Limpar as bermas das estradas e limpar os terrenos agrícolas são operações de autoprotecção contra fogos florestais à escala micro e individual. Que impacto têm nos incêndios?
As faixas de gestão de combustível são meros paliativos, incentivados a partir de 2018, e cuja funcionalidade é difícil de garantir. São despesa anual para os pequenos proprietários e autarquias, sobretudo se não forem complementadas com uma fonte de receita. É complicado, mas nas faixas de dez metros é possível instalar alguns prados… já as de 50 e 100 metros têm de ser concebidas no sentido de gerar ocupação que possa gerar algum rendimento, seja na pastorícia, seja na agricultura. O objectivo é afastar as árvores das casas. Isso levanta um problema de ordenamento do território, que é saber se devemos ter o casario tão disperso. Viu-se nos incêndios mais recentes a impossibilidade de combate e de chegar a todas as casas. É algo que, com o tempo, teremos de ordenar, concentrando os aglomerados urbanos. Na prática, as faixas são um regresso ao passado, onde havia agricultura ao redor das aldeias. Temos de garantir a quantidade dos alimentos, para tempos como este de guerra, e podemos fazê-lo na proximidade dos povoados, afastando-os da área de produção silvícola. As faixas como estão são uma medida incompleta. Nos planos de reordenamento da paisagem para as serras da Lousã e do Açor, que estão em discussão pública, aquilo que tem sido defendido pelos concelhos dos distritos de Leiria e de Coimbra, é exactamente a ocupação destas faixas com algum tipo de actividade que possa gerar receita. Não o fazendo… a ausência de limpeza destas áreas leva à instalação de espécies indesejáveis. Neste momento, há uma estrada, depois dez metros de acácias e logo a seguir eucaliptos ou pinheiros. Não faz sentido! Fazer o controlo das acácias é muito mais complicado do que o de espécies arbustivas autóctones. Para espécies que projectam material incandescente a vários quilómetros, dez, 50 ou 100 metros não é nada. Estas faixas são facilmente ultrapassadas pelos incêndios. Vemo-los a passar por cima de auto-estradas… a ultrapassar o Tejo ou o Zêzere, a passar por albufeiras como a da Aguieira, que até tinha uma ilha a meio que ardeu na totalidade. Não há melhor protecção do que uma faixa de água e percebe-se que não resulta. Tudo depende da meteorologia e sobretudo do vento.
Embora o Estado não seja o maior proprietário de floresta em Portugal, é um dos maiores. Poderia dar o exemplo à escala macro?
Na Acréscimo – Associação de Promoção ao Investimento Florestal, desde 2017, ainda não vimos nenhumas medidas estruturais dessas. Não coloco em causa a gestão pública e entendo que a área pública de floresta deveria aumentar, como está estabelecido na Lei de Bases da Política Florestal, mas o Pinhal de Leiria é um mau exemplo de gestão pública. Do ponto de vista macro, não houve medidas após os incêndios de 2017, tirando as faixas de gestão de combustí- vel, que são um penso rápido e incompleto. O próprio cadastro dos imóveis é uma ferramenta, mas não evita os grandes incêndios. Veja-se o caso de Mação, área de minifúndio situada a norte do Tejo, com cadastro há décadas e que, com os incêndios de 2013 e de 2017 terá pouco mais do que 5% de área verde. Não foi, claramente, o cadastro que salvou esse concelho dos grandes incêndios! São necessárias medidas estruturais. Do ponto de vista macro, praticamente nada foi feito. Havia que intervir nos povoamentos florestais, nomeadamente, protegendo os solos, retirando material ardido…. Ainda temos varas de eucalipto dos incêndios de 2017! Isto resulta num caldeirão mais complicado do que o que tínhamos antes de 2017. Temos na região Centro uma preocupante invasão de acácias e não se perspectivam medidas de grande porte que contribuam para a melhoria do rendimento das famílias, naquilo que respeita à floresta privada. Na floresta pública, assistimos a uma retirada de dinheiro das matas nacionais, com a venda do material ardido, mas esses milhões de euros gerados pelo infortúnio não foram investidos nas matas. Foram para os cofres do Estado e acabaram por ser dispersos por outras actividades, quando deveriam ter sido reinvestidos. Se o tivessem sido, teríamos hoje, uma Mata Nacional de Leiria, do Pedrógão e do Urso, numa situação melhor do que o actual abandono.
