Dizer que os principais actores da política portuguesa depois do 25 de Abril estão a ficar sozinhos em casa é, provavelmente, um exagero. Ou não? A abstenção está acima dos 50%, a escolha dos dirigentes locais nem sempre mobiliza as bases e os estudos mostram que há hoje muito menos militantes do que no auge da filiação partidária, em meados da década de 90. É o tempo em que soam os alarmes e já se vaticina que maiorias absolutas, tão depressa, não voltam.
Com eleições internas ao nível dos concelhos e distritais agendadas para os próximos meses, os maiores partidos têm desafios pela frente. Muitos. Precisam de encontrar mecanismos para recuperar a participação dos eleitores – PS e PSD perderam em conjunto 848 mil votos desde as legislativas de 2005 – e ao mesmo tempo tentam contrariar o descontentamento das novas gerações, que estão a migrar para novas causas, o que abre espaço a outros nomes e forças na Assembleia da República, de que são exemplo o PAN, o Livre, a Iniciativa Liberal e o Chega.
No distrito de Leiria, o PSD conta actualmente 4050 militantes activos, o PS tem 1928 e o CDS cerca de 2000. Ou seja, os três partidos que formaram governos nos últimos anos reúnem, aproximadamente, 8 mil militantes. Já o PCP, soma mais de mil. No entanto, os números não são comparáveis entre si, porque há diferenças na gestão e actualização dos ficheiros, próprias de cada partido.
Para chegar a presidente da comissão política concelhia do PS na Marinha Grande, Nelson Araújo precisou apenas de 43 votos. O confronto com Bruno Constâncio, que acabou decidido à tangente, atraiu não mais de 85 militantes, num concelho com 38 mil residentes e 34 mil eleitores, que os socialistas controlam, na câmara municipal, desde 2009.
Nelson Araújo considera que “democraticamente, a legitimidade é a mesma”, mas reconhece que estaria “mais confortável” num cenário de maior mobilização. “A própria estrutura fica mais legitimada e tem outro peso político”, admite ao JORNAL DE LEIRIA.
O presidente da concelhia do PS na Marinha Grande sente que “não há um compromisso para com os partidos como havia há 40 anos”. Explicações? “A desacreditação do sistema” e “a disponibilidade”, que “hoje não é a mesma”, porque o “ritmo de vida” é “muito mais acelerado e ocupado”. Outro factor “tem a ver com as pessoas não se sentirem motivadas para participar”, por acharem “que não vale a pena”. Tudo somado, são sinais de que “a militância já não tem o peso que tinha antigamente, sobretudo para as novas gerações”.
As palavras de Nelson Araújo encontram eco em diversos dados que evidenciam que a diminuição de militantes nos partidos portugueses é real. De acordo com o estudo Militantes e Activismo nos Partidos Políticos, publicado pelo Instituto de Ciências Sociais, depois de atingir um máximo histórico de 422.945 militantes em 1996, o número de filiados no PS, PSD, BE, PCP e CDS desceu para 294.749 em 2012, com PS, PSD e PCP a perderem militantes, tendência que se manteve, pelo menos, até 2014 (no caso do PSD) e 2016 (PCP e PS), segundo a tese de doutoramento de Sérgio Almeida Correia defendida no ISCTE.
Soluções? O actual presidente interino da distrital de Leiria do PSD lembra que “a política não se faz só com militância”, mas avisa que faz falta “perceber que há novas formas” de relacionamento com o eleitorado, “no sentido de abertura à sociedade civil”. Hugo Oliveira, um dos novos deputados saídos das recentes eleições legislativas, de 6 de Outubro, diz mesmo que “o PSD deve, dentro dos seus estatutos, encontrar soluções que possam passar não só pelos militantes”, ou seja, “provavelmente, um dos caminhos é haver directas incluindo não filiados”. Não nas bases, contudo, que prefere manter fechadas em eleições internas, por serem lugares de execução da estratégia de cada um dos partidos. Desde 2006, o PSD realiza directas exclusivas para militantes com o objectivo de eleger o presidente do partido.
