura e actividades relacionadas com a Criança do Lapedo e o Abrigo do Lagar Velho.
Localizado na freguesia de Santa Eufémia, o Abrigo do Lagar Velho é – depois das colinas Pachón e Tololo no Chile, onde funciona um importante observatório astronómico – o segundo lugar em destaque no projecto Twelve Earths, um esforço de longo prazo, a realizar em 12 anos, até 2029, descrito, no site do artista, como “uma escultura planetária que conecta 12 lugares dispersos ao longo de um anel perfeito”, em torno do globo. Só serão revelados na totalidade ao fim de mais de uma década e em conjunto criam uma narrativa do planeta Terra.
No Abrigo do Lagar Velho, em 1998, foi descoberto numa sepultura preservada o esqueleto, com 29 mil anos, da Criança do Lapedo, entretanto elevado a Tesouro Nacional, estatuto oficializado em 2021, por ser o primeiro a demonstrar vestígios de encontros passados entre populações distintas, o que constituiu um marco e um ponto de viragem para a ciência nos campos da arqueologia e da antropologia, e, em especial, nos estudos sobre a evolução.
Entretanto colocado em depósito no Museu Nacional de Arqueologia, o esqueleto corresponde a um indivíduo juvenil moderno (Homo sapiens sapiens) do Paleolítico Superior, mas apresenta, igualmente, características morfológicas arcaicas que se aproximam das observadas nos neandertais, ou seja, contém o testemunho biológico de encontros entre as populações neandertais e Homo sapiens sapiens (homem moderno), que se terão cruzado e gerado descendência, hipótese antes não admitida como credível.
O site disponibilizado hoje pelo projecto Twelve Earths mostra o Abrigo do Lagar Velho como uma sala de estar fonde se descobrem as memórias de gerações e gerações que ali viveram, cozinharam, trabalharam, aprenderam e morreram, partilhando o luto.
No Vale do Lapedo, a informação sobre os habitantes do Paleolítico está contida no que deixaram – um colar de conchas, dentes de animais usados como talismã – e, também, de quem deixaram: a Criança do Lapedo, numa sepultura de acordo com rituais fúnebres que, segundo o artista, são a expressão dos afectos entre pais e filhos, avós e netos.
Michael Jones McKean argumenta que o amor é um factor de progresso das comunidades, agora como há 29 mil anos.
O site procura colocar em evidência a identidade e singularidade das populações da pré-história, e, do Abrigo do Lagar Velho, parte para a exploração de diferentes significados – dos abrigos rochosos à infância, da origem dos enterros ao contacto físico entre humanos, da descoberta do fogo às práticas de cuidados entre indivíduos do mesmo grupo.
Com 47 anos de idade, Michael Jones McKean trabalha a partir de Richmond, nos Estados Unidos.
Ao longo dos anos, tem explorado a natureza dos objectos em relação com o folclore, a tecnologia, a antropologia e a geografia.
No projecto Twelve Earths, o objectivo do autor, segundo a sinopse disponível na internet, é “construir um sistema de pontos de contacto com pessoas, matéria e eventos e estabelecer encontros breves ou longos com energia, transmutação, emergência, geologia e tecnologia para revelar um retrato complexo e polivalente da Terra e ampliar e aprofundar um imaginário planetário”.
A obra de Michael Jones McKean abrange o interesse por “pelo tempo profundo, pelas escalas de tempo e pelo seu colapso”, numa abordagem de descentralização dos “registos antropocêntricos de eventos, distâncias e significados”, processo que, segundo o escultor norte-americano, “desafia definições estáveis como real e réplica, natural e sintético, passado e futuro”.
O currículo de Michael Jones McKean partilhado online também permite conhecê-lo como professor associado da escola de artes da Virginia Commonwealth University e autor de exposições nos Estados Unidos, França, Canadá, Alemanha, Grécia, Itália e Israel, com vários prémios, bolsas e residências, incluindo a Guggenheim Fellowship, o Nancy Graves Foundation Award e o Core Program do Museum of Fine Arts, em Houston.