Patrício Gaspar é o “Barbeiro de Leiria”. No seu ninho de águia empoleirado no edifício do antigo Centro Comercial Sol Leiria, corta cabelos e apara barbas enquanto, pela janela, o seu horizonte quotidiano se abre para o Parque Municipal tenente-coronel Jaime Filipe da Fonseca.
Dali, vê o Rio Lis, transformado em canal encimentado e mal amado, e para uma relíquia datada do final dos anos 30 do século XX.
Desde pequeno, que o coração de Patrício bate mais forte, quando, ao visitar o parque, as suas mãos tocam a superfície de metal fino e frio do Beechcraft C-45 Expeditor, o avião que, desde 1977, oficiosamente, dá nome ao espaço verde; o “parque do avião”.
Preocupado com o estado de conservação da aeronave, que é, hoje, um dos símbolos da cidade, o barbeiro quer ser o embaixador do avião e promover um encontro entre os leirienses e este ex libris, para que, conhecendo-o, o passem a amar e a proteger, em vez de o destruir, como tem estado a acontecer, nos últimos anos.
Patrício encetou contactos com a autarquia, com a FAP, com o Museu do Ar e com a Base Aérea de Monte Real, de onde o avião foi cedido, para recuperar e salvar do esquecimento este símbolo da cidade.
O avião de Leiria, por Patrício Gaspar
O “parque do avião” é bem conhecido dos leirienses, mas não pela sua real toponímia de “Parque Municipal tenente-coronel Jaime Filipe da Fonseca”, que é uma homenagem prestada pelo município a este filho da cidade, que faleceu durante a ditadura do Estado Novo, no Assalto a Beja, em 1962, quando era subsecretário de Estado da Defesa.
Para saber mais, decidi investigar no Arquivo Distrital de Leiria, onde encontrei alguns manuscritos, artigos de jornais locais e do Arquivo Histórico Militar de Lisboa e falei com leirienses de maior idade. Fica aqui a síntese das minhas descobertas, para memória futura.
Poucos conhecem a história do avião que está exposto no meio do parque e que veio para Portugal, cedido à Força Aérea, após a Segunda Guerra Mundial.
Os primeiros Beechcraft destinaram-se à Aviação Naval, sendo, mais tarde, transferidos para a Força Aérea Portuguesa em 1952, após uma adaptação ao transporte e atribuídos aos comandos de diversas unidades militares.
Durante muito tempo estiveram ao serviço nas Base Aérea (BA) N.º 1 – Sintra; BA N.º 2 – OTA; BAN.º 5 – Monte Real e BA N.º 6 – Montijo.
O aparelho tem a designação de Modelo C-45 Expeditor e é um avião canadiano bimotor, monoplano de asa baixa, construção metálica, hélices metálicas de duas pás, construído pela Beechcraft. O primeiro protótipo voou pela primeira vez a 15 de Janeiro de 1937.
Tem comprimento de 10,4 metros, envergadura de 14,5 metros e altura de 2,8 metros.
Nas asas, dois motores Pratt C Whitney R985-B5 com nove cilindros radiais arrefecidos a ar, debitam, cada um, 450 cavalos.
Quando voava, poderia atingir uma velocidade máxima de 370 Km/h, sendo a sua velocidade de cruzeiro de 330Km/h.
O tecto máximo de operação é de seis mil pés, tendo uma autonomia de 1600 Km. Pesa 3793 Kg e conta com uma tara de 2671 Kg.
Segundo o esquema de pinturas da FAP – Força Aérea Portuguesa, a sua construção metálica inclui chapa em alumínio polido e dorso branco, ostenta a Cruz de Cristo sobre círculo branco, na face superior da asa esquerda e inferior na asa direita, alternado com as cores nacionais sem escudo num rectângulo nas laterais dos estabilizadores verticais, encimado pelos algarismos de matrícula pintados a preto.
