Infantil? Imaturo? Pelo contrário. O mundo gerado na pintura de Neuza Matias, com títulos como “Molas derretidas e bolos do estendal, retrato de sapo” ou “A bulha pela chave do reino na algibeira”, revela-se, afinal, um caldo de “vida e morte, amor e sofrimento”.
Essa é, pelo menos, a leitura de Leonardo Rito, responsável pela curadoria da exposição de artes plásticas do festival A Porta em 2022, em que Neuza Matias esteve representada.
“O mundo misterioso de Neuza Matias é-nos apresentado em tom de brincadeira, infantil e aparentemente imaturo, povoado por figuras que parecem brinquedos. Vemos paisagens de outros mundos, com seres de outros mundos, a fazer coisas que não lembram ao diabo (…) No meio deste cenário absurdo, geralmente encontramos um paralelo óbvio com o nosso mundo (…) No fundo e quando visto de perto é um trabalho sobre vida e morte, amor e sofrimento”, comenta Leonardo Rito, citado pela associação cultural Albardeira, na nota de divulgação sobre a presença de Neuza Matias no próximo episódio do Ciclo Albardeira, que acontece nesta quinta-feira, 27 de Abril.
No Teatro Municipal de Ourém, a artista plástica originária do concelho e actualmente a viver em Inglaterra vai intervir ao vivo durante o concerto do projecto Victoria, com quem esteve em residência de criação, ao longo dos últimos dias, na antiga escola primária da vila medieval de Ourém.
Além do festival A Porta, Neuza Matias já expôs em Lisboa (Corrente de Ar Vol. II) e no Reino Unido (Southwark Park Galeries e APT Gallery, ambas em Londres).
Com 20 anos de idade, estuda pintura no Camberwell College of Arts da University of the Arts London.
No complexo alternativo que vai gerando em cada tela, a artista de Ourém tanto convoca um novo alfabeto suportado na ficção como liga a criatividade ao ambiente comum.
“Uma coisa fantástica, de outro universo, tem tudo a ver com aquilo que eu faço a nível de pintura”, refere ao JORNAL DE LEIRIA. Porém, “no fundo, é sempre um paralelo ao nosso mundo real, àquilo que nós vivemos, situações de dia a dia que passamos, situações de dor, amor, luto, seja o que for”.
No texto que acompanhou a exposição Casa Plástica no festival A Porta, no ano passado, Leonardo Rito destaca a densidade do trabalho de Neuza Matias.
“É muita informação para se digerir num instante. Após o primeiro impacto, quando já habituados a este novo mundo de cores choque, surge a curiosidade — O que é que se passa aqui? Quem são estas figuras? — Felizmente temos os títulos, que nos ajudam a estabelecer ordem na narrativa, apenas para perceber que estamos perante um cenário de completo non-sense. E rimos. Primeiro que tudo, porque é engraçado, tal como o desenho de uma criança é engraçado”, escreve o artista plástico de Leiria.
“Neuza Matias conserva a frescura de uma criança, artista, a brincar e ainda assim consegue pôr adultos a pensar em coisas que não são brincadeira nenhuma”, salienta.
No comentário que acompanha vários trabalhos de Neuza Matias disponíveis online, a iniciativa Made in Arts London (MiAL) salienta: “Da pintura, à escultura, ao desenho, (às vezes) à cerâmica e tudo o que ela achar peculiar, a “inocência” e a ironia de explorar padrões da cultura contemporânea, cruzando temas de alta arte ou apenas assuntos tradicionais, como se fossem narrados pelos olhos das crianças, é o fio condutor que liga todas as suas obras e composições imaginativas”.
Nesta quinta-feira, 27 de Abril, abre-se uma janela sobre o movimento de cores e formas assinado pela artista com raízes no Olival. O espectáculo no Teatro Municipal de Ourém tem início às 21:30 horas e o bilhete custa cinco euros.