Hugo Oliveira, que entrou na política aos 14 anos, e tem agora 44, diz que “o problema da disponibilidade para quem quer estar na vida pública é o equilíbrio com a família, que não é fácil”. Mas, “só está quem quer”. Há “momentos difíceis, de incompreensão”. E, depois de 18 anos como vereador na Câmara de Caldas da Rainha, garante que já lhe chamaram “de tudo”. Por duas vezes, para responder a suspeitas, apresentou-se no Ministério Público, voluntariamente. “Estava em causa a minha honorabilidade. Ataques pessoais a tentar envolver-me nisto ou naquilo. Nada melhor do que ser claro nessa matéria”. E amizades perdidas? “Já, infelizmente. Porque fiquei magoado com algumas atitudes”.
O combate com adversários e até entre camaradas é muitas vezes violento. Ultrapassam-se limites. O que também acontece, segundo Maria Manuela Pereira, da comissão coordenadora do Bloco de Esquerda no concelho de Leiria, criada pela primeira vez em 2018, é a discriminação negativa, em função da orientação partidária, o que contribui para afastar os portugueses da militância. “Acredito que há pessoas que têm medo de represálias, continuam a ser objecto de represálias no emprego, isso ainda acontece e é muito triste que aconteça”.
Nos próximos meses, ainda este ano ou até meados do próximo, vão realizar-se várias eleições internas nas estruturas locais, cujas lideranças estão a terminar mandatos tipicamente de dois anos. É o que vai acontecer também no Bloco de Esquerda, em Leiria. Maria Manuela Pereira diz que as normas de participação “têm vindo a ser cada vez mais apertadas”, em prol da transparência, para evitar movimentos de última hora com o objectivo de viciar a votação. “Não recebemos nenhuma quota na sede nem recebemos em dinheiro”, afirma, explicando que também o processo de voto por correspondência “é extremamente controlado”.
Se, no Bloco de Esquerda, o total de militantes até tem vindo a crescer, para quase 12 mil a nível nacional, em 2016, o recrutamento revela que “há um desinteresse das pessoas pela política”, que “nos jovens é assustador”, assegura a dirigente bloquista. E porquê? “Vivemos numa sociedade em que realmente as pessoas vivem para trabalhar. Nas mulheres isso continua a ser mais marcante: a responsabilidade da casa e dos filhos continua a cair muito em cima das mulheres”. Mas não só. “Entre os jovens também vem de dentro de casa. Normalmente, os pais desses jovens também não acreditam na política”. Por outro lado, “não tem havido muito bons exemplos, de alguns políticos, e não são casos isolados, são casos repetidos”, admite.
Em relação ao PCP, no ano passado “foram contabilizadas 34 novas filiações” na Organização Regional de Leiria, avança Ângelo Alves, membro do Comité Central. “A muito ligeira diminuição do número de militantes do PCP” no distrito “deve-se na sua esmagadora maioria a causas de falecimento e mudança de morada ou de local de trabalho”, explica.
Um dos aspectos que distingue o PCP é que “dá prioridade à organização dos seus militantes que são trabalhadores por conta de outrem em células de empresa ou sectores profissionais”, e, nesse sentido, está em curso “uma campanha de contactos com trabalhadores com o objectivo de reforçar a organização do PCP nas empresas e locais de trabalho”.
A escolha dos dirigentes locais nem sempre mobiliza as bases. Depende do partido, da dimensão do concelho e do momento em que se realiza a eleição. O presidente da Câmara Municipal de Leiria, Gonçalo Lopes, é presidente da comissão política concelhia do PS em Leiria graças a 199 votos. Álvaro Madureira, que lidera o PSD no concelho, recebeu 248 votos na eleição interna. Entre os novos secretários de Estado, anunciados esta semana, está António Sales, actual presidente da Federação Distrital de Leiria, eleito com 624 votos contra 385 da candidatura adversária.
Já Carlos Duarte foi eleito em 2018 presidente da comissão política concelhia do CDS de Leiria com 71 votos, numa eleição em que participaram 131 militantes. No concelho de Leiria residem 127 mil pessoas. “Não havia memória de uma votação tão elevada, houve duas listas. O normal é que haja uma lista única”, afirma. Com tão baixa afluência, é fácil controlar as bases? “Não é”, garante. “Depende de como cada partido está organizado, mas em princípio são plurais e democráticos e os caminhos que seguem são o resultado da vontade das bases e não de uma pessoa”.
