O presidente da Comissão Técnica Independente, que elaborou o relatório dos incêndios de Junho de 2017, apontou falhas a vários níveis no fogo de Pedrógão Grande, que contribuiu para a “tragédia”, considerando que se tratou de uma “situação explosiva” e de “carácter excepcional”.
“Houve uma conjugação de falhas que conduziu a esta tragédia”, adiantou João Guerreiro, a única testemunha ouvida durante o dia de hoje na Exposalão, no concelho da Batalha, onde decorre o julgamento para apurar eventuais responsabilidades nos incêndios de Pedrógão Grande.
Segundo explicou ao colectivo de juízes, o relatório concluiu que “há falhas no ordenamento florestal, que também são fundamentais para uma situação explosiva, como a que se verificou, mas também há falhas na intervenção da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil e na aprovação atempada dos planos municipais de defesa da floresta contra incêndios”.
São “falhas de gravidade distinta”, mas “todas elas estão identificadas como falhas que contribuíram para o evento dramático”, adiantou não conseguindo confirmar se o comportamento do incêndio teria sido diferente se tivesse havido limpeza das faixas de combustível.
João Guerreiro adiantou que na “violência do incêndio há várias variáveis que convergem para o que aconteceu” e “o facto de não ter havido limpeza contribuiu negativamente”, mas também a “ausência de conhecimento e de competências na defesa da floresta contra incêndios e no combate, além das condições meteorológicas e físicas do terreno”.
João Guerreiro admitiu ainda que “os meios existentes eram escassos face à dimensão do fenómeno” a partir das 16 horas.
A testemunha considerou ainda que o incêndio de Pedrógão Grande veio mostrar que a “qualificação na arquitectura institucional é frágil em termos de competências e de governança”.
De acordo com as suas declarações, o dispositivo deveria ter sido “mais agressivo” face às condições meteorológicas previstas para esse dia.
Questionado sobre de quem era essa competência, João Guerreiro afirmou que era da ANEPC, a quem competia, segundo disse, também a decisão de antecipar o ataque ampliado e de dar informações ao comandante operacional.
“No terreno das operações há falta de informação e falta de capacidade de decisão porque não há conhecimento. A partir de certa altura era completamente impossível dominar o incêndio”, assumiu.
Confrontado por Filomena Girão, advogada do arguido Augusto Aurnaut, comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, com as informações técnicas do incêndio, como o calor, que foram apurados pela comissão já depois do incêndio, João Guerreiro anuiu que “estes instrumentos de carácter científico não estavam disseminados para serem passados como informação aos comandantes, como apoio na decisão”.
“Aplica-se aqui e noutras situações. Este não é um caso particular”, acrescentou.
O presidente da Comissão Técnica Independente lamentou ainda que não tenha sido dada informação aos habitantes, o que “levou à desorientação” das pessoas. “Havia casas que eram autênticos bunkers e as pessoas saíram de lá para fugirem para a estrada”, criticou.
“O facto destas zonas não estarem suficientemente protegidos por mecanismos de aviso e locais de abrigo, contribuiu para o que aconteceu. A situação foi o que foi porque é uma zona que não tem ordenamento adequado, não teve a proteção das aldeias e dos eixos viários, não teve um circuito de informação à própria mobilização da população. Tudo isso são deficiências estruturais que contribuiriam para que a situação fosse esta”, reforçou. João Guerreiro salientou ainda que o relatório da comissão teve porbase os relatórios elaborados pela GNR e pela Polícia Judiciária e que os investigadores são foram ao terreno em Agosto.
“Foi um acontecimento excepcional e violento” num contexto de “temperaturas elevadas e índices de humidade muito baixos”, a que não é alheio o “desordenamento do território, as alterações da direção do vento e a dispersão de casas”.
O julgamento de 11 arguidos para determinar responsabilidades nos incêndios de Pedrógão Grande, em Junho de 2017, nos quais o Ministério Público contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
Aos arguidos são imputados crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves.