Depois de sucessivos adiamentos e de alguma polémica à mistura, a 20 de Fevereiro de 2018 era, finalmente, conhecida a proposta vencedora do concurso de ideias para o pavilhão multiusos de Leiria, designado por Centro de Actividades Municipal, previsto para nascer junto ao estádio.
Dois anos volvidos, os projectos de execução, a cargo da equipa de Pedro Cordeiro, arquitecto vencedor do concurso, ainda não foram aprovados pela Câmara, que continua a analisar o processo. Não se vislumbra, por isso, a abertura do concurso internacional para a empreitada e, muito menos, o início da obra.
“Falta analisar cuidadosamente, em múltiplas vertentes, as complexas especificidades de um projecto desta natureza, tendo em conta a sua dimensão e impacto, quer na vertente técnica e estimativa de custo”, limitou-se a dizer, por escrito, o presidente da Câmara de Leiria, em resposta a um pedido de esclarecimentos do JORNAL DE LEIRIA.
Em causa está a construção de um pavilhão com capacidade para acolher espectáculos que levem até 7.500 pessoas, das quais 4.000 em lugares sentados, e que permita também a realização de congressos, de feiras temáticas e de eventos desportivos. Neste último domínio, o equipamento será dotado de um espaço para as modalidades de pavilhão e de uma pista de atletismo para treino e competições, capaz de receber provas internacionais.
Inicialmente, foi anunciado que a obra custaria cerca de 12 milhões de euros, valor que serviu de base ao concurso de ideias. No entanto, com a evolução dos preços e com as alterações já introduzidas em sede de elaboração de projectos, a pedido do promotor da obra, a Câmara, a estimativa de custo já se aproxima dos 18 milhões de euros, segundo apurou o JORNAL DE LEIRIA.
Uma das principais alterações prende-se com a instalação de uma pista para atletismo, com condições para competições internacionais, valência que não estava prevista no caderno de encargos do concurso de ideias e que implicará alterações à estrutura do edifício e, consequentemente, aumento dos custos.
Numa fase em que o Município assume que “o processo encontra- -se em análise”, o JORNAL DE LEIRIA foi ouvir a opinião de várias agentes do desporto, da cultura e da economia, as três áreas que serão servidas pelo centro de actividades municipal, e pessoas ligadas ao planeamento e ao associativismo cívico, a quem perguntámos se Leiria precisa de um pavilhão multiusos com as características que estão anunciadas.
A mesma questão foi colocada num inquérito online, promovido através da página do facebook do jornal. Entre as personalidades ouvidas, existe um certo consenso em torno da necessidade de um pavilhão multiusos na cidade, mas há quem levante dúvidas sobre a dimensão do projecto que está em cima da mesa.
Os agentes desportivos inquiridos – o treinador de atletismo Paulo Reis e os presidentes da UDL, da Juvelis e da Associação de Futebol de Leiria – são unânimes em defender que a cidade precisa de um pavilhão[LER_MAIS] com a valência desportiva, que colmate a lacuna deixada há duas décadas, com a demolição do velho gimnodesportivo, deitado abaixo para as obras de ampliação e de remodelação do Estádio Municipal Dr. Magalhães Pessoa, por ocasião do Campeonato Europeu de Futebol de 2004.
Desde então, a cidade ficou ‘órfã’ de um espaço para desportos colectivos, recordam os agentes desportivos ouvidos pelo JORNAL DE LEIRIA, frisando que, neste momento, Leiria não tem um espaço capaz de acolher jogos de alta competição de desportos como futsal ou andebol, este último com muita tradição neste território, embora não existe, de momento, nenhuma equipa de Leiria no principal escalão nacional da modalidade.
Entre os agentes da cultura e do associativismo empresarial e cívico, onde se incluem os presidentes do Orfeão, da SAMP, da Nerlei, da Adlei e da Acilis, existe também uma opinião favorável à construção do multiusos. Há quem alegue que Leiria não pode querer ser Capital Europeia da Cultura (2027), Cidade Europeia do Desporto (2022) ou Cidade Criativa da Unesco da Música, distinção atribuída no ano passado, sem ter espaços “condignos” para dar resposta a esses eventos.