Quando chegam os grandes incêndios, a palavra “prevenção” está em todos os discursos. Há décadas que a prevenção está diagnosticada, mas é o “combate” que tem a primazia. Porquê?
Sou contra ambos os discursos. Temos de perceber que o combate contribui para o PIB, pela geração de negócio que lhe está associada. Não é possível equacionar a prevenção sem a incluir na gestão. Não é possível considerar a gestão sem que gere rendimento. Traçando um paralelismo com o futebol, o combate é o guarda-redes, a última linha de defesa contra a “equipa labaredas”. A prevenção é a defesa e a gestão é o meio-campo, porém, precisamos de pontas-de-lança. Isto é, precisamos de gerar rendimento que assegure a gestão activa, com minimização de risco. Temos de ver isto num plano mais amplo e integrado e não apenas na discussão entre prevenção e combate. Tem de haver gestão, que gere rendimento. Temos de ver um plano mais amplo, enquanto fornecedor de serviços e aí podemos considerar os tangíveis e os intangíveis. Os primeiros podem ser a actividade cinegética, a produção de cogumelos ou a de mel, que têm grande valor, mas temos também a conservação do solo, o sequestro de carbono, a qualidade do ar ou o lazer que, neste momento, não têm valores associados. Teremos de equacionar esta prestação de serviços, associada à obtenção de um rendimento, pelo chamado “pagamento de serviços dos ecossistemas”. Isto é, mais cedo ou mais tarde, a sociedade terá de pagar o benefício gerado pelas florestas. Obviamente que isto aplica-se a florestas com biodiversidade e não se pode aplicar às plantações.
Entre eucaliptal e mato – mistura desordenada de eucalipto e pinheiro, muitas vezes resultante da passagem de fogos – ainda podemos dizer que há floresta em Portugal?
Essa é uma discussão complicada que também existe a nível internacional. O conceito assenta no conceito de “floresta” da FAO (Organização para a Alimentação e Agricultura, das Nações Unidas) mas é uma definição que é, hoje, muito contestada. Isto é, qualquer meio hectare com determinada densidade de arvoredo, seja ele qual for, é considerado “floresta”. Seja carvalhal, seja eucaliptal, desde que tenha densidade naquele meio hectare é “floresta”. Isto tem sido contestado pois trata uma plantação industrial como se fosse a floresta nativa. Por isso, a FAO nas suas estatísticas começou a fazer a diferença entre floresta natural, floresta semi-natural e plantações. Em Portugal, já não temos floresta natural, a não ser alguns carvalhais muito dispersos. A floresta semi-natural tem pouco que ver com as áreas de floresta autóctone e temos de considerar o pinhal como área semi-natural. As plantações são zonas de produção industrial e o eucalipto é a espécie mais usada. Os ambientalistas distinguem o que é floresta semi-natural, autóctone e plantações, mas a indústria chama “floresta” a tudo. Claramente, as plantações não podem ser consideradas floresta, porque ela implica uma relação de biodiversidade, entre espécies de flora e fauna, que as plantações não permitem.
No livro Portugal em Chamas – Como Resgatar as Florestas, que escreveu com João Camargo, refere que, apesar de o eucalipto ser a espécie que, percentualmente, mais existe no País, não trouxe mais riqueza, mas a diminuição de emprego e de rendimento. Porquê?
