A referência ao obscuro, na designação OBSCUROver, assegura o artista plástico Tiago Baptista, não está inteiramente ligada à ideia de "penumbra", mas ao facto de os seus trabalhos expostos no edifício do antigo Banco de Portugal, em Leiria, até dia 24 de Fevereiro, serem representações que não estão bem definidas, necessitando de algum trabalho mental, para fugir à subjectividade.
O acesso à exposição faz-se pelo átrio do espaço pensado para albergar a delegação da mais importante instituição financeira nacional. O chão e as paredes em belíssimo lioz trabalhado dão um calculado ar sério e circunspecto ao local projectado pelo arquitecto suíço, radicado na cidade do Liz, Ernst Korrodi, em meados do século XX.
O acesso à primeira sala faz-se por uma passagem à esquerda e debaixo de um tecto em vidro colorido que furta para si a função de vitral luminoso. Pendurados, a várias alturas, estão vários desenhos que o jovem criador, natural de Leiria, elaborou no ano passado. Serão máscaras?
Em cada um deles, dois furos servem como óculos, para que se possa olhar através deles, convidando- nos a observar o que está para lá da imagem e da nossa dimensão. Outras imagens, outras pessoas, outros corpos, aparecem-nos no campo de visão. É uma viagem no espaço, sem sair do lugar.
"Para ver as outras imagens, é preciso destruir as representações que temos diante de nós", diz o criador, referindo- se às perfurações, feitas pela sua própria mão, nos trabalhos onde dedicou tanta mestria e saber. Para nos dar acesso a outro mundo, o criador, aparentemente, destruiu o seu próprio labor. Mas só aparentemente.
Além desta instalação, há mais dois trabalhos patentes. Ao longo de duas paredes encontramos a banda desenhada Imagem Viagem, editada por ocasião do Festival Internacional de Banda Desenhada 2016, de Beja. O nome é o mesmo da rubrica publicada, semanalmente, na página 2 do JORNAL DE LEIRIA. "É uma narrativa ligada ao aparecimento da banda desenhada enquanto prática artística. Há uma personagem que espreita por uma fresta e acaba por atravessá- la, encontrando outras personagens e situações. Foi uma história que foi crescendo, sem grande planeamento."
Nas últimas pranchas, o herói da história acaba por se encontrar com uma pessoa que é parecida consigo, mas mais velha. Será o seu alter-ego de outra dimensão? Tiago Baptista não sabe. Mas o seu fito também não era fechar o relato. Fazê-lo, seria, de certo modo, cortar cerce o objectivo de encontrar outras ficções na sua criação.
Noutra parede, encontramos uma pintura datada de 2015, elaborada para a Galeria 3+1. Mais uma vez, há uma ligação directa com o aparecimento da narrativa visual. Um homem, solitário, destaca-se num cenário industrial de torres que vomitam fumo. Numa das mãos, segura uma lente invisível. O objecto desapareceu e ficou apenas o gesto.
O segundo espaço expositivo, noutros tempos, albergava os caixas da instituição bancária, por detrás de grossas barras de metal. Hoje, é um espaçoso corredor. Ali, encontramos mais trabalhos de 2015 na área do desenho.
O primeiro, que também esteve patente na 3+1, joga com a concepção de reflexo e imagem fidedigna. Um homem, de costas para o público, olha-se num espelho e vê apenas as suas próprias costas. Embutido na representação, um espelho reflecte quem observa, obrigando-o a ser parte involuntária, mas colaboradora, da obra.
Este é um conjunto de desenhos livres, a tinta-da-china, colagens e ecoline, onde Tiago Baptista deixou a sua veia correr pela imagética que lhe assaltava a mente. "São o que são. São escalas e realidades que não são possíveis. Não estou preocupado com os significados, neste momento. O processo de os fazer foi muito intuitivo", explica.
Não obstante, Baptista gosta de trabalhar nas suas obras até ao último momento. A poucos minutos da inauguração da exposição, o artista ainda retocava uma das grandes peças de pintura expostas. "Sou perfeccionista? Mais ou menos…", admitia, desvalorizando o acto.
Perfil
Talento promissor
Tiago Baptista nasceu em Leiria em 1986. Estudou Artes Plásticas na Escola Superior de Arte e Design das Caldas da Rainha. Foi vencedor do Prémio Fidelidade Mundial Jovens Pintores, em 2009, e do Prémio Aquisição Amadeo de Souza-Cardoso, em 2015. Em 2013, foi finalista do Prémio Novos Artistas, da Fundação EDP.
Das suas exposições destacam-se, em 2012, Prédios, árvores e uma luz bonita, na sede do colectivo a9)))), em Leiria, e Tem calma, o teu país está a desaparecer, na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa; em 2016, levou a mostra Questionamentos ao Palácio Vila Flor, em Guimarães, e à Sala de Arte Jovem, em Madrid.
Em 2015, apresentou A pequena realidade, na Galeria 3+1, em Lisboa. Vive e trabalha em Lisboa.
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