Literatura, ambiente, ciências, história, arquitectura, personalidades locais e artes encontram refúgio nestas páginas.
Os Cadernos de Estudos Leirienses devem ser um dos melhores e maiores segredos escondidos à vista de todos no distrito de Leiria e regiões limítrofes.
Nas seis mil páginas já publicadas, guarda-se um verdadeiro repositório de conhecimento multidisciplinar sobre este território, as suas pessoas, e as terras adjacentes com as quais as comunidades locais mantiveram contacto ao longo dos tempos.
Tem uma dissertação de mestrado, uma tese de doutoramento ou uma paixão pela genealogia da sua família e gostaria de a publicar e mostrar ao público? Então estes cadernos podem ser a resposta para esse desejo. A colecção criada pela editora de Leiria Textiverso é um agregador dos elementos que constituem a identidade das cidades e vilas do distrito.
Em cada um dos 14 cadernos publicados até agora, vários investigadores contribuíram com trabalhos seus, sobre temáticas relevantes para o conhecimento universal, sempre com um selo de qualidade conferido pela supervisão científica do medievalista e historiador da Universidade de Coimbra Saul António Gomes.
"A história não se faz apenas de datas e batalhas, mas também da vida de pessoas. Falar do ambiente, arquitectura ou do desporto também é importante e dever-se-ia abordar essas áreas do conhecimento, quando se fala da identidade de um território", afirma o responsável pela Textiverso, Carlos Fernandes.
Cada artigo desta compilação é uma caixinha de surpresas. Neles, há trabalhos sobre o Mosteiro da Batalha que são matéria completamente original, que altera o que se sabia sobre o monumento, sobre a sua construção e sobre os seus famosos grafitti.
O contributo para a história e identidade da região faz-se, nas páginas dos Cadernos de Estudos Leirienses, a partir de episódios mais conhecidos, como o relato das Invasões Francesas, aos menos falados, como a agricultura na Marinha Grande, passando pelos costumes da região e pelo desporto
O mesmo acontece com o sistema hidráulico e arquitectónico do Mosteiro de Alcobaça. E há abordagens a questões mais pragmáticas como a agricultura na Marinha Grande. Afinal, a população que trabalhava o vidro com saber e perícia também tinha de cuidar das suas hortas e animais, já que a localidade dista alguma distância de Leiria e do fértil vale do Lis.
Quando tocava a sirene para a mudança de turnos, os vidreiros dos século XIX e XX trocavam as cinzentas calças, a camisa azul como o mar profundo e o lenço vermelho de sangue, pelas roupas de agricultor e a cana para soprar vidro, pela enxada, no esforço de semear e plantar para comer em terrenos arenosos que, à partida, apenas serviam para dar sustento ao extenso pinhal.
Nas páginas da compilação, encontramos também abordagens diferentes aos factos que fazem a história da região. É o caso da investigação de Alda Gonçalves sobre a história do Desporto.
Segundo ela, a mulher do arquitecto Ernst Korrodi, o responsável pelos estudos que levaram à reconstrução do Castelo de Leiria, era uma caçadora exímia e praticante certeira de tiro ao alvo e, se isso não bastasse, Quitéria da Conceição Maia, professora do Ensino Primário, costumava "escandalizar" as mentalidades da Leiria do início do século XX, ao deslocar-se para todo o lado de bicicleta.
O Norte do distrito, território que hoje se encontra largamente desabitado, apesar do seu isolamento, conta com uma história laboriosa e industriosa, assente nas fábricas de tecido, ferrarias e até fábricas de armamento, e Caldas da Rainha e a Figueira da Foz estão ligadas pela passagem de refugiados na Segunda Guerra Mundial.
Da Benedita, pode ler-se as histórias dos seus famosos sapateiros. Estas e muitos outros episódios que fazem a História podem ser encontrados nestes cadernos que estão à venda em várias livrarias de Leiria, de Lisboa, do Porto, nas bibliotecas da maioria das autarquias da região e nas da Universidade de Coimbra e da Universidade Católica Portuguesa.
Da literatura ao desporto
Temas ligados à literatura, ao ambiente, às ciências, ao desporto, à história, à arquitectura, às personalidades locais ou às artes encontram refúgio nas páginas desta compilação que, desde Maio de 2014, é publicada e que têm já mais três volumes previstos para este ano.
"São cadernos com um peso histórico, mas com vertentes que não excluem dimensão alguma", conta o coordenador. E para publicar trabalhos de pesquisa na colecção da Textiverso não é preciso possuir um “canudo”, basta dominar bem o assunto, referir as fontes convenientemente e com solidez documental, e, acima de tudo, apresentar rigor e honestidade.
Para garantir a qualidade dos trabalhos publicados, a editora convidou o investigador da Universidade de Coimbra Saul António Gomes para, na qualidade de coordenador científico, dar o seu aval aos documentos submetidos para publicação.
