As campainhas há muito que tocaram como alerta para o futuro do planeta Terra, mas só agora, quando vários especialistas insistem em reforçar os avisos que nos aproximamos de um ponto sem retorno, parece que se agitaram algumas consciências. É urgente diminuir as emissões de CO2 e todos os gases que poluem o planeta, sob pena de deixarmos um mundo degradado e sem futuro às nossas crianças.
Estimando-se que em 2050 o planeta terá 10 mil milhões de pessoas, alimentar todos só será possível com uma dieta sustentável, que passa por reduzir, pelo menos, para metade o consumo de carne vermelha e por duplicar a ingestão de frutos secos, legumes e frutas. A mudança não só contribuirá para um planeta mais sustentável como para uma melhor saúde, reduzindo os riscos de morte prematura em adultos.
Esta terça-feira, um artigo subscrito por mais de 11 mil cientistas de 153 países reforça o estado de emergência climática que o mundo enfrenta e propõe medidas concretas em seis áreas diferentes, fundamentais para travar as graves consequências que a humanidade pode vir a sofrer (página 6).
Já um relatório da Comissão EAT-Lancet (um grupo de trabalho que junta 37 especialistas mundiais nas áreas da nutrição, saúde, sustentabilidade e políticas públicas), publicado em Janeiro deste ano, sublinhava que “a comida é a alavanca mais forte para optimizar a saúde humana e a sustentabilidade ambiental”. No entanto, são precisamente os alimentos que ingerimos um dos problemas que mais “estão a ameaçar tanto as pessoas como o planeta”.
Segundo a EAT-Lancet, o grande desafio para a humanidade é fornecer dietas saudáveis a uma população mundial crescente. “A produção global de alimentos ameaça a estabilidade climática e a resiliência dos ecossistemas e constitui o maior impulsionador individual da degradação ambiental e da transgressão dos limites planetários”, refere o documento.
Por isso, o relatório defende que um “prato de saúde planetária deve consistir em volume de aproximadamente meio prato de vegetais e frutas e a outra metade de grãos integrais, fontes de proteína vegetal, óleos vegetais insaturados e, opcionalmente, quantidades modestas de fontes de animais”.
Os investigadores admitem, contudo, que é preciso adequar a alimentação aos padrões alimentares de cada população e as respectivas necessidades, que são diferentes nos países sub-desenvolvidos. Mas será que é preciso eliminar a carne de vaca das mesas para garantir a sustentabilidade do planeta, tal como fez a Universidade de Coimbra, com a proibição de servir este alimento nas suas cantinas? Será que é necessário tornar toda a população vegetariana?
Ou será que é possível fazer uma alimentação sustentável, diminuindo consideravelmente a pegada ecológica da grande maioria dos produtos consumidos diariamente nas casas de cada pessoa? Ou a solução terá até de passar por introduzir os insectos nas ementas?
[LER_MAIS]Para João Graça, investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e professor na Universidade Católica Portuguesa, “haverá sempre perspectivas diferentes sobre qual o objectivo último em termos de redução ou evitamento do consumo de carne de vaca”.
“Do ponto de vista científico, é cada vez mais consensual que a produção de carne de vaca apresenta custos ambientais muito elevados. A recomendação mais sustentada que conheço foi apresentada no relatório publicado pela EAT-Lancet Commission”, revela o investigador. De acordo com este grupo de trabalho, “o consumo diário de carne vermelha não deveria ultrapassar os 28 gramas por dia”.
No entanto, “em média, os portugueses (adultos) apresentam uma ingestão diária de cerca de 100 g, portanto consomem mais do triplo do limite máximo indicado no relatório”. “A preocupação é, claramente, com a quantidade que estamos a consumir em excesso, e não com eventuais défices.
Aliás, o relatório até afirma que podemos nem consumir carnes vermelhas, se tivermos consumos adequados de outras fontes de proteína vegetal ou animal”, frisa João Graça.
O impacto negativo da agricultura no ambiente é demonstrado pelos dados sobre as emissões de gases detectadas nas explorações pecuárias. A criação de gado bovino para consumo de carne é a principal fonte de metano no País, referem dados da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) divulgados recentemente pela TSF, que revelam que entre 2015 e 2017, os resíduos de lixeiras e aterros “deixaram de ser a maior fonte de metano em Portugal”. O primeiro lugar do pódio foi conquistado pela agricultura, com uma subida de 175 para 183 mil toneladas por ano.
A APA destaca que 42,6% do metano emitido por Portugal é oriundo da agricultura, com especial destaque para a criação de gado bovino para consumo de carne, e que as emissões originadas por este tipo de pecuária aumentaram 48% entre 1990 e 2017, passando de 60,2 mil toneladas para 89,3 mil toneladas. Por outro lado, a criação de animais para produção de leite e a criação de porcos, ovelhas e cabras emitem cada vez menos metano.
A forte produção de metano para o ambiente por parte dos animais ruminantes é um dos vários factores que têm levado cada vez mais pessoas a tornarem-se vegetarianas. De acordo com um relatório da GlobalData, na página da Associação Vegetariana Portuguesa, 70% da população global está a modificar activamente as suas escolhas alimentares, transitando de uma dieta onde predomina a carne para uma dieta predominantemente de base vegetal. João Graça constata que é “extremamente improvável que toda a população mundial se torne vegetariana”.
