Quando estou na praia, na minha casa e o sol e o vai e vem do mar me começam a cansar tenho um sítio onde gosto de me sentar. Sinto-o como uma espécie de posto de observação, neste caso, não só de aves, mas da vida que se vai desenrolando à minha frente.
Como observadora não focada em nada, mas em tudo o que até mim chega, já fiz deduções completamente disparatadas. Uma delas, por exemplo, foi matar a mulher de um meu vizinho por ter deixado de a ver e ele andar vestido de preto! Felizmente, a senhora não morreu. O seu desaparecimento deveu-se apenas ao facto do casal se ter separado e o preto da vestimenta do seu ex-marido nada mais revelava do que, muitas vezes, ele gostar de se vestir assim.
Ora, claro está que uma dedução tão grosseira me levou a refletir nos porquês de eu ter feito tal coisa e desde logo concluí que errei ao ter permitido que fosse um “simplesmente ver” e não uma observação a base para aquela minha dedução. Por outro lado, errei também quando me permiti dar alguma credibilidade à leitura que fiz do novo que estava a ver sabendo eu que ela era superficial, tinha uma origem sensitiva e a sua génese se baseava em práticas costumeiras da minha cultura popular.
Lembrei-me desta situação ao ler os comentários mordazes feitos a um artigo escrito por um especialista em educação, no jornal Público. A maior parte dos comentários apenas refletia um feroz desagrado pelo facto do articulista ter a ousadia de, sendo (só!) um especialista em educação, falar de educação, sem ser professor numa escola de um qualquer ciclo da escolaridade obrigatória! E eu, perante estas recorrentes posições de professores, fico sempre espantada.
Primeiro porque não percebo como podem professores não compreender que muitos dos problemas que envolvem o não conseguirem pôr os seus alunos interessados em aprender se relacionam com o facto de nas aulas, não arranjarem ou não terem tempo para observar os modos como cada um deles aprende e que afinal tudo o que sobre isso concluem se baseia no que apenas veem.
Em segundo lugar e decorrente desta (sempre referida pelos professores) falta de tempo, eu fico perplexa por tais profissionais não sentirem que podem ser ajudados se estudarem e levarem nas suas práticas letivas em conta os ensinamentos dos especialistas em educação, esses sim, produtores de um conhecimento baseado em verdadeiras observações.
Tenho para mim que tal como eu, que matei a minha vizinha ao me esquecer de que para conhecer só ver não chega, muitos professores, sem terem consciência disso, também andam, desesperados, a por um fim, na vida escolar de alguns e assim, se põem, como se fossem deuses, inadmissivelmente, a interferir em futuros…
Texto escrito segundo as regras do novo Acordo Ortográfico de 1990