Apesar de concordarem com a necessidade deste equipamento, as pessoas ouvidas pelo JORNAL DE LEIRIA chamam a atenção para os desafios que se colocam a uma estrutura desta natureza, nomeadamente, a capacidade para a dinamizar e as questões relacionadas com a manutenção. Por outro lado, alguns dos inquiridos sublinham o custo da obra, questionando se será razoável, e recordam o exemplo do estádio, um caso de má memória para o concelho.
Inquérito: 57% contra, 43% a favor
O inquérito online, promovido através da página do facebook do JORNAL DE LEIRIA, entre o final da manhã de quinta-feira, dia 20, e as 11 horas desta quarta-feira, contou a participação de 2095 pessoas. Destas, 1194 (57%) manifestaram contra a construção do pavilhão, respondendo ‘não’ à pergunta colocada: Leiria precisa de um pavilhão multiusos, com as características que foram anunciadas? A favor da obra pronunciaram-se 901 pessoas.
Ficaram ainda registados 80 comentários, uns a favor da obra e da sua necessidade, numa cidade que quer ser Capital Europeia da Cultura e Cidade Europeia do Desporto, outros contestando-a, nomeadamente, devido ao custo. Houve também quem questionasse a localização prevista para o pavilhão e quem defendesse a cobertura do estádio municipal e a sua transformação em multiusos. Esta, foi, aliás uma das questões que mais comentários motivou.
Principal mentor e impulsionador do projecto do multiusos, Raul Castro, antigo presidente da Câmara, cargo que deixou em Setembro último, e actual deputado, conta que a colocação de uma cobertura no estádio já foi estudada, mas revelou- se uma “não solução”. “Ia custar o mesmo dinheiro do que o multiusos e não permitira algumas valência, nomeadamente a realização de congressos”, alega o ex-autarca.
“Âncora para atrair pessoas”
Para Raul Castro, não há dúvidas de que Leiria precisa deste equipamento. “É a única capital de distrito que, lamentavelmente, não tem uma infra-estrutura com dignidade para a realização de eventos desportivos de alta competição, nacionais e internacionais, espectáculos de maior dimensão durante os períodos do ano em que as condições climatéricas não permitem fazê-los noutro local, congressos e feiras temáticas”, alega o ex-autarca, que foi responsável pelo concurso de ideias para o centro de actividades municipal.
“O que se pretendia era criar uma nova âncora para atrair pessoas a Leiria”, reforça Raul Castro, frisando que foi esse o princípio que esteve na base do lançamento do concurso de ideias para obra. Desse procedimento, “resultou uma proposta tendente a ser trabalhada pelos arquitectos”, sendo que “no decurso da elaboração do projecto houve a percepção de que havia questões que era importante acautelar”, assume o ex-presidente da Câmara.
“Seria estranho que, após a construção de um edifício que se quer emblemático, por via de alguns erros, não se pudessem realizar determinados eventos”, justifica Raul Castro, que dá como exemplo a introdução de pista de atletismo preparada para provas internacionais.
Segundo o ex-autarca, com as alterações sugeridas e a “explosão dos preços de mercado” registada nos últimos anos, as estimativas de custo apontavam, à data em que deixou a Câmara, para “17,5 milhões de euros”, valor que terá de ser suportado integralmente pelo Município, uma vez que já não há fundos comunitários para este tipo de equipamentos.
Mas, o custo nunca foi, até agora, considerado um obstáculo pela Autarquia, pelo menos, durante a governação de Raul Castro, que sempre passou a mensagem de que havia dinheiro nos cofres municipais para executar a obra. Resta saber qual a posição do actual presidente da Câmara, que tem sido parco em declarações sobre o processo do multiusos.