Muitos conseguiram comprar o modelo automóvel que desejavam, outros construiram uma casa de sonho junto à praia. Podem até vestir fato e gravata e coleccionar viagens por países de vários pontos do globo. Mas a vida dos empresários é bem mais espinhosa do que transparece. Dia 25 de Novembro assinalou-se o Dia do Empresário e o JORNAL DE LEIRIA foi conhecer o lado pouco apetecível de quem decidiu abraçar um negócio por sua conta e risco.
Aos 61 anos, já aprendeu a delegar tarefas nos seus colaboradores, e numa das suas filhas, até porque reconhece que os jovens estão agora mais preparados para responder com rapidez e criatividade às solicitações dos clientes, sobretudo quando os contactos surgem através das novas tecnologias.
Mas só há pouco tempo Fátima Neves começou a poder respirar com mais alívio, depois de longos e intensos anos de trabalho como empresária. Aliás, nunca soube ser outra coisa. Mas essa maior tranquilidade não significa que não se mantenha ainda completamente sintonizada com os seus negócios.
A empresária faz questão de passar todosos dias pel' A Grelha e de ajudar em tudo o que for necessário. E um dos seus projectos é colocar um elevador no restaurante, para nunca deixar de o visitar, mesmo quando as pernas já não cooperarem.
Se conseguiu construir uma casa e oferecer um curso superior a cada uma das suas filhas, mesmo estando separada do pai delas, foi porque nunca teve medo de arriscar e de abraçar os negócios por sua conta e risco, explica a empresária de Leiria.
“Os meus avós vendiam na praça”, conta Fátima Neves, justificando assim a sua veia empreendedora. Começou por ter um negócio na área dos electrodomésticos, seguiu-se um mini-mercado, mais tarde um café, um restaurante e depois a Fatifesta, a empresa de organização de eventos integrada n'A Grelha.
Ser empresária não significa ter uma vida fácil. Antes pelo contrário, expõe Fátima Neves, que recorda tempos inacreditavelmente pesados. “Começava a trabalhar na cozinha pelas 8 ou 9 horas, depois de já ter ido às compras no mercado. Depois ficava até às 3 da manhã a fazer arranjos de flores e decorações”, recorda Fátima.
“Fazia grelhados até ficar com os bracinhos queimados”, relata a empresária. Nos seus primeiros anos de actividade, o mundo dos negócios era dominado por homens. Na restauração, as mulheres ficavam literalmente na cozinha.
Fátima Neves teve de remar contra a corrente. Tinha apenas 21 anos quando foi sozinha pela primeira vez negociar um empréstimo com a banca. E, como era mulher, nunca era convidada para participar em almoços de negócios, salienta a empresária.
As alterações das tendências, as crises, tudo isso exigiu de si grande capacidade para reinventar os negócios. E uma das maiores provas de fogo aconteceu não há muito tempo, aponta a empresária.
Com a grande crise que se instalou entre 2008 e 2014, foram “muitas as lágrimas” derramadas “sem saber se tinha dinheiro para pagar os impostos”. Mas o espírito combativo e a criatividade permitiram-lhe ultrapassar as contrariedades. Hoje, Fátima emprega 25 pessoas, organiza eventos por todo o distrito de Leiria, Coimbra e Lisboa e chega a assegurar coffee break para 600 pessoas.
Ver uma oportunidade em cada dificuldade
Rui Cardeira tem 55 anos, 16 dos quais vividos à frente da agência imobiliária Cardeira e Costa. E antes deste, foram muitos os negócios constituídos pelo empresário. Um mini-mercado, um bar e o comércio de produtos para a indústria foram algumas dessas primeiras experiências.
“Sempre tive vontade de dirigir os meus próprios projectos”, conta Rui Cardeira, frisando que não é caso isolado na família. Há pelo menos dois tios que também se aventuraram em negócios por conta própria.
Neste momento, Rui Cardeira já se pode dar ao luxo de fazer algumas viagens. Comprou uma casa de férias no Algarve e tem um bom automóvel. Mas para o alcançar teve de percorrer um caminho de muito trabalho, que ainda não terminou.
Quando fundou a Cardeira e Costa, a empresa tinha apenas três colaboradores, sendo que dois eram os sócios. E a agência tinha ainda pouco tempo de actividade quando a crise no sector imobiliário fez balançar a empresa, impondo grandes mudanças. Rui Cardeira lembra-se perfeitamente dos dias em que deixava a filha bebé no infantário e seguia de carro a pensar no que poderia fazer ao negócio. Tempos de grande angústia. Mas nessa altura, como agora, sempre procurou encontrar oportunidades na adversidade.