“O exercício que temos de fazer é o inverso: mantendo-se os actuais padrões de consumo, é possível produzir de forma sustentável o suficiente para alimentar mais de 9 mil milhões de pessoas? E a resposta é: tudo indica que não é possível”, alerta.
Apoiando-se nas conclusões do relatório da comissão EAT-Lancet, o investigador insiste que é obrigatório “reduzir muito substancialmente o consumo de carne e de outros produtos de origem animal, e aumentar o consumo de leguminosas, oleaginosas (como os frutos secos) e frutas e vegetais”. No entanto, a realidade continua a ser outra e o consumo de carne continua a aumentar.
“Em Portugal nunca comemos tanta carne como no ano passado (cerca de 117 kg per capita, de acordo com dados do INE). São valores extremos. Portugal ainda está entre os países da Europa e do mundo em que se consome mais carne, e isso é um problema ambiental muito significativo.”
Ser amigo do ambiente é comprar local
Para se atingir as metas da redução de gases com efeitos de estufa até 2050 e travar o aquecimento global da Terra há quem só encontre soluções radicais. Mas, os especialistas admitem que o segredo também pode estar no equilíbrio e em evitar o desperdício, sendo certo que todos concordam que é imprescindível reduzir quase drasticamente o consumo de proteína animal, essencialmente da carne de vaca.
Os investigadores afirmam ainda que uma alimentação sustentável não é apenas pensar naquilo que se consome. É preciso ter em consideração a pegada ecológica do produto que se vai adquirir e avaliar os milhares de quilómetros que aquele viajou até chegar às bancas de venda, deixando um rasto elevado de emissões de C02 produzidas no transporte. Se calhar, terá de abdicar de comer melancia no Inverno ou deixar de fora do saco das compras a doce manga made in Brasil.
João Graça concorda que “há três coisas simples” que cada um pode fazer como consumidor para promover uma alimentação mais sustentável: “evitar o desperdício alimentar, reduzir o consumo de carne, e favorecer produtos locais e sazonais. Estas actividades complementam- se, ou seja, não temos de escolher umas em detrimento das outras.”
Como forma de perceber se é possível apostar numa alimentação saudável e sustentável, o JORNAL DE LEIRIA foi às compras e limitou as suas escolhas aos produtos locais ou de regiões próximas. Foi possível levar para casa alimentos para confeccionar uma ementa equilibrada nutricionalmente, sem grandes restrições.
Por exemplo, para a sopa, os vegetais comprados aos produtores locais serviram perfeitamente para criar este prato. Para as principais refeições, optámos por deixar a vaca de fora. A carne de frango chegou de explorações do distrito e o peixe foi pescado em águas nacionais, não muito longe de Leiria. Os legumes para as saladas vieram das hortas da região. As quantidades compradas foram as suficientes para as necessidades dos próximos dias, evitando excessos e desperdício.
De facto, para aqueles que não querem praticar uma dieta vegetariana, constatámos que é possível comer de tudo um pouco, garantindo uma maior sustentabilidade ambiental, apostando em produtos da época. No entanto, um dos problemas detectados, e até relatados por outros consumidores, está relacionado com o preço. Muitas vezes, o que é nacional é mais caro. O preço do peixe é um bom indicador disso.
Os valores cobrados, comparados com produtos importados, são substancialmente superiores e nem todos estão na disposição de desembolsar mais dinheiro em prol do ambiente ou, por outro lado, há pessoas cujo orçamento familiar não lhes permite fazer opções pela melhor qualidade do produto e ambiental.
As culturas intensivas são apontadas como outro possível atentado, sobretudo devido ao uso de fitofarmacêuticos, por potenciarem a erosão e por afectarem a biodiversidade da natureza. João Graça admite que a “produção de um mesmo alimento pode ter impactos diferentes em função do sistema agrícola que é usado para produzir esse alimento”.
Contudo, informa que “vários estudos e meta-análises recentes que examinaram milhares de unidades de produção em vários pontos do mundo, centenas de sistemas agrícolas e dezenas de produtos alimentares, têm reforçado que os alimentos de origem vegetal apresentam consistentemente maior eficiência na produção e menores impactos ambientais, comparando com alimentos de origem animal”.
“Estes estudos concluem ainda que a sustentabilidade dos sistemas alimentares implica mudanças profundas nos padrões de consumo, materializadas numa transição para dietas de maior base vegetal, para obter benefícios ambientais necessários a uma escala e alcance não atingíveis apenas por melhorias baseadas na produção”, destaca ainda.
Os números
28%
realizado pela Universidade de
Aveiro, a associação Zero, e a
organização internacional
Global Footprint Network
calculou a pegada ecológica, o
consumo de proteína animal
corresponde a mais de metade
da pegada da alimentação. A
carne tem um peso entre 23% a
28% e o peixe cerca de 26%
69,3
carne da União Europeia em 2018, que se estima que irá diminuir para 68,6 kg em 2030. A produção de carne bovina da UE está estimada em 8,2 milhões de
toneladas em 2018. Quanto à carne de ovino e caprino a produção aumentará entre 2018-2030, atingindo 950.000 toneladas em 2030, em comparação com
903.000 toneladas em 2018. O
consumo de carne suína na UE
diminuirá de 32,5 kg per capita em
2018 para 31,7 kg em 2030. Até esta data, a produção de aves da UE deve atingir 15,5 milhões de
toneladas, em comparação com
14,2 milhões de toneladas em
2018, refere o Boletim de Previsões Agrícolas da Comissão
Europeia