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O dia 11 de Setembro de 2001 marcou o mundo com o ataque às Torres Gémeas em Nova Iorque. Vinte anos depois a data irá marcar, pelo menos, o País e a região. No sábado, o Pavilhão do Lis, o primeiro inclusivo construído de raiz, abre portas para um jogo de andebol em cadeira de rodas entre a equipa da delegação de Leiria da Associação Portuguesa de Deficientes (APD Leiria), crónica campeã de Portugal, e a selecção nacional da variante.
Na terça-feira, o JORNAL DE LEIRIA convidou três atletas da APD de Leiria a conhecer o espaço antes da sua abertura. Apesar de ainda estarem a ultimar alguns pormenores do espaço, com pequenas intervenções, o Pavilhão do Lis passou no teste com nota máxima. O que é que falta?
“Aqui, falta ganhar títulos. É só o que falta para estrearmos o pavilhão e colocar o nosso nome nas suas paredes. Falta a bola rolar, porque o resto está impecável.”
As palavras são de João Jerónimo, atleta da APD de andebol adaptado. Amputado de uma perna, o jovem de 32 anos sublinha que nem os pavilhões que têm zonas adaptadas são tão bons como os balneários não inclusivos do pavilhão das Cortes.
“É bom saber que este pavilhão foi feito à nossa medida. Foi feito com cabeça, tronco e membros”, destaca ainda, exemplificando com as tabelas de basquetebol suspensas.
Segundo conta o atleta, que também já jogou basquetebol em cadeira de rodas, durante a competição as cadeiras ganham velocidade e há o risco de embaterem contra os postes das tabelas. Sendo suspensas, esse problema desaparece e ainda facilita a vida aos jogadores nos treinos, que não têm de andar a empurrá-las. O pavilhão inclusivo vai permitir a realização da maioria dos desportos adaptados.
Além do andebol e basquetebol em cadeira de rodas, será possível ainda disputar-se voleibol sentado ou o goalball, destinado a cegos. No [LER_MAIS]futuro, o ténis adaptado também pode ser uma realidade. Com linhas em relevo para o goalball, o chão está marcado com as dimensões adequadas a cada desporto e as balizas adaptadas para pessoas com deficiência.
“Este piso é um espectáculo”, admira-se João Jerónimo quando se depara com o campo. “É igual ao do Sporting”, explica Carlos Palheira, vereador do Desporto do Município de Leiria, que investiu 2,3 milhões de euros na construção do pavilhão inclusivo.
Na visita guiada, Manuel Sousa, Luís Ramos e João Jerónimo, três dos vários atletas que integram as equipas da APD Leiria e que vão utilizar semanalmente o Pavilhão do Lis, vão deixando escapar elogios. Manuel Sousa, paraplégico, aproveita a presença de Carlos Palheira para ir dando algumas sugestões. Ao visitar os balneários, o deficiente motor pede para não esquecerem as cadeiras em plástico para o banho. O espaço dos dois balneários inclusivos é “enorme”. Os armários são baixos e ao nível da cabeça de quem está sentado numa cadeira de rodas.
“Em muitos pavilhões sou obrigado a mandar a minha roupa lá para cima”, constata Manuel Sousa. Os chuveiros são outro equipamento que merece o aplauso de todos. “A forma como foi concebido dá-nos bastante independência. Já não é preciso auxiliarmos-nos uns aos outros. Claro que todos gostamos da nossa privacidade e agora podemos tê-la”, acrescenta João Jerónimo.
Chegados aos outros dois balneários destinados a pessoas “que não precisam de tanta adaptação”, os jogadores ficam surpreendidos com o espaço. “Neste pavilhão encaixamos em qualquer lado. Mesmo os balneários que não são exclusivamente inclusivos são muito bons”, acentua João Jerónimo, referindo que até os próprios chuveiros e lavatórios podem ser utilizados por pessoas com algumas limitações físicas.
“Dêem-nos espaço que nós não precisamos de mais nada”, acrescenta Luís Ramos, que constata que neste pavilhão um deficiente motor, como é o seu caso, pode percorrer a infra-estrutura de forma autónoma, uma das grandes vantagens apontada por todos.
Manuel Sousa completa ao afirmar que a sua limitação física não os faz uns “coitadinhos” e que podem fazer a sua vida normal se lhes derem as condições de mobilidade. “Estou sempre a dizer isso, sobretudo às mães [deficientes], que são mais protectoras. Deixem os filhos fazer as coisas, porque conseguem. Os filhos precisam de independência. Só temos de lhes criar as condições.”
Habituados a percorrer o País de norte a sul para a participação nas provas de andebol e basquetebol em cadeira de rodas, os jogadores garantem que “a nível nacional não há nada idêntico”.
Com as novas instalações a APD Leiria espera conseguir recrutar “sangue novo” para a equipa e garantir mais e melhores resultados. Uma das novas contratações pode mesmo vir a ser um jovem cabo-verdiano de 18 anos, que veio para Portugal para ser amputado. “Ele tem todas as condições para ser um bom atleta. Já o convidei para vir conhecer a equipa”, adianta Manuel Sousa.
O Pavilhão do Lis não é exclusivo para o desporto adaptado e serão vários os clubes a utilizar a infra-estrutura desportiva. No entanto, o equipamento disponibiliza uma sala de arrumos, que será utilizada pela APD Leiria para guardar as suas ‘sapatilhas’ de cinco mil euros, como brinca Manuel Sousa, referindo-se às cadeiras de rodas adaptadas para a prática do desporto.
Inclusão é “obrigação de todos”
O Pavilhão do Lis estará disponível para todos os clubes, como qualquer outro equipamento municipal, mas os grupos de deficientes terão prioridade, tendo em conta o carácter inclusivo da infra-estrutura.
Carlos Palheira, vereador do Desporto do Município de Leiria, afirma que a construção deste equipamento nada teve a ver com a candidatura a Cidade Europeia do Desporto. “É uma obrigação de todos nós criar uma sociedade cada vez mais inclusiva. Independentemente da candidatura, temos estado a dotar os equipamentos municipais de condições para que possam ser utilizados por todos. Essa é ainda mais uma obrigação dos responsáveis com funções executivas”, adianta o vereador.
O autarca lembra que o chavão de que a inclusão é uma prioridade é “muitas vezes ouvido”, mas “não basta falar, é preciso fazer”. Nesse sentido, Carlos Palheira revela que a Câmara de Leiria tem previstas intervenções em vários pavilhões e outros equipamentos municipais para os tornar mais inclusivos. “Não são só edifícios, mesmo espaços na cidade têm de ter condições para todos. Temos feito investimento para que todos possam circular de forma autónoma.”