Quem é o Pedro Mafama?
O Pedro Mafama é um artista que faz música e um conjunto de outras coisas, outras ferramentas, para criar e mostrar um olhar próprio sobre a cultura portuguesa, mas não só. Sobre a vida e outros aspectos, com as ferramentas que tem ao dispor. E sinto também que, além de uma expressão própria e da poesia em si, tento inserir a nossa cultura popular portuguesa numa continuidade do mundo da história da música popular.
Tem vindo a conquistar o circuito da música alternativa portuguesa e é já considerado um fenómeno em Portugal. Um fenómeno que “bebe” de vários géneros e os une, fazendo uma ponte entre o tradicional e o contemporâneo. Não há realmente fronteiras nas suas músicas?
Não. Até agora, o meu objectivo foi testar os limites entre o popular e a tradição portuguesa e o global pop, porque sinto que a nossa música popular está viva e, como qualquer coisa que está viva, vai continuar a evoluir. E é preciso mandá-la para a frente e descobrir novos caminhos. Nem sinto que estou a tentar recuperar uma tradição, sinto só que estou a levar a nossa música portuguesa para novos caminhos. E este disco Estava No Abismo Mas Dei Um Passo Em Frente tem géneros que estão muito vivos e que têm uma linha contínua, como a música do baile, as rumbas portuguesas e as marchas, que não são tradições que eu estou a recuperar, são géneros e modos de vida que estão vivos e que vão continuar aqui muito tempo.
Em reacção ao facto de a música “Preço Certo” ser a mais ouvida no Spotify em Portugal, referiu que o objectivo foi sempre este: fazer música para todos, levar ao público a sua visão da cultura popular e mudar o rumo do comboio. Este rumo já está a mudar?
Este rumo está a mudar um bocadinho, sim. Sinto que consegui imprimir a minha visão e o meu olhar sobre a nossa cultura, mostrar que podemos não escolher entre ser alternativo e artístico ou chegar a toda a gente e ser um sucesso. Isso era uma coisa que eu queria fazer e na qual acreditava há muito tempo, mas que se calhar até já estava a perder um bocadinho a esperança. Que é nós podermos ser alternativos artísticos e fazer coisas novas e mesmo assim conseguir vender, chegar às pessoas, chegar a toda a gente, e acho que isso é que é mudar o rumo do comboio. Porque se estivermos a falar só para o nosso grupo de amigos, não conseguimos mudar o rumo do comboio. O rumo do comboio muda quando chegas a muitas pessoas.
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E a música “Preço Certo” permitiu chegar a um maior número de pessoas.
Sem dúvida. Tem sido lindo, quando chego a qualquer concerto, e sinto que em Leiria vai ser a mesma coisa, e as pessoas juntam-se com a minha música. Eu recebo constantemente vídeos de bailes, almoços de família, escolas, equipas de futebol. Toda a gente a juntar-se com esta música e acho que isso é muito bonito.
Qual é a história que está na origem desta música?
Foi surgindo aos poucos. Era uma música na qual eu estava a trabalhar há muito tempo. O sample do Fernando Mendes, do programa Preço Certo, esteve lá desde muito cedo e serviu quase como um motor. Houve um diálogo entre esse sample do Preço Certo e aquilo que eu estava a querer dizer na minha música, que era celebrar a minha felicidade, celebrar este momento. E o Fernando Mendes é um ícone de celebração e de alegria. Por isso, a música foi feita em diálogo com essa ideia do Preço Certo. E mesmo as palmas da música são as palmas à Preço Certo, a palma portuguesa por excelência. Sinto que entrei em diálogo com o Preço Certo para celebrar aquilo que estava, e está, a acontecer na minha vida, e é muito bom depois ver quando as pessoas celebram connosco.
Em 2021 lançou o álbum Por Este Rio Abaixo, que impunha um tempo longo de escuta e reflexão. Lançou agora o álbum Estava No Abismo Mas Dei Um Passo Em Frente, numa versão mais alegre. Um álbum é o oposto do outro? Ou complementam-se?
