Nicha Cabral, Pedro Matos Chaves, Pedro Lamy, Tiago Monteiro e, agora, Alexandre Caseiro Santos. A Fórmula 1 conta, desde o início deste ano, com mais um nome com origem em terras lusas.
Até pode parecer que tem “cara de miúdo”, mas tal como Pedro Lamy, o autor da célebre frase, também é “muito rodado” e gosta de conduzir depressa. Natural do concelho da Marinha Grande e com apenas 24 anos, este engenheiro que se formou no Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP) é agora um dos “trunfos secretos” com que a Williams – e os pilotos Felipe Massa e Lance Stroll – contam para levar a célebre equipa britânica até aos primeiros lugares do pódio.
Como? Ajudando a desenvolver o actual carro de competição e, mais importante ainda, o bólide que, na temporada de 2018, vai acelerar pelas pistas do circuito mundial do “grande circo” e transformar todas as curvas em rectas percorridas em altas velocidades.
Alexandre Santos é simulation engineer na equipa de machine design, da scuderia fundada por Frank Williams e Patrick Head. Admite que, desde muito pequeno, sempre gostou de carros, mas cuja primeira paixão foram as duas rodas – primeiro as bicicletas e, mais tarde, o enduro, que praticava com o pai.
No entanto, foi a ambição e a obstinação de sonhar sempre mais alto que o levaram até a uma das mais antigas e bem sucedidas equipas de Fórmula 1, juntamente com a Ferrari e McLaren. A Williams conta com 114 vitórias em Grandes Prémios, nove vitórias como campeã de construtores e sete de pilotos.
A vertigem da velocidade e os “combates”, ao milésimo de segundo, entre pilotos, muitas vezes da mesma equipa, ferem de morte o coração de milhões de aficionados em todo o mundo. E Portugal não é excepção.
Não queima pneu no asfalto quente das pistas, como Lamy ou Monteiro, mas Alexandre acelera para lá do limite, nos circuitos virtuais. “Desenvolvo modelos em software de simulação dos mais variados sistemas, para que se consiga prever o comportamento do carro em pista.
Outra das minhas funções é utilizar esses modelos para ajudar os engenheiros de corrida, para que, mesmo antes de carro entrar em pista, ele esteja o mais perto possível da afinação considerada óptima”, explica.
No dia-a-dia, é frequente cruzar-se e trabalhar com algumas figuras famosas da modalidade “rainha” do desporto automóvel. Sir Frank Williams é uma das presenças constantes na fábrica onde são produzidos os carros e está sempre disposto a dar dois dedos de conversa para explicar este ou aquele detalhe ou contar uma história.
A maior parte das vezes, porém, os contactos são com engenheiros (re)conhecidos como Paddy Lowe – director-executivo técnico da Mercedes AMG Petronas Formula One Team, até Janeiro deste ano – , ou Rob Smedley, actual chefe de desempenho da Williams Martini Racing Formula One, e antigo engenheiro de pista do piloto brasileiro Felipe Massa, quando este estava na Ferrari.
“É bastante inspirador trabalhar com pessoas que já alcançaram tanto neste desporto. Estão sempre dispostas a ajudar a melhorar e tornar-te um melhor engenheiro. No entanto [na equipa da Williams], há também pessoas incrivelmente talentosas mas que, pelas mais variadíssimas razões, não são tão mediáticas, mas que são igualmente inspiradoras.”
Gaffes? Não estou autorizado a partilhá-las
Mesmo para alguém como Alexandre, que já tinha passado pela Motorsport Engineering – Oxford Brookes Engineering e pela Jaguar Land Rover, quando se é o novato num novo posto de trabalho, independentemente da idade, há sempre muito a aprender, entre novos processos e métodos.
E isso pode levar a algumas confusões e situações engraçadas… quando se olha para elas com alguma distância temporal. O simulation engineer da Williams admite que houve algumas gaffes e deslizes, no início, mas que não está autorizado a divulgálos. “Houve uma ou outra, [LER_MAIS] mas por motivos de confidencialidade não posso partilhar.”
Infelizmente, também não tem tido oportunidade de acompanhar as provas e estar no paddock com os pilotos e equipas durante os Grandes Prémios. “Devido à natureza do meu trabalho ser focada na criação e desenvolvimento do carro, não é necessário ir às provas, ou estar na fábrica durante os fins-de-semana de corridas”, explica, com pena.
Mas trabalho é coisa que não falta. O jovem engenheiro reparte o tempo entre afinações em modelo informático ao FW40, o nome com que o carro da Williams Martini Racing deste ano foi baptizado, em homenagem aos 40 anos da equipa, e a criação do modelo da próxima temporada.
A tarefa não é, contudo, fácil. Todos os anos, a Federação Internacional Automóvel (FIA) altera os regulamentos técnicos, sistemas de segurança e as medidas dos carros, para obrigar a modificações e à evolução dos veículos e dos motores. Em 2017, por exemplo, as regras da FIA permitiram que o FW40 fosse maior, mais largo, com pneus maiores, mais bonito e mais veloz do que os carros das temporadas anteriores.
Mas a questão estética é sempre subjectiva e Alexandre trabalha com objectividade e factos. O que se procura então quando se desenha um novo carro, especialmente, dada a dificuldade em inovar, quando os Fórmula 1 são já o expoente máximo do grau de refinamento possível em máquinas pensadas para a velocidade pura?