Logo ao estalar da crise, em 2008, a Cardeira e Costa formou parceria com a marca Century 21 e o negócio não deixou de crescer. Como está à frente de duas empresas complementares, uma de mediação imobiliária, e outra de compra e venda de propriedades, Rui Cardeira teve de fazer um esforço acrescido, sobretudo nos primeiros anos nesta actividade.
Não esquece um dia 1 de Novembro, feriado em que toda a família estava em casa, e o empresário teve de sair e conduzir sob uma imensa tempestade para tratar do negócio de uma propriedade em Lisboa.
Actualmente, apesar do êxito e crescimento das empresas, Rui Cardeira passa boa parte dos dias em reuniões em cada um dos três escritórios, dividindo-se entre Leiria e Marinha Grande, e em viagens mais longas para trabalhar no terreno. Aproveita muitas vezes o período de almoço para trocar impressões com colaboradores. Que são já 55. Quanto à hora de regressar a casa, essa nunca é fixa, salienta o empresário.
[LER_MAIS] Assumir o negócio antes dos 30 anos
Bruno Carreira é hoje o rosto das lojas Five, de Leiria. Mas quando chegou ao negócio encetado pelo pai, a vida não lhe estava particularmente facilitada. Com a morte do fundador da empresa, e com apenas 27 anos, Bruno tinha diversas lojas para gerir e uma série de funções para cumprir, que não esperava desempenhar tão cedo.
“Quando fui pela primeira vez a Itália para comprar uma colecção, perguntaram-me onde estava o responsável pela empresa, o chefe”, conta Bruno Carreira. Entretanto passou já uma década e Bruno Carreira, apoiado pela irmã, demonstrou capacidade para dar continuidade e êxito ao negócio.
Mas nem por isso desapareceram as dificuldades associadas à liderança de uma empresa familiar num ramo como o pronto-a-vestir, explica o empresário. Além de vender nas lojas – porque no comércio tradicional muitos clientes fazem gosto em que seja o próprio a atender – Bruno tem de tratar de assuntos relacionados com a gestão da empresa e com os recursos humanos. Tarefas que aproveita para fazer depois de encerrar os estabelecimentos comerciais e que por isso lhe roubam tempo de lazer com família e amigos.
Trabalha-se de segunda a sábado e, em épocas festivas, também ao domingo, observa o empresário. Quando se está fora – porque a profissão exige viagens frequentes às grandes capitais da moda, como Milão, Paris ou Madrid – viaja-se por obrigação profissional e não por prazer.
O objectivo é conhecer e comprar colecções e não há tempo para passear pelos diversos países, como julgará quem não trabalha nesta área, conta Bruno Carreira. Gostar do que se faz, conseguir reconhecimento pelo trabalho e gozar também de algum conforto financeiro são, por outro lado, as razões que o mantêm neste ritmo intenso, explica o empresário de Leiria.
Jornadas longas com agenda lotada
As pessoas sabem que passa a vida a viajar e assistem ao crescimento da sua empresa. O que nem todas saberão é que Mário Frutuoso carrega a responsabilidade de garantir o pão a 50 famílias. E isso, explica o gerente da Frumolde, implica um esforço pessoal de grande dimensão.
Tinha apenas 30 anos de idade quando decidiu estabelecer-se por conta própria e avançar com a constituição da fábrica de moldes. Foi há 27 anos. Os seus pais nunca foram empresários e entendiam que o filho, que tinha um emprego estável na Alemanha, corria muitos riscos aos estabelecer- se por sua conta. Mas, apesar da apreensão da família, Mário Frutuoso decidiu regressar a Portugal e aplicar a sua experiência de trabalho na indústria de moldes.
“Foi difícil”, salienta o empresário, recordando que quando uma empresa arranca do zero é preciso batalhar bastante para ganhar a confiança dos clientes. “Os primeiros dois anos foram de muito trabalho. Depois, fruto da qualidade e dos serviços, fomos crescendo”, recorda o sócio-gerente.
Mas se tudo começou com pouquíssimos colaboradores, o crescimento da empresa levou ao aumento da equipa. “Agora, existe uma preocupação contínua, porque se assume a responsabilidade perante todos”, nota o empresário. Não apenas perante a sua própria família, mas perante a família de cada um dos 50 colaboradores da Frumolde.
