Conhecem cada recanto, sabem de cor cada caminho, identificam cada planta e cada animal que habita os cerca de 39 mil hectares ao longo dos quais se estende o Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros (PNSAC) e, não raras vezes, funcionam como ponte entre as populações locais e a direcção da área protegida, numa relação que nem sempre foi fácil.
António Frazão e Vítor Patrício são dois dos guardiões da natureza do PNSAC, integrando as suas equipas de vigilantes. Fazem-no há mais de três décadas, mas ainda são surpreendidos constantemente com algo de novo, seja a descoberta de um algar desconhecido, de um animal ou de uma planta.
A propósito do Dia Mundial do Vigilante da Natureza, que se assinalou no passado dia 31, o JORNAL DE LEIRIA acompanhou uma jornada de trabalho desta equipa.
O dia começa com uma visita a uma lagoa, recuperada há alguns anos. É preciso confirmar se acção de erradicação de jacintos-de-água, uma invasora, feita dias antes ficou completa. “Alguém os foi ali colocar, eventualmente desconhecendo o erro. Se deixarmos vestígios, rapidamente se propagam”, explica António Frazão, que vai saboreando os sinais do regresso da vida à lagoa.
Já se ouve o coaxar das rãs e os pintarroxos já ali vão beber, enquanto as libelinhas sobrevoam as margens, onde crescem as carvalhiças e outras plantas semeadas no âmbito do processo de recuperação. [LER_MAIS]“Só este coaxar é vida”, diz, com visível satisfação, Vítor Patrício, que aproveita a visita ao local para destruir um cevadouro, feito com um amontoado de pedras e milho debaixo, que ali terá sido colocado por caçadores para atrair javalis.
É aqui que se encontram quando recebem uma chamada, com indicações para irem retirar uma cobra “com três metros” que apareceu numa zona habitacional em Alcobaça, uma missão que cumprirão mais tarde.
“Somos os chamados PPTO, ou seja, paus para toda a obra”, constata Vítor Patrício, para sublinhar a diversidade de funções dos vigilantes da natureza, que vão desde a primeira intervenção em caso de incêndio, passando pela recolha de animais feridos, pelo acompanhamento de recuperação de áreas degradadas pela exploração de pedra até à monitorização de espécies e realização de censos populacionais.
Conciliação de interesses
Naquele dia, o plano de trabalho incluía a visita a uma antiga pedreira de calçada, onde estão a ser desenvolvidos trabalhos de recuperação. O objectivo é perceber se a intervenção segue “as boas práticas”, na linha daquilo que fez o PNSAC que, em jeito de demonstração, recuperou cerca de 150 hectares de pedreiras abandonadas.
“É preciso conciliar os interesses deles [empresários] com a conservação da natureza e o ordenamento do território”, explica António Frazão, a quem o rumo da conversa traz à memória recordações dos primeiros tempos como vigilante.
Recua até ao final da década de 80 e princípio da de 90, quando tentavam impor alguma “ordem” na exploração de pedra, num tempo em que “não havia ainda estudos de impacto ambiental”. Montados numa motorizada, com “uma mochila cheia de estacas às costas”, delimitavam áreas onde se podia ou não fazer a extracção.
“Algumas pessoas ralhavam connosco até lhes sair espuma da boca, mas conseguimos fazê-las compreender”, recorda o vigilante, um ‘autóctone’ do parque natural, nascido na aldeia de Chãos, em Rio Maior, concelho de onde é também Vítor Patrício.
É no planalto de São Bento, mesmo por cima do vale de Alvados e nas proximidades da Praia Jurássica, que termina a visita acompanhada pelo JORNAL DE LEIRIA. No local, encontram- se mais dois vigilantes, que, nesse dia, estão a fazer uma monitorização de gralhas-de-bico-vermelho, uma espécie protegida que habita algumas zonas de pastagem e mato rasteiro do parque. Nidifica no interior de algares e tem acompanhado as alterações no território.
“Antes, era possível encontrá-las na Serra dos Candeeiros. Agora, só as há no planalto de Santo António”, constata António Frazão, admitindo que esta mudança possa estar relacionada com a entrada em funcionamento de um parque eólico nos Candeeiros.
A monitorização de aves é uma das várias tarefas dos vigilantes na área da fauna. Participam também na anilhagem de aves, num trabalho de parceria com a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e na recolha de animais feridos ou em dificuldades, mesmo quando ela é apenas aparente.
“Já nos chamaram para ajudarmos ouriços em hibernação, juvenis a aprender a voar e que, por isso, estão no chão, ou ninhos de bufo-pequeno-de-orelha feitos no chão. São ‘fenómenos’ naturais, que as pessoas desconhecem”, exemplifica Vítor Patrício, que tal como António Frazão, faz parte do primeiro grupo de vigilantes da natureza a iniciar actividade em Portugal, no longínquo ano de 1988.
“Hoje, há uma consciência maior de que, se cuidarmos do ambiente, só temos a ganhar. Quer em termos ambientais quer económicos”, reconhecem.