– Já não há paciência … para ouvir a expressão “quem anda à chuva molha-se”. É tão punitivo. Quem anda à chuva devia ter um robot de inteligência artificial a carregar-lhe o guarda-chuva pois os chapéus-de-chuva são muito chatos, sobretudo quando os auscultadores de música caem insistentemente do ouvido, e precisas de uma mão para verificar a direcção no telemóvel (e ler esta rubrica) e a outra para carregar o copo descartável do café.
– Detesto… correr para apanhar o autocarro ou o comboio, sobretudo quando está a chover. Fotografias de passaporte, alarmes que furam o tímpano e pandas. Um dia li num sítio qualquer que quem tem olheiras escuras e com papos têm olheiras-panda. No fundo, detesto revistas de moda, embora seja amor-ódio.
– A ideia… de conduzir à direita aterroriza-me. Já a ideia de conduzir em contramão agrada-me mas só nos IPqnsfda. Itinerários principais que não são feitos de alcatrão.
– Questiono-me se… foi um livro que me denunciou. Um dia entrei numa livraria muito simpática e muito escondida de Leiria. O livreiro perguntou-me: a menina é escritora? Vi logo que era pelo livro que me pediu (da Cláudia Lucas Chéu). Não há muita gente a pedir dessas editoras. Chéu é com X? Não, é com Ch. Não tenho. Não faz mal, então levo este. Será que tenho pinta de escritora? Depois cheguei a casa e tirei logo o cavalinho da chuva (o cavalo agradeceu. Evidentemente. Antes que lhe dissessem: quem te mandou andar à chuva?). O livro comprado: O que lêem os escritores. Qual pinta, qual quê. Acontece que os livros têm braguilhas e este tinha o fecho-éclair bem aberto.
– Adoro… expressões populares à excepção de ‘quem anda à chuva molha-se’; Coincidências. Se não fosse um voucher que uma vez me deram – que eu pensei ter perdido e voltei atrás para procurar – muito provavelmente não seria escritora. O voucher era da livraria onde o livreiro achou que eu era escritora; Os cavalos de tróia das palavras. Palavra de honra que as invasões da subtileza são uma delícia; listas de nomes e bancos de palavras. Não são os bancos de sentar mas instituições financeiras. Se bem que quando vou ao banco levantar as palavras que vou lá depositando sento-me nelas como se fossem bancos.
– Lembro-me tantas vezes… da primeira vez que experimentei wasabi. Pensava que era puré de brócolos. Foi à colherada.
– Desejo secretamente… ter encontros secretos com os meus ídolos literários. Filipa Leal, se estiveres a ler isto, és uma amiga imaginária. Começar um clube de poesia e ilustração. Podia chamar-se UAUsabi.
– Tenho saudades… de não ter miopia e não ter de usar lentes de contacto.
– O medo que tive… de morrer asfixiada com wasabi.
– Sinto vergonha alheia… pelas algálias de petulância penduradas nos vários maneirismos dos narcisistas que toda a gente nota menos eles. A Adília Lopes nisso tem uma economia expressiva
muito elucidativa: ‘é preciso ter dó de quem é só popó’. Ou pipi.
– O futuro… é do pimba e dos poetas? É um ambiente Mona Lisa. Nem é carne (pessimismo) nem é peixe (optimismo), daí precisarmos de pimba e de poesia. Ambiente Mona Lisa é uma expressão genial que roubei de um senhor jornalista com quem travei uma bela conversa sobre Britpop – obrigada, senhor jornalista. Também gostaria que o futuro contemplasse um robot-cabeleireiro que se possa comprar na Worten.
– Se eu encontrar… o Trump e o Musk, canto-lhes a Pedra Filosofal. ´Eles não sabem nem sonham que o sonho comanda a vida.´ Curiosamente, isto foi um sonho da minha mãe. Achei bom demais para ficar entre quatro paredes. Desculpa a indiscrição, mãe.
– Prometo… publicar um dia uma carta para a Gillian Anderson a propósito do seu último livro “Want”. A carta anda ali no trapézio do que significa ser uma mulher escritora contemporânea a versar sobre erotismo. Mas para já fica nos ficheiros secretos.
– Tenho orgulho… de encontrar o brinde no bolo rei. Mentira. Eu nem gosto de bolo-rei mas, se calhar, tenho orgulho de tomar ‘grandes’ decisões de vida fazendo um dó-li-tá. De certa forma, é parecido com a sorte arbitrária da fava vs brinde de porcelana. Há quem diga que é instinto, mas nem sempre favorece. Da cidade de Leiria. Consta que abriu aqui a maior loja inteligente do mundo onde os clientes podem optar por um smart checkout e ter um efeito uau; que é chegar à caixa e não ter de fazer nada. É exactamente isto que sinto em Leiria: a comunidade artística é tão diversa e activa que sou constantemente surpreendida sem ter de fazer nada.