Lá em casa o despertador toca pelas 5:30 horas e, apesar de acordar de madrugada, a maior parte das vezes Mário Frutuoso só regressa a casa pela hora do jantar, às 20:30 horas. À hora do almoço nunca tem possibilidade de fazer refeições em casa. Isto se ficar pelo País, o que também nem sempre acontece.
“Passei os últimos quatro fins-de-semana em aviões, em viagens para o México e para o Egipto”, exemplifica o empresário. E quando se está em viagem nem sempre há tempo ou local para fazer uma alimentação saudável. E com a idade “o corpo ressente-se”. Muito mais ainda quando não se tem disponibilidade para praticar exercício, observa Mário Frutuoso.
Ao contrário de um colaborador por conta de outrem, que até pode fazer horas extraordinárias, mas chega a casa e “desliga” dos problemas do emprego, os empresários levam os problemas para casa e vivem a empresa 24 sobre 24 horas. Continua a debater-se o problema com a esposa e às vezes há noites mal dormidas, frisa o empresário.
E, quando se olha para trás, nem sempre se consegue evitar mergulhar em tristeza. Porquê? Porque aos 57 anos Mário Frutuoso percebe que não viu os três filhos a crescer e que talvez não venha a acompanhar também o crescimento dos seus netos, explica o sócio-gerente da Frumolde.
“Às vezes pesa na consciência”, confessa o empresário. Falta-se a reuniões de escola e a jantares de aniversário da família, exemplifica Mário Frutuoso. É necessário ter alguém que compreenda e que assuma o leme do agregado quando o marido está embrenhado no negócio, expõe Mário Frutuoso.
Apesar de tantos constrangimentos, cada negócio, cada investimento bem conseguido na Frumolde continua a suscitar grande entusiasmo no empresário. “Porque fazer uma empresa é como um filho que se deita ao mundo”, compara o fundador da Frumolde. E como será a reforma? Talvez difícil, supõe o empresário.
Embora saliente que o processo de sucessão da empresa já esteja pensado, Mário Frutuoso reconhece que, depois de uma vida de dedicação e de correria, seja difícil aceitar os dias de tranquilidade longe da fábrica.
“Isto não é só ser dona de alguma coisa”
Tem 31 anos e inaugurou recentemente a loja Ginger Make Up & Beauty, em Leiria. Daniela Ramos teve a coragem de constituir negócio por conta própria numa actividade onde a concorrência é muita. Mas a jovem está determinada a dar o seu melhor pelo êxito deste espaço franchisado.
Quem a vê em viagem constante ou à frente da loja nem sempre percebe a dificuldade que está subjacente à criação de um negócio. “Isto não é só ser dona de alguma coisa”, repara Daniela Ramos. Em primeiro lugar, é preciso ter uma grande dose de coragem, salienta a jovem.
A sua mãe era chef de cozinha e, por receio de arriscar, nunca cumpriu o sonho de abrir um restaurante, salienta Daniela. Depois, é necessário grande investimento pessoal e financeiro, prossegue a jovem.
Depois de ter completado o ensino secundário, Daniela frequentou o curso profissional de esteticista e fez uma série de formações complementares até obter o grau de formadora. Começou por trabalhar em casa e por prestar formação numa escola.
Mas, mal percebeu que tinha experiência e ferramentas necessárias para trabalhar no seu próprio espaço, abriu a loja Ginger Make Up & Beauty, onde além dos serviços de atendimento ao público (maquilhagem profissional, unhas de gel e extensão de pestanas), funciona uma academia de formação e uma loja de produtos de estética.
Para ter porta aberta foi necessário “investir na remodelação do espaço, pagar renda, comprar todo o material para stock, pagar licenças, além de assegurar despesas de água e de electricidade”, enumera a empresária, que formou sociedade com o namorado.
Além dos encargos a suportar, é necessário encarar jornadas de trabalho de 12 ou 14 horas. Não apenas na loja, durante o dia, mas também em casa, à noite, a responder aos emails, a preparar as sessões de formação, a trabalhar na divulgação do espaço, especifica a empresária.
“Muitas vezes, roubo tempo de lazer com a família”, observa Daniela. E no Verão, a rotina fica ainda mais violenta. “Como é uma época de muitos casamentos, levantome de madrugada e viajo de Norte a Sul do País. Saio muito cedo de casa para começar a trabalhar cerca das 6 da manhã. E nunca posso fazer férias ao mesmo tempo que a maior parte da família e dos amigos”, expõe a jovem.