Estudante no 12.º ano, Simão Silva vai, este domingo, fazer a sua estreia como eleitor. Vai votar pela primeira vez e, garante, preparou-se para o momento. Assistiu a debates, consultou os programas dos principais partidos com assento parlamentar e visualizou lives no YouTube com entrevistas aos candidatos.
“Não encontrei um partido que realmente abarque todos os meus ideais. Decidi-me por aquele que se aproxima”, confessa o jovem, que o JORNAL DE LEIRIA encontrou numa esplanada em Leiria, com duas amigas, uma delas também inscrita para votar pela primeira vez e a outra à espera de completar os 18 anos.
A mais velha, Adriana Mendonça, diz que vai votar, porque “é um direito, mas também um dever”, embora assuma a dificuldade em tomar uma decisão, porque, reconhece, não está “muito informada”. “Sei que a política é importante. Decide a nossa vida. Em casa, até tenho estímulos. O meu pai gosta muito de ver debates, mas a mim não me puxa”, assume a jovem, reconhecendo que, tal como ela, muitos dos seus amigos “não ligam nada” ao assunto e nem sequer participam nas eleições.
Culpa “é de todos”
À pergunta de quem é a culpa desse desinteresse, Simão Silva não hesita: “É de todos”, a começar pelas famílias, passando pela escola e pelos políticos, sem deixar de fora os próprios jovens. “Em casa, vai-se passando a mensagem de que os políticos são todos iguais. Nas escolas não se fala de política e, muito menos, de forma cativante”, alega, frisando que a “imagem que os políticos passam” também não abona a seu favor.
“Prometem muito, mas cumprem pouco. Muitas das medidas que propõem não são executadas e eles já sabem à partida que vai ser assim”, complementa Diogo Santos, também com 18 anos, mas que não vai votar no domingo. Não estará em Leiria nesse dia e desconhecia que podia fazer a votação antecipadamente. Apesar de não exercer esse direito, diz que procurou informar-se “minimamente”, assistindo a alguns debates, uma experiência que reputa de “pouco esclarecedora”.
A mesma avaliação faz Marta Brites. “Passaram mais tempo a acusarem-se do que a defender as suas ideias e a exporem o que propõem para o País”, observa a jovem, residente na Batalha, que vai votar, pela primeira vez, este domingo. “Claro que vou. Quero que o meu País seja melhor. As decisões dos políticos influenciam a nossa vida. É importante que tenhamos uma palavra a dizer na escolha de quem nos vai representar”, afirma a jovem, que lamenta que na escola “não se fale de política”.
O mesmo reparo é feito por Sofia Rocha, de 17 anos, que, apesar de ainda não poder votar, já se foi inteirando do assunto com os amigos que este ano irão às urnas. “Se nós não formos procurar informação, não há quem nos dê. Era importante haver uma disciplina para falar sobre esse tipo de coisas. Só este ano comecei a perceber alguma coisa a falar com os colegas que vão votar”, conta a estudante.
Ressalvando que este afastamento dos jovens da política não é um problema exclusivo de Portugal, afectando “as restantes democracias ocidentais”, a socióloga Paula Espírito Santo considera que tal se deve, sobretudo, ao facto de a política “não ser uma prioridade no nosso processo de socialização”. “Costumo dar o exemplo do futebol. Há crianças que, quando nascem ou ainda em bebés, já têm cartão de sócio de um clube. Faz parte do seu processo de socialização. Já a política não é, de todo, uma prioridade nesse processo”, refere.
A investigadora, que é docente no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, nota que o problema começa na família, onde “muitas vezes perpassa uma imagem negativa da política e dos políticos”, e continua nas escolas, onde “praticamente não se fala de eleições e da importância de votar”. No seu entender, a disciplina de cidadania podia ser aproveitada para promover “uma maior inclusão cívica”, com destaque para as questões da política e do funcionamento das instituições.
Um exemplo do que defende a socióloga é o projecto Pensar as Eleições, que a Escola Profissional de Ourém está a desenvolver no âmbito destas legislativas e que vai culminar com uma simulação do voto em urna, a realizar esta sexta-feira (ver caixa). “Pusemos os jovens a consultar e a discutir os programas dos partidos e vamos recriar o processo eleitoral, com a constituição de cadernos eleitorais e das mesas de voto e depois a simulação do sufrágio”, explica a professora Margarida Rodrigues, que acredita que esta é uma forma de “lançar sementes” no sentido de aproximar os jovens da política.
Participação não eleitoral cresce
Paula Espírito Santo nota, no entanto, que é preciso distinguir a participação política dos jovens através do voto, que tem, de facto, “um espaço muito especial”, e de outras formas de envolvimento, com os mais novos a encontrarem em determinadas causas “focos de mobilização”.
A observação da socióloga vai em linha com uma das conclusões do estudo A participação política da juventude em Portugal, divulgado em 2022. A investigação promovida pela Fundação Calouste Gulbenkian, em parceria com o Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica Portuguesa, reconhecia que, se é verdade que a participação eleitoral dos jovens portugueses “tem vindo a diminuir”, há outras formas de participação política não eleitoral a aumentar.
Segundo o estudo, no que diz respeito à chamada “participação cívica”, como dar ou recolher fundos para uma actividade social, cívica ou política, assinar petições e comprar ou boicotar certos produtos por razões políticas ou ambientais, “os jovens têm mesmo sido os protagonistas mais destacados” dessa mobilização. A investigação realça ainda o papel “distintivo” dos jovens no que toca à participação política online feita, por exemplo, em fóruns de discussão na internet e na partilha de conteúdos de natureza política e social nas redes sociais.
Patrício Costa, professor da Universidade do Minho e coordenador do estudo, explicou à agência Lusa que “há indicadores que demonstram que a geração mais jovem (entre os 15 e os 24 anos) é “mais consciente” e tem outras preocupações e motivações” a que as estruturas partidárias não respondem. Pelo que, apenas “uma minoria” tem militância partidária.
Um estudo mais recente, feito no ano passado pela Universidade Católica do Porto para o Conselho Nacional da Juventude, revelava que 17,5% dos jovens inquiridos assumiam a pertença a partidos e apenas 2,4% a sindicatos. Quase 23% revelaram já ter participado em campanhas eleitorais e 33% em movimentos sociais. Segundo o estudo, num total de 931 inquiridos, 89,6% declararam já ter votado “em algum momento da sua vida” e quase 70%, ou seja, sete em cada dez, assumiam que participam em discussões políticas.
Questionados sobre as razões que afectam negativamente a participação política dos jovens, os inquiridos apontaram como os principais motivos a “falta de conhecimento” sobre o assunto, as promessas não cumpridas e a falta de representação partidária. Voto burocrático, referido por 17,2% dos inquiridos, ideologias pouco claras e “falta de interesse” foram outras das condicionantes apontadas.
Caixa
Ourém
Escola Profissional de Ourém simula eleições
Pensar eleições é o nome do projecto que a Escola Profissional de Ourém está a levar a cabo no âmbito destas legislativas e que culminará com uma simulação do voto em urna, a realizar sexta-feira. Margarida Rodrigues, uma das professoras que lecciona a disciplina de Área de Integração, explica que os alunos foram divididos em oito grupos, tantos quantos os partidos com assento parlamentar, que, a partir da consulta dos programas eleitorais, escolheram medidas de oito áreas diferentes, como educação, justiça, saúde e ambiente, partindo, depois, para o debate e comparação de propostas. O objectivo é “sensibilizar para importância do voto e desenvolver conhecimento e opinião crítica”.