Nem sempre é óbvia, a transferência para o dia a dia, de conteúdos que a escola partilha com os alunos. No caso de Milana Popenko, 15 anos, dificilmente a aprendizagem podia ser mais útil. É a capacidade de se expressar em inglês que lhe está a abrir as portas da Secundária Acácio Calazans Duarte e a suavizar os primeiros contactos num mundo inteiramente novo para quem acaba de chegar à Marinha Grande, proveniente de Kiev.
A última segunda-feira, 14 de Março, fica na biografia de Milana como o primeiro dia de aulas fora da Ucrânia. Dela, e da irmã, inserida no quarto ano de escolaridade, noutro estabelecimento de ensino do Agrupamento Marinha Grande Poente, a Escola Guilherme Stephens, do outro lado da rua. “Stressante”, claro. Prevaleceu a ajuda de uma prima, que já nasceu em Portugal e também frequenta a Calazans Duarte. E o acolhimento pelos novos colegas de turma. “São incríveis. Tentam falar em inglês e posso compreendê-los. São divertidos e amáveis”, explica ao JORNAL DE LEIRIA. “Sinto-me confortável aqui”.
Milana, que já elogia a comida portuguesa e no futuro se imagina proprietária de um restaurante, começa a coleccionar as primeiras palavras – “horário”, “sol”, “obrigado” – e confia que “dois meses” são suficientes para dominar o idioma. Nesta primeira fase, as aulas de português vão ocupar-lhe seis a sete horas por semana. Está colocada no décimo ano, na área de ciências e tecnologia. Não há mais ninguém da Ucrânia, mas outra estudante, que fala ucraniano, de outra turma, recebeu-a e mostrou-lhe a escola, que diz ser “grande”, “bonita” e “moderna”. Ficam a faltar as lições de dança, que aprendia em Kiev, no tempo livre.
É o regresso de Milana a Portugal, depois das férias, há três anos, que a levaram a conhecer Leiria e a Nazaré. Está entusiasmada. E o interesse demonstrado pelos professores tranquiliza-a. “É melhor estar na escola, porque em casa vou aborrecer-me. E na escola tenho novas experiências, conheço pessoas, é mais fácil”, diz. “Os meus amigos estão na Ucrânia, falamos todos os dias, mas para mim é difícil falar apenas ao telefone. Estar na escola é melhor. Quero ter uma vida”.
No início do conflito militar, Milana e os familiares deixaram a cidade e refugiaram-se nas montanhas, mas acabaram por viajar de comboio até Budapeste e de Budapeste voaram para França, primeiro, e para Portugal, depois, ao encontro da tia (irmã do pai) já radicada na Marinha Grande. O pensamento continua longe, contudo. “Acredito que a guerra vai acabar e que no próximo Verão vou voltar para casa”.
Até à data, o Agrupamento Marinha Grande Poente recebeu quatro crianças e adolescentes que fogem da guerra na Ucrânia, já integrados em turmas do pré-escolar ao secundário. Outros deverão chegar nos próximos dias e segundo o director do Agrupamento, Cesário Silva, está a ser preparado, também, ensino de português para as famílias, num ambiente personalizado que contempla, actualmente, quatro refugiados adultos.
No Agrupamento acostumado a receber estrangeiros e estudantes que entram a meio do ano lectivo, incluindo refugiados sírios, por exemplo, o acolhimento suporta-se na disponibilidade dos professores e da direcção, mas também, na “interacção com outros jovens”. Ou seja, são os pares, os colegas de sala e de escola, que ajudam a “integrar de forma natural”.
Para o director do Agrupamento Marinha Grande Poente, quanto mais cedo se colocarem os novos alunos “sobre uma rotina diária próxima daquilo que possa ser entendido como normal”, melhor. Para que possam socializar, aprender e esquecer. À escola compete “criar condições para uma boa integração”, que possa “corresponder ao nível de escolaridade em que se encontravam na Ucrânia” e “à faixa etária em que se posicionam”, porque “apesar de não dominarem a língua portuguesa, têm competências académicas”, que é necessário “potenciar”.
Nas próximas semanas e meses, o objectivo passa por contribuir para que possam transitar de ano e iniciar o próximo com tranquilidade. O que implica “flexibilidade” e “esforço de cooperação”.
Segundo Cesário Silva, no Agrupamento Marinha Grande Poente, em que Brasil, Índia e Ucrânia representam as maiores comunidades não nacionais, 10 por cento dos alunos são estrangeiros. E cerca de 30 têm nacionalidade ucraniana, além de outros que, sendo portugueses, descendem de pais ucranianos.