É mais um dia em que o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) parece andar em contramão na estratégia para o Pinhal do Rei, como um soldado que marcha sozinho, à revelia de quem o rodeia.
O período de consulta pública ao novo Plano de Gestão Florestal (PGF) que define os próximos 16 anos na Mata Nacional de Leiria, até 2038, encerrou na última terça-feira, com várias críticas, quase todas negativas.
Ao todo, teve 22 participações.
Municípios e especialistas propõem chumbar o documento e apontam-lhe inúmeras falhas. Os 10 municípios reunidos na Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria (CIMRL) defendem “a não aprovação” do Plano de Gestão Florestal. E sugerem “a criação de uma comissão executiva com o objectivo de elaborar um novo PGF, devidamente suportada por um grupo técnico de trabalho, com forte enfoque na participação pública”.
Na perspectiva da CIMRL, importa questionar o modelo de gestão do Pinhal de Leiria, actualmente entregue ao ICNF. E equacionar outro, assente na constituição de uma Entidade de Gestão Florestal, através de contratos de serviço público, com objectivos definidos.
É também a visão de Francisco Rego, antigo presidente do Observatório Técnico Independente junto da Assembleia da República, extinto no ano passado. “Nós propusemos sempre que o ICNF não fosse o único patrão do Pinhal de Leiria, e que houvesse um modelo de gestão mais participado e mais participativo, que aliás é aquele que em áreas protegidas e noutras circunstâncias o próprio Governo tem apontado, com intervenção das autarquias, e entidades ligadas a ONG’s e ao património”, disse ao Diário de Notícias. Para Francisco Rego, o modelo de gestão é a questão central que falha na proposta de PGF.
Sobre o documento, os municípios de Alvaiázere, Ansião, Batalha, Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, Leiria, Marinha Grande, Pedrógão Grande, Pombal e Porto de Mós entendem ainda que “mantém tudo o que vem do passado”, ou seja, “nenhuma medida para evitar o que aconteceu em 2017 é prevista”. A proposta, garantem, “contraria os objectivos estratégicos definidos no novo Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais”, que entra em vigor este ano. “Não se compreende e não se pode aceitar que não tenha existido qualquer processo colaborativo na elaboração do plano”.
Em comunicado, o Município da Marinha Grande chumba o PGF e considera que surge “sem plano de investimentos e de execução física”, o que torna “imperativa a criação de uma comissão de acompanhamento”. Para o executivo liderado por Aurélio Ferreira, a proposta “resulta do trabalho unilateral do ICNF, sem que tivessem sido auscultados outros intervenientes”, nomeadamente “os vários agentes locais”, o que não é possível aceitar.
O parecer do Observatório do Pinhal do Rei vai no mesmo sentido, além de apontar várias lacunas. “Continua a persistir o antigo paradigma de gestão, com unidades desfasadas da realidade biofísica, e paisagística, das diferentes subáreas existentes”. Condena, também, a produção de biomassa para energia, “actualmente sob forte contestação pela comunidade científica internacional”. E nota que na função de protecção o documento “é omisso quanto à análise, caracterização e mitigação da erosão dunar” e no controlo das invasoras se mostra “improcedente quanto à metodologia a adoptar para as acácias”.
Já a associação Zero vê no novo Plano de Gestão Florestal “uma boa proposta”, apesar de denunciar “mais um simulacro de consulta pública” e de admitir que “existem aspectos que necessitam de ser reponderados para garantir que o PGF está em condições de ser aprovado”.
Na análise da Zero, pedem-se diferentes cenários prospectivos para seleccionar o modelo de gestão. A associação “não compreende de todo qual a estratégia de infraestruturas de gestão dos fogos rurais” e avisa que “as tarefas associadas a esta componente parecem ser impraticáveis”.
Outra associação, a Acréscimo, reporta que a falta “de uma componente financeira” faz com que o plano seja “pouco mais do que um conjunto de supostas boas intenções”. Que apresenta propostas de intervenção para anos anteriores. “Algo insólito. Acresce que parece haver uma incompatibilidade entre o agora previsto e o realizado em 2019, 2020 e 2021”.
É também a Acréscimo que detecta “um conjunto demasiado vasto de incorreções” e um aparente desperdício do material genético apurado ao longo de décadas na Mata Nacional de Leiria. “Não é visível preocupação sobre a proveniência dos materiais de reprodução vegetativa a servir de base a acções de arborização”. Conclusão: “Parece-nos urgente uma reavaliação interna do plano proposto, antes de nova consulta pública”.
As avaliações negativas à proposta de PGF vêm, ainda, de Octávio Ferreira, antigo técnico do ICNF, que durante vários anos trabalhou no Pinhal de Leiria e noutras matas públicas da região, para quem “a redução da área de produção de madeira em 44%” vai “desvirtuar e ostracizar aquilo que foi o Pinhal do Rei até 2017”.
“Parece que iremos ter no espaço que foi o Pinhal do Rei, um novo parque natural, ideia inovadora mas bizarra, neste caso o Parque Natural do Litoral Centro, e isso tem de ser corrigido”, escreve, numa carta aberta.