Na sua utilização normal, servia para transporte, instrução de navegadores, patrulhamento e observação marítima, tendo uma capacidade para oito passageiros: seis tripulantes e dois pilotos.
Os Beechcraft C-45 Expeditor foram retirados de serviço em 1973, sendo que apenas existem registos deste modelo no parque de Leiria e de outro, no Museu do Ar, em Sintra, o que os torna em verdadeira relíquia da aviação portuguesa.
Há documentos que atestam que, ao serviço do comando na Base Aérea de Monte Real (BA N.º 5), o aeroplano serviria para deslocações até ao aeroporto de Figo Maduro onde, durante a Guerra Colonial havia armamento excedentário retirado de caças F84 (abatidos e desmantelados).
Uma vez que era necessário dar formação aos pilotos, sendo utilizada uma grande quantidade de munições que a Base Aérea N.º 5 não tinha no paiol, era em Alverca onde eram entregues as guias de controlo de existências, já que a Nato se opunha ao conflito no Ultramar e havia escassez de armamento. O Beechcraft C-45 serviria para o transporte desse armamento.
O aparelho ainda servia para transporte de pessoal. Como vários pilotos da BAN.º 5 viviam em Lisboa, à segunda-feira, trazia-os da Portela (actual aeroporto Humberto Delgado) até Monte Real e à sexta levava-os de regresso.
Em termos históricos, o avião surge no parque de Leiria em 1977, tendo sido colocado junto ao Bairro dos Anjos, onde se permaneceu até meados do ano 2006, quando o espaço público, tinha outra configuração.
Após a requalificação promovida pelo Programa Polis, foi colocado no actual local, com o fim de lhe dar maior visibilidade.
Desde 1977, o aeroplano foi pintado por duas vezes, sempre após actos de vandalismo alvo, mas sem uma grande preocupação, sem grande acondicionamento e sem regras.
A Câmara Municipal de Leiria devido ao custo elevado de um espaço para acondicionar e explicar a história do aparelho – um museu -, acabou por o recuperar na sua essência exterior em 2009, pelas mãos de Fernando Manuel, natural de Monte Real.
Foram executadas reforços de pintura exteriores, tapadas as janelas com vidros foscos e o total fecho de portas de acesso ao interior.
Contudo, os actos de vandalismo persistem e, neste momento, o avião que dá o nome oficioso ao parque, encontra-se novamente em muito mau estado.
A própria FAP desconhece o estado de conservação do Beechcraft de Leiria, que, sendo uma peça única em Portugal, merece a consideração de todos.
Muitos leirienses, recordarão o lago dos patos, o ringue de basquete, ou as instalações dos campos de ténis.
Neste momento, a aeronave está novamente degradada, dado que as pessoas sobem e saltam em cima dele, há peças soltas, peças partidas, pintura degradada e descolada, bem como inscrições e graffiti.
Se queremos ficar com esta história bem viva temos de a preservar e impor medidas. Regras simples, como não subir para cima dele ou criar um roteiro de visitas para contar a sua história às crianças, para que estas o adoptem como seu.
Dados históricos, registos de Cartas do Arquivo Municipal
Corria o ano de 1975 quando o coronel Rui Carvalho Ferreira Santos trocou correspondência entre a Marinha Grande e Lisboa, solicitando ao general chefe do Estado Maior da Força Aérea a cedência de um avião JU-52 para a Câmara Municipal de Leiria instalar num parque infantil.
Dando assim uma nova casa ao modelo em fim de vida na Base aérea de Monte Real.
Passo a citar “esta Câmara empenhada em proporcionar às crianças desta cidade, um parque infantil, onde possam as mesmas dar largas aos seu espírito, numa liberdade, bem-estar e segurança que tranquilize as preocupações de seus Pais, (…) e que possam ver ao real, aquilo que tantas vezes vêm passar sobre elas”.
Meses mais tarde, haveria um despacho favorável à cedência de um Beechcraft, sendo que a autarquia foi avisada, nesse ano de 1977, que teria três semanas para levantar o avião BC 2508.