De acordo com Carlos Duarte, o défice de participação “é um problema nacional”, não exclusivo de partidos ou concelhos. No CDS, o número de militantes aumentou, até 2014, chegando a 33.500, em todo o País, resta saber daí para cá, período que coincide com a saída do Governo. “Noto que a vontade, a disponibilidade das pessoas para estas iniciativas, para estas organizações, é cada vez menor, isso reflecte- se em tudo, na mobilização, nas propostas”, explica. Os portugueses andam “mais desalentados, há cansaço”. E a classe política, como outras, “tem perdido prestígio”, está cada vez mais “sob escrutínio”.
Soluções? “Acima de tudo, credibilizar a política, porque a política é uma função necessária, é necessário haver políticos que são quem gere a causa pública”, responde Carlos Duarte. Para Maria Manuela Pereira, tudo passa por “exigir transparência”, o que “tem de partir da própria classe política”. Na perspectiva de Hugo Oliveira, “os partidos têm de olhar para dentro e perceber como é que se podem aproximar do eleitores”, mantendo a idelologia, mas, também, compreendendo “as novas causas que as pessoas defendem e por que é que a sociedade se está a preocupar com elas”.
Nelson Araújo, um antigo sacerdote, compara os militantes políticos aos leigos na Igreja Católica: às tantas, só servem para dizer sim e abrir a carteira. “Os partidos terão de rever a forma como se organizam e relacionam com as pessoas, os próprios estatutos terão de ser adaptados a novas realidades, a novas dinâmicas”, salienta. “Os militantes não podem ser chamados só para pagar quotas e na campanha eleitoral andarem de bandeira na mão”, critica, devem “participar mais na tomada de decisão” e “têm o direito de ser ouvidos”.
“A militância é um factor de vergonha, de algum embaraço”
É expectável que os principais partidos portugueses, os mais votados e que estão há mais tempo no activo, alterem a maneira como se relacionam com o eleitorado, para contrariar a subida da abstenção, a perda de militantes e o défice de participação na vida política? Por exemplo, aprofundando as experiências já realizadas de eleições directas, isto é, entre militantes, no PS e no PSD, para a escolha do líder do partido, e de eleições primárias, ou seja, abertas a não militantes, no Livre, para a escolha de cabeças de lista? “É difícil dizer”, responde Marco Lisi, investigador e professor na Universidade Nova de Lisboa. Se mudar algo, tem sobretudo a ver com “os perigos” que os novos partidos representam – e em Portugal, desde 2015, as legislativas permitiram a quatro novas forças chegar à Assembleia da República: PAN, Livre, Chega e Iniciativa Liberal.
Tudo depende do que ditam as urnas. Com bons resultados, os maiores partidos tendem a demonstrar inércia; com maus resultados, reagem. “Pessoalmente, acho que os partidos deviam reagir antecipadamente e reconhecer a diversidade e as novas formas de participação, para controlar eventuais efeitos negativos” e “dar um sinal de que vale a pena e que os partidos são capazes de dar resposta aos desejos de participação das pessoas”, afirma Marco Lisi.
Na prática, não é o que se verifica. “Pura e simplesmente têm ignorado esse fenómeno”, diz. “Lamentam o aumento da abstenção, mas não fizeram absolutamente nada para inverter a situação, porque sabem que as pessoas que se podem mobilizar não votam nos principais partidos, a grande massa abstencionista não se revê nos principais partidos”.
Em relação às directas e primárias, o investigador da Nova considera que “o PS foi o caso em que se tentou ir mais longe” e “reconhecer o poder dos simpatizantes”. Tal como o PSD, escolhe o líder em directas (já desde António Guterres). Com António José Seguro, realizaram-se primárias (contra António Costa, que venceu) para nomear o candidato a primeiro-ministro. E surgiu a possibilidade de incluir os simpatizantes em primárias nas concelhias para decidir o candidato à câmara municipal e primárias nas distritais para votar listas de candidatos a deputados na Assembleia da República, o que nunca se materializou. “Os dirigentes do partido sempre tiveram receio de fazer isso porque segundo eles iria dar mais poder aos caciques locais e tornar mais fácil controlar as eleições internas nas bases”, e, ao mesmo tempo, “desmotivar os militantes”.
Marco Lisi explica que a tendência para “o declínio da militância” se verifica “na grande maioria das democracias europeias” e o principal motivo é que as novas gerações “têm aderido menos e identificam-se menos com os partidos”, porque, entretanto, emergem outras formas de participação, por exemplo, as redes sociais.