“Este investigador é um dos melhores medievalistas portugueses vivos, é natural de Leiria e conhece a história da região e dos seus protagonistas."
As propostas podem ser enviadas por email ou abordando directamente a editora de Leiria que também convida eventuais colaboradores a apresentarem trabalhos.
Traçar um perfil dos colaboradores é tarefa difícil uma vez que há pessoas de quase todas as idades e sexos, com formações que vão do doutoramento, ao mestrado ou licenciatura, aos aficionados pelos temas sobre os quais pretendem pronunciar-se.
Recentemente, os cadernos incluíram artigos de um jovem do ensino secundário mas também há colaborações de investigadores com muitos pergaminhos na "profissão".
"Seleccionamos assuntos pela sua pertinência, pela sua originalidade e relevância para o distrito de Leiria e territórios limítrofes, como Ourém/Fátima ou mesmo concelhos do distrito de [LER_MAIS] Coimbra, de Santarém ou Lisboa", explica Fernandes, exemplificando: "se se falar das Invasões Francesas, é obrigatório falar de Torres Vedras ou Rio Maior".
No distrito, nem todos colaboram
Como se trata de uma compilação de abrangência regional, os responsáveis pela publicação têm feito um esforço para apresentar os Cadernos de Estudos Leirienses nas principais sedes de concelho e localidades relevantes do distrito.
Porém, referem haver territórios que, mesmo tendo bons investigadores e temas de interesse, não têm colaborado como se esperaria. Algumas autarquias nem sequer respondem como a lei obriga.
"O distrito não está bem coberto. Alguns municípios do Norte e do Sul não têm correspondido às expectativas. Bombarral, Peniche e Óbidos nem sequer respondem. Caldas, apesar de não enviar artigos, tem uma Câmara Municipal que adquire cadernos para que figurem nas suas colecções bibliotecárias", desabafa Carlos Fernandes.
O editor sublinha que Castanheira de Pera e Pedrógão Grande também não têm participado no esforço de compilação. Mas há também boas surpresas, como Alvaiázere, para quem a Textiverso compilou o mais volumoso dos cadernos.
"Também fizemos um volume sobre Ansião e, da Marinha Grande, há sempre trabalhos, tal como da Batalha. De Alcobaça, chega-nos, igualmente muita coisa. Há, na verdade, um núcleo de concelhos que participam intensamente", adianta.
A ideia de criar os Cadernos de Estudos Leirienses surgiu após várias conversas entre os colaboradores da editora e investigadores. Entendiam que seria interessante a edição de um ou vários livros com colaborações concelho a concelho e com histórias da terra.
Talvez um volume por município a cada ano e meio. O conceito original pretendia ser uma compilação de todas as pequenas histórias locais, mas evoluiu para algo maior. Nasceu assim a ideia da colecção de livros, que permitiria uma abordagem mais profunda ao trabalho dos diversos investigadores da região.
Carlos Fernandes, engenheiro agrónomo de formação, jornalista, editor e também ele investigador iniciou a tarefa de contactar pessoas que sabia terem desenvolvido estudos de grande qualidade sobre o território e as comunidades, nas diversas vertentes que interessavam à editora. "Comprometi-me a arranjar um quarteirão de colaboradores e avançámos."
O primeiro número, à experiência, foi o mais pequeno, mas, a partir daí, os interessados em participar apareceram quase em enxurrada.
Mesmo assim, e por cautela, o segundo volume saiu apenas ligeiramente maior do que o primeiro, mas, o terceiro atingiu as 400 páginas, após um efeito de bola de neve no número de investigadores envolvidos.
Em 2018, em Maio, será publicado um caderno comemorativo dos centenários da Batalha de La Lys e do fim da Primeira Guerra Mundial, e uma edição especial apenas sobre os Serviços de Águas e Saneamento (SMAS) de Leiria, que conterá vários estudos feitos ao longo dos anos sobre a infra-estrutura da água e saneamento.
A meio do ano, Alcobaça recebe mais um congresso internacional com os maiores especialistas em questões monásticas de Cister, evento que servirá para a edição de um número especial dos cadernos, com as mais de 50 comunicações que estão previstas.
Em Setembro, voltará a haver um número dentro do espírito "original" dos Cadernos de Estudos Leirienses, com artigos de vários investigadores. Quando saiu o primeiro volume, em 2014, o objectivo era levar ao prelo, pelo menos, dois números por ano, no entanto, logo nesse ano, saíram para a rua três cadernos.
A meta pareceu exequível no ano seguinte e fixaram-se datas de publicação: Maio, Setembro e Dezembro. Em 2016, porém, já houve cinco cadernos. Os dois adicionais resultaram da compilação e publicação das actas dos colóquios feitos à volta das apresentações dos Cadernos de Estudo Leirienses. Em 2017 fez-se o mesmo. Aliás, o volume número 15, deverá ser apresentado já este mês de Janeiro de 2018.