“Temos aqui algo que lhe irá interessar muito: pegadas de dinossauros numa pedreira de calcário. Venha e verá que não nos enganámos. (…)
É preciso evitar a destruição desta maravilha”. Foi desta forma que, há 25 anos, Galopim de Carvalho, um dos maiores especialistas em paleontologia do País, tomou conhecimento do achado feito por um grupo de jovens da Sociedade Torrejana de Espeleologia e Arqueologia, na Pedreira do Galinha, localizada na aldeia do Bairro, na fronteira do concelho de Ourém com Torres Novas.
A conversa telefónica, feita então por João Carvalho, um desses jovens, foi recordada por Galopim de Carvalho, durante a sessão comemorativa dos 25 anos da descobera das pegadas de dinossauros da Serra de Aire, que teve lugar no passado dia 4, e onde foi apresentado o projecto de valorização do monumento, que inclui também acções de geoconservação nas jazidas de Vale de Meios (Santarém) e do Cerro da Ladeira (Praia Jurássica de São Bento, em Porto de Mós).
No total, está previsto um investimento na ordem dos 800 mil euros, a concretizar até 2022, com o objectivo de preservar e valorizar o património paleontológico do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros (PNSAC).
Segundo Maria de Jesus Fernandes, coordenadora desta área protegida, o grosso da intervenção será feita no Monumento Natural das Pegadas de Dinossauro da Serra de Aire.
O que se pretende, explica, é “dar uma nova vida” ao local, [LER_MAIS] melhorando o modelo de visitação, através da requalificação das estruturas de apoio, e, sobretudo, adotando medidos de geopreservação.
“Se não conseguirmos preservar a jazida, ela não tem futuro”, enfatizou a dirigente, reconhecendo a dificuldade de intervenção no local. “Os últimos quatro anos fizemos muitas consultas a especialistas e experiências, para procurar as soluções mais ajustadas, o que atrasou o iníinício da concretização do projecto”, acrescentou.
Entre as intervenções previstas está a georreferenciação e o levantamento em 3D da jazida, “para memória futura”, trabalhos de drenagem e limpeza da laje onde se encontram as pegadas, a requalificação do edifício da recepção, com a ampliação e melhoramento do espaço de acolhimento aos visitantes, a criação de passadiços no circuito de visitação e a substituição dos painéis interpretativos. Serão ainda disponibilizados novos materiais didácticos, um novo documentário e uma nova exposição.
“O objectivo é tornar este espaço mais lúdico e dinâmico”, frisa Maria de Jesus Fernandes, adiantando que a candidatura apresentada a fundos comunitários contempla também a criação de percursos interpretativos entre os três goessítios do PNSAC: Pedreira do Galinha, Vale de Meios e Praia Jurássica.
De regresso à Pedreira do Galinha, que já não visitava há vários anos, Galopim de Carvalho manifestou- se agradado com o projecto apresentado, apelando à Administração Central para apoiar a preservação e valorização deste local.
“Não temos tido governos à altura para preservar este espaço”, afirmou, em cima da laje que conserva um conjunto de 20 trilhos de pegadas deixadas por dinossauros saurópodes há mais de 175 milhões de anos.
“É uma mais-valia importante para o País”, sublinhou o paleontólogo, que tem ainda um sonho para o local que ajudou a preservar: “Que o Poder Central tivesse orgulho em ter em Portugal algo que não há na Europa.”
Pedreira revelou património de valor “incalculável”
Foi a exploração de calcário na então Pedreira do Galinha que pôs a descoberto as pegadas de dinossauro da Serra de Aire. “Devemos à exploração de pedra a descoberta deste património de valor incalculável. Não há bela sem senão”, reconheceu Maria de Jesus Fernandes, coordenadora do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, durante a sessão que assinalou os 25 anos da descoberta. Na ocasião, o paleontólogo Galopim de Carvalho fez uma homenagem a Rui Galinha, que, há 25 anos, explorava a pedreira “Teve a capacidade e a inteligência de parar a exploração quando lhe pediram. Estamos-lhe muito gratos”, afirmou. À margem da sessão, o empresário recordou que o processo de negociação foi “difícil”. “Foram dois anos e meio de conversações. Apanhei vários governos, diversos ministros e muitas intenções”, contou, lembrando as primeiras palavras que trocou com Galopim de Carvalho, poucos dias após a descoberta. “Fomos até junto da laje. O professor foi taxativo: ‘isto são pegadas, considere a pedreira fechada’. Respondi: ‘Desde que me paguem’”. E assim foi. O empresário recebeu 4,5 milhões de euros como compensação pela desactivação da pedreira, que “era a maior da região”.