Temos de ver os valores que existem para lá dos da fileira. Temos de ver a componente produtiva. Nas celuloses, a fonte de receita é interessante, mas não tão interessante como tinha a indústria de serração no passado. Quando analisamos os dados económicos ao nível da silvicultura, temos um decréscimo brutal de valor a partir de 2000. A descida coincide com o aparecimento do nemátodo do pinheiro-bravo. Apesar dos malefícios e erros que possam ser atribuídos ao pinheiro, e que estão a ser repetidos com o eucalipto, ele era gerador de emprego na resinagem, nas pequenas serrações das vilas e aldeias, coisa que o eucalipto não é. A redução da área de pinhal e o aumento da de eucalipto coincide com a perda do valor da floresta. No meio rural, o eucalipto provoca desemprego, embora gere algum emprego industrial no litoral, onde estão as fábricas de celulose. Porém, entre os sector das madeiras, da cortiça e celuloses (papel), a madeira serrada cria 80% do emprego na fileira.
A floresta original em Portugal é composta por espécies de quercus – carvalhos, castanheiros, sobreiros, etc. – mas importamos toneladas de carvalho para a indústria do mobiliário. Não sabemos fazer contas?
O investimento silvícola caracteriza-se por longos períodos de retorno, à excepção do eucalipto e pinheiro. É um período elevado nas outras espécies, mas geram benefícios sociais, havendo necessidade de compensar os produtores com o pagamento de “benefícios de ecossistema”. É preciso compensá-los num prazo mais curto, para que apostem nessas espécies. Somos grandes importadores de carvalho porque temos uma indústria de mobiliário que, de alguma forma, ainda vai subsistindo e há necessidade de aumentar a nossa auto-suficiência em madeira serrada, porque é ela que atribui o maior valor à floresta. Quanto mais apostamos em madeira triturada, para uso na indústria da celulose, mais esse valor vai decrescendo. Temos de apostar na cortiça e na madeira serrada, porém, politicamente, tal não está a ser equacionado. Pagaríamos ao produtor, que aposta nas espécies de crescimento mais lento, o combate à erosão do solo, a fixação de espécies de fauna e flora, dos insectos aos herbívoros e carnívoros, ou a retenção da água no solo, entre outros serviços que presta à sociedade. São coisas que a sociedade usufrui, mas pelas quais não paga. Obviamente que os proprietários não recebendo por elas, preferem gerar rendimento no mais curto prazo.
Segundo um cálculo publicado, na semana passada, no JORNAL DE LEIRIA, um hectare de eucalipto dá 1400 euros de lucro por ano, valor a que é preciso subtrair mais de 300 euros/ano para limpeza.
E falta o preço do desbaste e de arrancar ao fim de 30 anos, para replantar. A forma como a indústria ludibria os proprietários é dizer-lhes que, o primeiro corte paga a plantação, que o segundo já dá um rendimento e que ainda terá um terceiro corte. Mas falta o resto da história. Sendo que, além das limpezas e desbastes, no final dos 30 anos, para replantar ou reconverter o custo é elevado.
O minifúndio, a população envelhecida e despovoamento dificultam um novo paradigma de exploração silvícola?
Desde a adesão à CEE que se sabe da necessidade de agrupar proprietários, criando uma espécie de condomínio. Porém, nunca houve força política para, além do direito a receber fundos públicos, associar um conjunto de deveres. Estes modelos de agrupamento de interesses de proprietários funcionaram enquanto se recebia dinheiro público e deixaram de o fazer quando os proprietários começaram a ter de colocar dinheiro nas tais áreas agrupadas. Foram depois substituídas pelas Zonas de Intervenção Florestal, mas o modelo continua a ser o mesmo; há um conjunto de direitos, mas não há um conjunto de deveres. É impossível gerar rendimento silvícola em meio hectare. Não se pode obter rendimento, sem cooperar com os vizinhos. A sociedade tem de obrigar a que isso aconteça, porque o abandono é gerador de incêndios. No agrupamento de proprietários florestais deve ser associado um conjunto de direitos e de deveres. Por exemplo, se o proprietário abandonar a área agrupada, tem de saber que tal terá um custo associado. E temos de apostar numa política de combate ao despovoamento. Ao longo da história, já tivemos momentos onde foi preciso incentivar as populações a migrarem de zonas mais habitadas para outras com menos pessoas. Temos muita gente a querer viver no interior. Se formos às aldeias de xisto, há muitos estrangeiros e portugueses que para lá se mudaram. O Estado só tem de garantir a segurança dos repovoadores, e não ter, como agora, agricultura sustentável nos vales e, nos montes circundantes, eucaliptais a perder de vista e ao abandono. O que estamos a oferecer a estas pessoas é um risco elevadíssimo de serem confrontados com mega incêndios.
