Um senhor, já entrado nos cinquenta, acerca-se do camião da Yamaha. Quer falar com Paulo Alberto, que se encontra a distribuir autógrafos e a tirar selfies.
Estamos em Cubati, uma pequena cidade perdida no interior do Paraíba, no Nordeste brasileiro, mas parece que estamos numa megalópole como São Paulo.
São dezenas de milhares de pessoas, uma imensa mole humana está presente para assistir a mais uma ronda do campeonato brasileiro de motocross. Muitos fizeram “oitocentos, mil quilómetros” para ali estar. Também o camião da equipa de Paulo Alberto, com mais de duas dezenas de pessoas, rodou quatro mil quilómetros para lá chegar.
No Brasil, o motocross é uma religião e aquele senhor está na fila com pequenos de cinco e seis anos, mas também avós na casa dos oitenta, à espera de trocar meia-dúzia de palavras com o piloto de Leiria.
Com ele leva um fio e uma carta da mãe, já entrada nos oitenta. A matriarca já não pode sair do domicílio, mas não perde uma prova na televisão. É fã de Paulo e quer deixar-lhe uma lembrança. É mais uma prova de que, no Brasil, a realidade é bem diferente do que se passa em Portugal.
“Dão-nos presentes, escrevem-nos textos, há pessoas humildes que nos oferecem o chapéu, apenas por eu ter tirado uma fotografia ou assinado um póster. No fundo, querem agradecer-me por lhes ter dado um minuto de atenção”, sublinha Paulo Alberto.
Também já recebeu declarações de amor e tem as redes sociais pejadas de mensagens, lá está, de admiradoras, de fãs, de crianças e adultos.
“É o Brasil, as pessoas são muito calorosas e até nos treinos puxam por nós. São coisas que na Europa não existem. Saí do camião às nove da manhã e não consegui reentrar antes das seis da tarde. Ou estava a andar de moto, ou a tirar fotografias. É uma coisa impressionante. Senti-me como uma celebridade. Em Leiria, poucos me conhecem.”
Novo ciclo
[LER_MAIS] Paulo Alberto está com 29 anos. Começou a competir no Brasil com 23, “mas estava a ficar desgastado” da vida de hotel e de tanto tempo longe dos seus. “Comecei a notar que perdia rendimento nas corridas porque estava fora de casa. Parecia que não ficava com aquela vontade de ganhar.”
Tudo mudou no início da temporada e sente-se “mais feliz”. Começou a estar mais tempo em Leiria e apresenta-se “mais focado no trabalho”. O resultado são onze triunfos consecutivos. Desde Maio, quando recuperou plenamente de um metacarpo partido na mão esquerda na primeira corrida do ano, que ele não sabe o que é perder.
Seja no Brasil, em Espanha ou em Portugal, as pistas de motocross, supercross e arenacross são, por estes dias, dominadas em absoluto pelo piloto de Azoia, Leiria.
Não é difícil perceber que esta aposta em vários tabuleiros tem sido proveitosa, mas sai-lhe do pêlo. O cartão de milhas da companhia aérea está cheio de pontos, mas ele preferiu que fosse assim.
“Tem sido uma vida de loucos, dividida em três países, mas já estou habituado. Fico uma semana em casa e depois tenho de fazer viagens cansativas, mas sei que vou voltar para ao pé dos meus. É uma motivação.”
É certo que não consegue ficar muito tempo com a família, a namorada e os cães, admite que “às vezes satura um pouco”, mas foi a vida que escolheu. Entre 2013 e 2018 passava temporadas mais longas do outro lado do Atlântico, mas sentiu necessidade de estar mais tempo com os dele. O que permite, por outro lado, que possa desdobrar-se em provas pelos três países. E em vez de dezena e meia de competições por ano fará mais de trinta.
Mas a prioridade é o Brasil. O contrato que tem com a Yamaha dura até 2020 e nele está escrito que tem mesmo de ser assim. Tendo em conta tudo o que descrevemos, também não podia ser de outra forma.
“É um campeonato internacional, com pilotos de vários países. São marcas que têm fábricas no Brasil, produzem milhões de motos, e a rivalidade entre a Honda e a Yamaha é muito acentuada.” Uma contenda que já o fez mudar de equipa, em 2015.
E sendo a prioridade, dificilmente podia estar a correr melhor. Está em condições de excepção para juntar mais dois títulos – motocross e arenacross – aos 15 que já granjeou, entre Portugal e Brasil. E só não se sagra campeão português e dificilmente será espanhol porque houve provas que coincidiam com o calendário brasileiro, pelo que ficou impedido de nelas participar.
Risco sempre presente
São contingências de uma vida em duas rodas que começou aos quatro anos. Filho de piloto e irmão de piloto, não tinha grande forma de escapar. Em 2001, os 11 anos começou a competir com uma moto de 1993. Foi campeão. A partir daí, não mais parou de surpreender. Já venceu centenas de provas e soma 15 títulos nacionais.
Treina dias vezes por semana em pista, faz exercício físico seis vezes por semana, seja ginásio, corrida, natação ou bicicleta. “O equilíbrio é essencial e precisamos de trabalhar o corpo todo. O motocross exige muito das pernas e dos braços.”
Em 2014, viveu momento marcante quando, em Béjar, Espanha, o irmão Carlos teve um acidente numa prova em que Paulo também participava. Esteve um mês em coma. “Foi difícil sair para o Brasil sem saber o que ia acontecer ao meu irmão. Foi uma angústia muito grande, os médicos diziam que não tinham esperanças. Lidar com isso e, ao mesmo tempo, andar a treinar para ganhar foi de loucos”, recorda.
Carlos caiu numa manga que Paulo venceu. “Apercebi-me que tinha caído, que estava de maca, mas pensei que fosse uma entorse ou uma perna partida. Claro que me desfoquei e sempre que saltava olhava para lá. Foquei mais preocupado quando vi o meu pai a correr para lá.” Carlos regressou às pistas, contra a vontade do irmão.
Falamos de medo. Paulo Alberto arrepia-se. “Ainda nesta última corrida tinha um salto com 43 metros, um triplo. Se acontece alguma coisa podemos aleijar-nos. Um erro mecânico, um erro meu ou os buracos na pista e pode correr mal. Temos de ter muita concentração e esperar que tudo corra pelo melhor. Em termos de impacto é bastante arriscado, mas dificilmente poderia fazer algo que me realizasse mais.”