“A tecnologia está sempre a evoluir e há sempre conceitos novos a serem estudados e desenvolvidos. Visto que o carro só pode andar nos testes oficiais e nos Grande Prémios, é muito importante que se consiga perceber o seu comportamento, de forma a conseguir-se melhorar constantemente.”
A borracha e a velocidade
No ano passado, Valtteri Bottas, então companheiro de Felipe Massa, na Williams, reivindicou ter batido o recorde de velocidade máxima de um carro de F1. O finlandês alcançou 378 quilómetros/ hora no circuito de Baku, no Azerbaijão. Até aí, o recorde pertencia ao colombiano Juan Pablo Montoya, com 372,6 quilómetros/ hora, no Circuito de Monza, Itália.
É óbvio que são os motores, mais ou menos potentes, mais ou menos elásticos e com maior ou menor número de cilindros que impulsionam os carros a tais velocidades superiores, mas é nos detalhes que se alcança a excelência.
A aerodinâmica – a maior ou menor resistência exercida pelo ar num corpo a alta velocidade – é crucial num desporto que se discute ao milésimo de segundo. O engenheiro da Williams explica o conceito com um exemplo prático.
“Se imaginarmos uma borracha numa mesa e a tentarmos deslocar sobre a superfície com um dedo, ela vai mover-se facilmente. No entanto, se a empurrarmos contra a mesa com outro dedo e tentarmos deslocar para a frente, como anteriormente, será preciso muita mais força. Ou seja, a borracha são os pneus, o único ponto de contacto do carro com o chão, e a força que fazemos contra a mesa é a força descendente (ou downforce), provocada pelo ar. Este conceito permite que o carro curve com velocidades muito altas, gerando forças laterais de, até, cinco vezes o seu próprio peso, tornando-se crucial para se atingir um bom tempo por volta, em conjunto com um bom motor, que nos dará uma boa aceleração e velocidade máxima.”
Equipas pequenas vs gigantes automóveis
Após 13 etapas, desde o início da temporada de 2017, a Williams, na classificação dos construtores, está em 5.º posto (55 pontos), bastante longe da Mercedes (435 pontos ) ou Ferrari (373).
Quando apresentou o FW40 e o piloto Lance Stroll como novidades para este ano, Frank Williams anunciou que pretendia voltar a colocar aquela que foi a última equipa do “mágico” campeão Ayrton Senna da Silva, nos primeiros lugares do pódio, tanto de pilotos, como de construtores.
Terão sido a má fortuna e eventos inesperados a ditar a sorte da equipa britânica? “A forma com a Fórmula 1 tem evoluído na última década e, mais recentemente, desde a introdução desta nova geração de motores, em 2014, faz com que seja muito difícil equipas privadas, como a Williams, competirem directamente contra construtores automóveis como a Mercedes e a Ferrari. Isto deve-se ao facto de eles terem controlo sobre o desenvolvimento dos seus motores, e de terem orçamentos acima dos 300 milhões de euros por ano, entre duas a três vezes maiores do que os nossos”, acredita Alexandre Santos.
Coisa de miúdo
“Sempre tive uma paixão por tudo o que tenha rodas, aprendi a andar de bicicleta muito cedo e, mais tarde, comecei a fazer moto enduro com o meu pai. O gosto pelos carros e pela competição sempre lá esteve, e sendo a Fórmula 1 o pináculo do desporto automóvel, era algo que sonhava um dia conseguir fazer… mas não sabia como lá chegar. Depois de ingressar no ISEP, as portas foram-se abrindo e acabei por conseguir.” Alexandre Caseiro Santos está na Williams, neste momento, e no mundo do “grande circo” da “competição rainha” do desporto automóvel, mas, será que existe em si o sonho de passar, por exemplo pela lendária Ferrari? “Não é um objectivo meu, mas só o tempo o dirá”, esclarece. O que gostaria de ver, contudo, seria a Fórmula 1 regressar a Portugal. Os 4.360 metros do circuito do Estoril foram disputados pela última vez em 1996. Quem venceu nesse ano? A Williams, naturalmente. A última corrida, disputada a 22 de Setembro, foi vencida pelo canadiano Jacques Villeneuve, e o colega de equipa, Damon Hill, ficou em segundo lugar. “Portugal parece estar a começar a reunir as condições necessárias para receber um Grande Prémio e há já quem fale em Portimão, no entanto há muitos detalhes que têm de ser acertados para que tal aconteça.”
Classificação Pilotos
1) Lewis Hamilton (ING) – Mercedes – 238 pts
2) Sebastian Vettel (ALE) Ferrari – 235
3) Valtteri Bottas (FIN) – Mercedes – 197
4) Daniel Ricciardo (AUS), 144
5) Kimi Raikkonen (FIN), 138
6) Max Verstappen (HOL), 68
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11) Felipe Massa (BRA) – Williams -31
12) Lance Stroll (CAN) – Williams – 24
Classificação construtores
1) Mercedes, 435 pts
2) Ferrari, 373
3) Red Bull, 212
4) Force India, 113
5) Williams, 55
6) Toro Rosso, 40
7) Haas, 35
8) Renault, 34
9) McLaren, 11
10) Sauber, 5