“O que é preocupante”, considera o investigador, “é ler esses sinais, em conjunto com o aumento da abstenção e o facto de as pessoas acharem que os partidos são todos iguais, todos corruptos”.
José Gomes André, natural da Marinha Grande, investigador e professor de Filosofia Política na Universidade de Lisboa, sublinha “o descrédito da política”, potenciado pelos vários “casos de corrupção”.
Hoje, “estar na política” quase tem “conotação negativa” e muitos independentes são “falsos independentes”, com anos de ligação aos partidos, porque “a militância é um factor de vergonha, de algum embaraço”. Neste sentido, a mobilização ocorre “quando aparecem pessoas cujo prestígio na sociedade cria um determinado movimento ou entusiasmo”.
Nos últimos anos, quem mais capitalizou foi Marcelo Rebelo de Sousa, a partir do comentário político na televisão, que lhe permitiu criar uma imagem fora da esfera do PSD.
Um segundo factor de mobilização, em Portugal, tende a ser negação do primeiro-ministro e do governo em funções, a mudança – António Guterres depois de Cavaco Silva, Durão Barroso depois de António Guterres.
Perante os resultados dos novos partidos em Portugal, José Gomes André diz que não significam tanto “a rejeição das ideologias” como “a rejeição do centrão incaracterístico”. As pessoas “estão a começar a votar em causas muito marcadas ideologicamente, pequenos partidos de um ou dois temas”, de que são exemplo a Iniciativa Liberal e o PAN.
Os resultados das recentes legislativas, de 6 de Outubro, não parecem, a José Gomes André, suficientemente fortes para forçar os grandes partidos a mudarem, por exemplo, no sentido de adoptar o mecanismo das primárias, abrindo o partido a não militantes. “As primárias implicam perder o controlo da máquina e o controlo da máquina é o que permite, através de listas, criar uma estrutura de apoiantes”.
Bases: o tele-trabalho nos novos partidos
Entre os novos partidos que elegeram deputados, até o PAN, que chegou à Assembleia da República em 2015, depende, no distrito de Leiria, mais das pessoas do que da estrutura.
Daniela Sousa é a porta-voz no distrito de Leiria e a única eleita, com mandato na Assembleia Municipal de Leiria. Em tudo o que é assunto administrativo, depende de Lisboa. Chegou a presidente da distrital nas primeiras eleições para o cargo, realizadas em 2018.
As reuniões de trabalho, a nível local, nos assuntos da distrital de Leiria, decorrem tipicamente à distância, numa espécie de tele-trabalho político. “Vai funcionando online, as discussões também são online, vêm as ordens de trabalho, os editais, cada um lê e dá a sua opinião, temos um mapa de votação, se houver algum assunto que seja necessário é feita reunião presencial, mas raramente acontece. Normalmente, conseguimos fazer tudo através do digital e estamos sempre em contacto”, explica.
No partido Livre, a presença no distrito de Leiria assenta, exclusivamente, em militantes individuais, sem estruturas definidas ao nível dos concelhos ou do distrito.
Filipe Honório, cabeça de lista nas legislativas realizadas este mês, diz que é um objectivo, no futuro, formar a primeira comissão política distrital. “Tem sido um processo com alguns avanços e recuos”, avança.
Desde 2014, todos os representantes máximos do partido nas listas são escolhidos através de eleições primárias, isto é, abertas também a não militantes. Um caminho para ajudar a combater a abstenção? “Não é por palavras que se muda alguma coisa, tem de ser por acções concretas. Quando os partidos se abrirem à sociedade, aí, sim, as pessoas podem envolver- se”, considera Filipe Honório.
Luís Paulo Fernandes é o vice-presidente da distrital de Leiria do Chega, sem qualquer órgão de concelho formalmente instalado. “Praticamente sozinho”, Luís Paulo Fernandes atacou a campanha em todos os concelhos a norte de Pombal, no distrito de Leiria. Com reuniões em “lojas cedidas por apoiantes”, o dinheiro saiu do próprio bolso. “Financiei se calhar 80 por cento e o mandatário 20 por cento”.
Agora, Luís Paulo Fernandes espera que a ideia ganhe corpo. “Agora, sim, o partido está a organizar-se e vamos ter dia 26 o conselho nacional, o primeiro depois das eleições”.