Sete anos depois de serem as melhores alunas do secundário, Ana Carreira e Bárbara Saraiva são agora médicas. Uma ficou rendida às hormonas e a outra cumpriu o sonho de cuidar das crianças. Em Agosto de 2012, o JORNAL DE LEIRIA revelou duas das melhores alunas do distrito, com médias de 19 e 20 valores. Fomos procurá-las e descobrimos que hoje são médicas e que um curso de Medicina é difícil, mas não um bicho papão, sobretudo quando há método e paixão por aquilo que se faz.
Ana Carreira, natural de Alcobaça, entrou na Faculdade de Medicina de Coimbra com o objectivo de seguir investigação na área médica, mas as hormonas falaram mais alto e, há cerca de um mês, entrou na especialidade de Endocrinologia/Nutrição no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
“Inicialmente, quando decidi estudar Medicina, estava algo receosa de não saber gerir as minhas emoções, ver pessoas doentes, trabalhar todos os dias num hospital. Mas quando comecei a frequentar o hospital e a falar com os doentes, rapidamente percebi que era algo que gostava. Além de desafiante, era a melhor parte do meu trabalho”, revela Ana Carreira. Ainda assim, admite não descartar totalmente a possibilidade de conciliar a prática da medicina com a investigação, “caso surja essa oportunidade”.
Ana Carreira escolheu Medicina como primeira opção, porque sempre “gostou imenso da interacção pessoal e do diálogo com as pessoas”. E foi exactamente isso que correu melhor ao longo do seu percurso de estudante, durante o qual aprendeu a “dialogar com os doentes e a extrair informações úteis para perceber os seus problemas e poder equacionar soluções para os mesmos, sem nunca perder a componente humana de empatia”, que considera “extremamente gratificante”.
O facto de vir com um “bom método de estudo” no ensino secundário, contribuiu para o sucesso académico no ensino superior, mesmo sendo o estudo bastante diferente, “quer no volume de matéria a estudar quer no conteúdo da mesma”.
“Todos sentimos sempre alguma dificuldade quando se entra na universidade, porque se trata de um estudo muito mais exigente, com muita matéria e, especificamente no curso de Medicina, com uma componente muito teórica, que achei particularmente difícil de gerir, mesmo eu que sempre gostei de Matemática e Físico-Química.” Ainda assim, adaptou-se bem e conseguiu “remodelar” o seu estudo para essa nova realidade, “sem nunca perder o verdadeiro método de estudo, que sempre foi tentar primeiro compreender o mecanismo das coisas”.
“Apesar de nem sempre isso ser suficiente para fixar a matéria que precisava, certamente que continuou a facilitar bastante o meu estudo durante a faculdade.” Endocrinologia surgiu porque, “além de ser uma área de conhecimento muito vasta, acaba por ser extremamente racional, tudo faz sentido”.
“Sabendo a função de cada hormona e o seu mecanismo de acção, é fácil entender os sintomas que provoca quando está em défice ou excesso. Aliás, muitas vezes basta olhar para a pessoa para ficar com algum diagnóstico em mente.”
No secundário, Ana era atleta federada de andebol e o estudo não a impedia de sair com os amigos. Na faculdade, continuou a conciliar o estudo com as saídas com amigos, namoro e desporto.
“Para mim, sempre foi mais produtivo manter actividades que gostasse e estudar menos tempo, mas mais afincadamente, do que muito tempo e sem grande ‘pressão’. Ainda assim, havia alturas mais complicadas, como a época dos exames em que tinha de dedicar mais horas ao estudo e menos horas às outras actividades.”
Deixou o desporto federado, que substituiu por idas ao ginásio, onde frequenta aulas de grupo. “Não é a mesma coisa, mas consigo fazer o horário que me dá mais jeito e acabei por descobrir aulas bastante desafiantes, das quais gosto muito.”
Música e medicina
Desde pequena que a vida de Bárbara Saraiva está interligada à Medicina ou não fossem os pais médicos de profissão. A música é uma paixão que também a acompanhou sempre. Hoje, aos 25 anos, as duas actividades continuam a fazer parte da sua vida.
[LER_MAIS]Tal como Ana, Bárbara integrou o lote dos alunos que realizaram pela última vez o temido exame Harrison, cuja pontuação dava a possibilidade de escolher a especialidade e o hospital pretendido.
“Finalmente, esse exame acabou. Tínhamos de decorar muita coisa, que não nos ia fazer ser melhores médicos. É preciso dedicação total ao estudo durante quase 24 horas por dia. O novo exame já se baseia mais em casos práticos, o que faz todo o sentido”, conta Bárbara.
A jovem entrou em Pediatria no Hospital D. Estefânia, em Lisboa. “Já falo em Pediatria desde que entrei na faculdade. Gosto muito das patologias e das doenças crónicas nesta área e gosto muito de crianças. Nunca me vi a fazer outra coisa.”
Ver o sofrimento de uma criança ou encarar a morte prematura é duro. Bárbara Saraiva tem consciência disso, mas garante que se aprende a ter humanismo e a lidar com a dor do próximo e já ganhou alguma experiência num intercâmbio que realizou na Polónia, onde esteve numa unidade pediátrica de queimados. “Vi miúdos em estado muito grave. Uma pessoa vai aprendendo a lidar com isso. Quando escolhi Pediatria não pensei no sofrimento ou na morte de crianças, mas sim nas crianças que vou salvar. Sempre vi o hospital como um lugar de vida.”
Também durante o ano comum quando começou a fazer urgências e escalas nocturnas contactou com “casos muito graves” e viu pessoas a morrer. “Acabamos por crescer mais rápido emocionalmente com isso. No primeiro dia choca, fica-se triste, mas vamos aprendendo a viver com isso”, reconhece, garantindo, contudo, que “uma pessoa nunca pode dessensibilizar”.
“Não quero um médico que não seja sensível, mas é preciso ser racional. Isso vai-se trabalhando.”
A música fez sempre parte do seu percurso académico desde pequena e não foi a entrada na universidade que o alterou. “Tinha um método de estudo no secundário, que me deu a bagagem necessária para continuar a conciliar o curso com a música. É preciso estudar muito em Medicina, mas é totalmente diferente. Deixei de sentir a pressão de ter que tirar aquela nota. Claro que queremos sempre tirar a melhor nota possível, mas já não é o principal objectivo, como acontece no secundário porque temos de ter uma média para entrar no curso que queremos”, explica.
Paralelamente ao curso de Medicina, Bárbara dirige o Coro Médico de Lisboa e passou a ser a coralista em dois coros. “É uma vida paralela. Não é um hobby, nem algo que quisesse abdicar. A medicina e a música são duas coisas que faço na vida com igual importância.” Este ano integrou a Orquestra Médica Mundial, um projecto que conta com a participação de médicos de todo o Mundo.
Foi seleccionada para o concerto que este ano se realizou em Portugal. Bárbara destaca ainda que na faculdade estudava com gosto, porque “genuinamente” queria saber sobre aquelas matérias.
Conciliar a vida médica com a pessoal é um desafio que Bárbara acredita que que é possível. “Sou filha de dois médicos e foram dois pais incríveis. Nunca me falharam em nada e sempre estiveram presentes nos momentos mais importantes e nos meus concertos.”