José, de 69 anos, tem dormido em carros abandonados. Recentemente, ocupa um sofá na casa de um amigo. Trabalhava na Bélgica, em 2020, quando a pandemia travou o sector da construção, e viu-se foi forçado a regressar à Marinha Grande. Desde então, não conseguiu encontrar mais nenhum emprego e, com uma reforma de 340 euros, não tem condições para pagar renda.
No final deste mês, também o senhor Ferreira estará na rua. Aos 55 anos, a sobreviver com um magro subsídio de desemprego, o antigo operário conta que o senhorio já lhe disse que vai precisar da casa. “Não tenho alternativa”, lamenta ao nosso jornal.
No concelho da Marinha Grande, o número de pessoas em situação de sem-abrigo não pára de aumentar. À cidade continuam a chegar homens e mulheres que procuram emprego, mas nem todos têm as habilitações necessárias. Sem trabalho, perante o preço e a escassez de oferta habitacional, muitos não têm como sair da rua, contextualizam Ana Patrícia Nobre e Carlo Melo, presidente e vice-presidente da Associação Novo Olhar II. Fábricas e casas abandonadas e até o parque de campismo têm servido de refúgio para muitos destes cidadãos.
Ana Patrícia Nobre explica que a associação [LER_MAIS]terminou em Setembro a iniciativa Casa Capaz, um projecto inovador financiado pelo Centro 2020, destinado à capacitação e à reinserção social de pessoas em situação de sem-abrigo. Quando se candidatou ao projecto, a ANO II tinha por meta abranger 60 utentes. No entanto, a IPSS acabou por ser surpreendida pelo adensar do fenómeno. Ao fim de 17 meses de projecto, a IPSS tinha apoiado 109 pessoas sem casa e/ou sem tecto.
A maioria são portugueses (91%), mas há também cidadãos vindos do Brasil, Ucrânia e Índia. São mais homens (77) do que mulheres (32), muitos deles com patologia mental associada e nalguns casos com historial de adição ao álcool ou droga, refere a presidente.
E na rua estão pessoas de todas as idades, aponta Ana Patrícia Nobre. O Casa Capaz envolveu sem- abrigo dos 19 aos 70 anos, que de início estavam desempregados, reformados ou que, apesar de empregados, não tinham onde morar.
“O projecto foi um sucesso” e proporcionou vários tipos de suporte, entre os quais, apoio alimentar diário, atendimento psicológico, mediação com estruturas da área social e da saúde, incluindo activação da protecção social, dinamização de ateliers ocupacionais, ajuda na procura activa de emprego e formação profissional, bem como procura de alternativas para alojamento, nota a responsável.
“No final, 20 utentes integraram comunidades terapêuticas, de oito passámos a ter 24 pessoas integradas no mercado de trabalho, 23 obtiveram resposta habitacional temporária e 16 resposta habitacional permanente”, salienta.
No entanto, os responsáveis pela associação partilham a “frustração” de não conseguir resgatar toda a gente da rua.“No mercado há falta de resposta de alojamento, sejam casas ou quartos para arrendar”, aponta Carlo Melo.
“Muitos destes 109 utentes até cumpriam critérios para serem integrados no nosso projecto de Apartamentos Partilhados Casa 22. Mas só temos dez camas, que estão permanentemente ocupadas”.
Ana Patrícia Nobre refere ainda que o sistema de financiamento deste projecto, por reembolso, não se ajusta à urgência das necessidades de uma associação desta natureza.
Município reconhece constrangimentos
Contactado pelo nosso jornal, o Município da Marinha Grande “reconhece a existência de constrangimentos no domínio da habitação, resultantes da conjugação de vários factores, como: o aumento da especulação imobiliária, associada ao facto da procura ser bastante superior à oferta; o crescimento do fluxo migratório no concelho, que potencia o aumento da procura habitacional; as limitações de resposta habitacional por parte do sector público, bem como o défice de respostas habitacionais de carácter colectivo (quartos, pensões, residenciais, etc.)” A autarquia salienta que a problemática das pessoas em Problema vai além da habitação Município reconhece constrangimentos situação de sem-abrigo “exige uma abordagem e intervenção alargadas, multisectoriais e multidisciplinares, que não se reduzem aos constrangimentos relacionados com a habitação”. Frisa ainda que “têm vindo a ser resolvidas algumas das situações identificadas, num trabalho articulado entre serviços”. Acrescenta que, “pese embora, de momento, não estejam disponíveis os dados relativos ao número de pessoas em situação de sem-abrigo, para o ano que agora finda, as pessoas nessa condição, referenciadas ao município, ficam aquém do referido número”.