Já é noite, a hora do treino aproxima-se e quando chegamos ao pavilhão da Juve Lis, Milena Barros enverga um casaco da selecção brasileira de andebol de praia.
Os motivos são dois: em primeiro, porque calcula que a reportagem tenha que ver com esse tema; em segundo, o frio que já sente, apesar de o Inverno ainda estar longe.
É normal, tendo em conta que ela é de Palmeira dos Índios, no interior do estado do Alagoas, no Nordeste brasileiro, onde a temperatura raramente baixa dos 16 graus.
Quando chegou a Leiria estava mais calor, mas os últimos dias têm sido “duros” para a campeã mundial de andebol de praia em 2017, pela canarinha.
É, de resto, a principal dificuldade que tem sentido nestes primeiros dias de adaptação a Portugal, até porque as pessoas são manifestamente “prestáveis”.
Nada lhe tem faltado, garante, nesta primeira experiência internacional. O objectivo é que esta temporada no clube de Leiria lhe abra perspectivas para outras aventuras, mais glamorosas, pelo Velho Continente.
“Hoje em dia, como estão as competições de andebol no Brasil, com cada vez menos equipas, os atletas estão saindo. Já não se investe no andebol e depois da pandemia está cada vez pior. Quando me convidaram disse logo que sim, que tinha interesse. Agora pretendo dar o melhor de mim para abrir portas para novas oportunidades.”
O currículo fala por ela. A lateral, de 28 anos, jogou nos últimos anos no Recife na vertente de pavilhão, mas onde ela tem um currículo esmagador é no andebol de praia, onde além do título mundial também triunfou nos Jogos Pan-Americanos.
“Graças a Deus, continuo sempre a ser escalada”, diz a andebolista, que adora a “vibe vibrante” daquela variante. As colegas da Juve Lis, de resto, já a convidaram para reforçar as respectivas equipas para a competição estival.
Mas Milena não está só. [LER_MAIS]No clube de Leiria há agora quatro atletas brasileiros. Jonas Alves já lá estava. Viajou para a Europa há quatro anos, tinha então 19, para reforçar o gigante FC Porto. Depois, foi emprestado ao São Bernardo, de Aveiro, e ao Águas Santas, da Maia.
Recusa olhar para a situação actual no clube de Leiria, no segundo escalão, com frustração.
“Diria que são etapas. Quando comecei a carreira internacional foi pelo alto. Por norma, começa-se por baixo. Era muito novo e não tive acompanhamento. Agora, vamos tentar subir de divisão”, atira o pivot, que já encontrou emprego na cidade.
E sente-se de tal forma enquadrado em Leiria que não teve problemas em aconselhar um jogador aos responsáveis da Juve Lis.
O clube procurava um primeira linha e apontou em direcção a Mateus Duílio, com quem tinha jogado no Colégio Castro Alves, de Cariacica, estado do Espírito Santo.
O Galo, como é conhecido, acredita ser o homem certo para a função e 24 golos nas duas primeiras partidas são registo promissor.
“Sempre tive o sonho de sair do Brasil. Quando o Jonas me contactou, falando que tinha um convite, até fiquei assustado, pensei que podia ser uma brincadeira. Mas depois fiquei muito feliz e senti que a oportunidade era para aproveitar”, explica o jovem de 23 anos, natural do Distrito Federal, que sonha chegar às principais equipas portuguesas ou espanholas e regressar à selecção brasileira.
Mateus viajou este ano para Leiria na companhia de Milena Barros, mas também de Denis Leonardo, para quem morar na Europa é “um sonho” que está a viver com sentido de responsabilidade. Já encontrou emprego e quer estabilizar deste lado do mar.
“De onde venho tudo parece mais escuro e quando se sai tudo clareia. É uma chance para mim, mas também para a molecada que vai pelo caminho errado. Há muitas pessoas que mandam mensagens porque querem ser iguais a mim. Virei uma inspiração e isso deixa-me orgulhoso”, explica Denis, de 22 anos, que deseja que a mãe, o pai e a namorada venham ter com ele o mais depressa possível.
“Quero trazer todo o mundo!” Até porque viver em Leiria “é demais”. “É uma cidade muito pacata, diferente da cidade grande”, acrescenta Jonas, que é natural de Rondon, no interior do Pará.
No geral, estão contentes com a experiência. Às vezes não percebem uma palavra ou outra, acham que por aqui se fala muito depressa e que os portugueses não se abrem tanto enquanto não há confiança, mas depois…
“A galera de Leiria é muito acolhedora, tranquila e brinca muito, como os brasileiros.”