Um álbum é o oposto do outro em termos de estado de espírito e da fase em que estou na minha vida. Por outro lado, um é a continuação do outro. E o próprio título do Estava No Abismo Mas Dei Um Passo em Frente é quase um piscar de olhos ao disco anterior, sendo o disco anterior o abismo, se for essa a interpretação. Por outro lado, em termos de pesquisa, continua o mesmo trabalho. Estamos a falar de cultura popular portuguesa nos dois. O primeiro, talvez mais virado para o passado em termos dos géneros musicais que eu peguei. Sendo que eu pegava, por exemplo, muito a música de recolha. Uma das músicas, “Leva”, era inspirada no alar da rede dos pescadores do Algarve. O “Noite Escura” começava com uma referência à Catarina Chitas, uma cantadeira de Castelo Branco, e era muito a repensar o passado. Este disco é sobre o presente. As marchas, as rumbas e os bailes que, como podemos verificar por este álbum, é uma coisa que está muito viva e muito cheia de energia. A diferença é essa. Um é mais trágico e a tentar pensar o nosso passado, e este é mais alegre, virado para o presente, daí também o passo em frente.
Antes da entrada na música, estudou Artes Plásticas e inclusive frequentou a licenciatura na Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha, do Politécnico de Leiria. O que te levou a escolher as Caldas e que memórias tem desse tempo?
Tenho óptimas memórias. Eu acabei por escolher as Caldas da Rainha porque era a melhor opção que eu tinha e era um curso de Artes Plásticas que estava aberto a todas as disciplinas, ou seja, não era um curso de pintura, de escultura. Era um curso de Artes Plásticas, em que eu até fazia arte no computador. O meu trabalho era muito digital já na altura. E havia esse espaço, podias usar qualquer ferramenta que tu quisesses, serias avaliado e acompanhado na mesma. E guardo óptimas memórias das Caldas da Rainha. Foi um período de crescimento e de aprendizagem, de absorver todas as informações e conhecer pessoas incríveis e novas. Guardo mesmo no coração esses três anos, que foram um período de descoberta e de crescimento.
Foi um período que acabou também por o influenciar enquanto artista?
Muito, sem dúvida. A forma de pensar o objecto, sendo ele uma instalação de vídeo, um desenho ou outra coisa. Influenciou muito a forma como eu faço música ainda hoje em dia. Por exemplo, deixar coisas em aberto em termos de interpretação. Criar pontes entre significados, entre vários elementos. Sinto que a forma de pensar o meu trabalho e o objecto, a pesquisa até, que eu mantenho até hoje, está em continuidade com o que eu fazia em Artes Plásticas.
Chegado este momento da carreira, o que podemos continuar a esperar do Pedro Mafama?
Muita coisa. As coisas agora estão a tornar-se interessantes. Não é que antes não fossem, mas estou a sentir que agora se abrem novas portas, com um público maior, com maiores possibilidades, melhores ferramentas para trabalhar. E sinto que agora é que a coisa está a ficar interessante, porque consigo pensar para um público mais vasto, consigo melhores condições para trabalhar e quero fazer aquilo que sempre quis fazer, que é continuar a fazer coisas novas, que nos façam pensar sobre a vida de uma forma diferente. E que levem também a nossa cultura regional e local para um palco global. É esse o meu objectivo. Sinto que queria conquistar um bocadinho o País, e quero também sair das nossas fronteiras. É um objectivo que eu tenho, espalhar a nossa cultura pelo mundo. Com este álbum está um pouco mais perto, porque sinto que consegui conquistar o nosso País, pelo que agora já posso sonhar mais realisticamente com conquistar outros sítios.
E o que pode o público esperar do concerto deste sábado, no Castelo de Leiria?
Pode esperar um palco muito bonito, que estive a preparar. Tenho uma banda nova e uma formação de palco nova, que remete um pouco para a banda de baile, mas que depois troca um pouco as voltas àquilo que estamos habituados a ver num palco de baile. É um espectáculo visualmente bonito, cheio de celebração, de energia e de baile, por isso convido todas as pessoas de Leiria e dos arredores a bailarem comigo e a celebrarmos juntos.