Na semana passada, o Público noticiou que 2/3 do eucaliptal em Portugal, que ocupa 26,2% dos 36,2% da mancha florestal nacional, estão ao abandono ou com má gestão. Os ambientalistas sugeriram, num manifesto, a retirada da espécie de onde ela não é produtiva ou está abandonada e substituí-la por outras mais amigas do ambiente e interessantes economicamente. Nas redes sociais, a reacção foi muito negativa a esta sugestão, porque “não há alternativa” ao eucalipto.
Há, no território, muitas pessoas que trabalham com as celuloses e que sentem que precisam de salvaguardar a sua actividade. Quando publicámos o Portugal em Chamas, recebi muitos telefonemas de madeireiros a contestar. Respondi-lhes que deveriam ligar para os directores das empresas de celulose porque não há aumentos desde 1995, porque trabalham em condições miseráveis, com contratos de trabalho negociados ano a ano, e porque se estão nas tintas se eles têm empréstimos nos bancos. É gente que está presa ao sistema e que tem necessidade de o defender. Antes de haver eucalipto, havia outras espécies de onde se tirava sustento, como o castanheiro, o sobreiro e a oliveira. Tudo isto é dinâmico e não faz sentido a ideia do “eucalipto salvador da Pátria”, quando é mais coveiro do que salvador. Os 2/3 abandonados têm que ver com a expansão do eucalipto, feita com uma lógica de pedreira. Escavase cada vez mais, mas não se tapa as zonas que se explorou. À medida que as áreas vão perdendo produtividade, procuram-se outras sem replantar as anteriores, porque os custos de exploração, sobretudo em propriedade privada são elevadíssimos e, ao terceiro corte, por incapacidade financeira, não se retiram cepos e se replanta. Acresce a isto que, muitas vezes, foi o pai ou o avô que instalaram os eucaliptos e os descendentes já nem vivem no território. Em média, custa 750 euros por hectare arrancar os cepos, para, depois, se gastar 1500/2000 euros a replantar. Ora, é muito mais barato plantar em matos do que replantar zonas que já tiveram eucalipto. Vamos tendo cada vez mais área abandonada e sob má gestão e chegará o dia onde teremos de ser todos nós a pagar o resgate do território, porque ele vai entrar em colapso. Em 2017, ardeu à indústria da celulose o equivalente à área da cidade de Lisboa. O fogo quando vem não quer saber se a área está bem ou mal gerida. Não se interessa se está sob gestão privada ou se é área nova e limpa, quando o que está à volta são os tais 2/3 ao abandono.
Especialista em floresta
Paulo Pimenta de Castro nasceu em Lisboa, em 1963. É licenciado em Silvicultura pelo Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa e foi docente no Ensino Profissional na área florestal, técnico superior na Confederação dos Agricultores de Portugal, secretário-geral da Federação dos Produtores Florestais de Portugal e da Associação Nacional das Empresas Florestais, Agrícolas e do Ambiente.
Integrou o Conselho Consultivo Florestal do Ministério da Agricultura e foi perito no Conselho Consultivo das Florestas e da Cortiça junto da Comissão Europeia.
É consultor e preside à Direcção da Acréscimo, Associação de Promoção ao Investimento Florestal.
Em conjunto com João Camargo, é autor do livro Portugal em Chamas – Como Resgatar as Florestas, onde analisa a situação actual da silvicultura no País e sugere soluções alternativas