No meio da torrente de selfies com as crianças do Agrupamento de Escolas de Vieira de Leiria, o primeiro- ministro encontrou alguns segundos para agarrar na enxada e pôr mãos à obra. "Aqui? Aqui neste sítio?". Aí mesmo. Um sobreiro, que António Costa baptizou de imediato, com o nome de um aluno, a simbolizar o novo Pinhal de Leiria, que já está a nascer: mais resistente ao fogo, com maior diversidade de espécies.
Também chamado Pinhal do Rei, a jóia da coroa das matas nacionais ardeu em 86% – do total de 11 mil hectares – no incêndio de 15 e 16 de Outubro. "A tarefa é grandiosa, para termos de novo as cerca de 250 milhões de árvores que terão de crescer neste lugar", alerta a presidente da Câmara Municipal da Marinha Grande, Cidália Ferreira. Depois do primeiro desbaste, dentro de alguns anos, o povoamento será reduzido a duas mil árvores por hectare. O primeiro-ministro deu uma ajuda na segunda-feira, junto à Secundária Loureiro Botas, em Vieira de Leiria, antes de seguir para a apresentação da estratégia de recuperação da Mata Nacional de Leiria, que decorreu no auditório da resinagem, na Marinha Grande.
Plano pronto até Julho. Até ao próximo mês de Julho, o Governo quer ver concluído o plano de reflorestação do Pinhal de Leiria, cuja prioridade é a regeneração natural. A tarefa está entregue a uma comissão científica, constituída na segunda-feira, que inclui especialistas de sete universidades e politécnicos. Também a população, as empresas, as autarquias e outras personalidades e instituições do concelho são chamadas a colaborar, através do Observatório Local do Pinhal do Rei. A estratégia de recuperação da Mata Nacional de Leiria envolve ainda um plano de corte de árvores, a executar ao longo de ano e meio, que já começou no terreno, com prioridade para a madeira de maior valor e árvores que representem mais risco para a circulação nas estradas. E um plano de gestão florestal de médio e longo prazo, com previsão de custos e receitas.
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De acordo com o presidente do ICNF – Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, o objectivo é criar um Pinhal de Leiria mais resiliente, com outras espécies além do pinheiro bravo, capaz de gerar um rendimento económico superior. Que preserve a função de protecção contra as areias e de produção da melhor madeira do País para a indústria de pinho, "mas, também, aquilo que são as novas orientações que estas florestas devem ter na componente social, de recreio, de boa utilização por parte das pessoas", esclarece Rogério Rodrigues.
Boa parte das estradas da mata estão actualmente vedadas com barreiras colocadas pelo Município, por risco de queda de árvores. Também se realizaram acções de controlo da erosão e estabilização dos solos. Na segunda- feira, o primeiro-ministro assistiu ao abate de pinheiros queimados junto à Nacional 242-1, entre Vieira de Leiria e Marinha Grande, trabalhos que visam garantir a segurança na circulação rodoviária. Uma faixa de 25 metros ao longo da rede viária. António Costa avisa que é preciso ir mais longe e cumprir a lei, criando faixas de protecção num raio de 50 metros ao redor de habitações e de 100 metros à volta das povoações.
Objectivo: biodiversidade. De resto, o princípio já está a ser aplicado em Vieira de Leiria, com os sobreiros, 300, para já, junto à Escola Loureiro Botas, para defesa da zona urbanizada, por ser uma espécie que resiste melhor ao fogo. Ali, no limite norte da Mata Nacional de Leiria, ficam os primeiros talhões do voluntariado, que vão acolher contributos da sociedade civil. Na segunda-feira, foi entregue um donativo da Rede Aga Khan para o Desenvolvimento, no valor de 100 mil euros, a aplicar na reflorestação do Pinhal, o suficiente para 156 mil novas árvores. Ao todo, as primeiras intervenções abrangem 240 hectares, em oito talhões, com o contributo de três empresas privadas. Em Dezembro, já tinham sido plantados 3 mil pinheiros no talhão 29, junto à Marinha Grande, também reservado ao voluntariado.
António Costa diz que é preciso respeitar a história: "Estes pinhais fixaram as areias, foram as areias que chamaram a indústria do vidro, foi a indústria do vidro que chamou a indústria dos moldes, e a indústria dos moldes faz hoje deste concelho, e desta região, uma das principais regiões exportadoras do País. Se hoje temos em Portugal indústrias como a indústria automóvel e como a indústria aeronáutica, temo-lo porque tínhamos a indústria dos moldes, e se temos a indústria dos moldes, é porque tínhamos a Marinha Grande e porque tínhamos este pinhal".
Uma história que a presidente do Município quer ver registada no Museu da Floresta. "A sua edificação no Parque do Engenho não pode ser mais adiada". Cidália Ferreira pediu também a alocação dos "meios humanos e materiais imprescindíveis" nos serviços florestais.
A população, entretanto, não esquece o que aconteceu a 15 de Outubro. Faixas colocadas no Pinhal de Leiria na noite de domingo para segunda-feira, e retiradas durante o dia, assim o demonstram: "Acordem", "Socorro", "Onde está o $", liase ao longo das estradas que atravessam a mata nacional.
O presidente do ICNF – Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas disse na Marinha Grande que a madeira ardida que o Estado vai alienar em hasta pública, proveniente de todas as matas nacionais litorais, vale aproximadamente 35 milhões de euros, ao custo médio de serração e trituração. Rogério Rodrigues avisa, no entanto, que estes "são valores relativos porque só o mercado irá trazer os verdadeiros valores", nos leilões a realizar nos próximos seis meses. "Não posso afirmar que seja esse valor ou outro, porque só o mercado vai determinar nos processos de alienação a aquisição ou não ao preço justo e podem inclusivamente ser preços superiores ao preço base", explica o presidente do ICNF. Nas sete matas nacionais litorais, há 1,7 milhões de toneladas de madeira ardida que vão agora ser colocadas à venda em hasta pública, das quais 1,1 milhões para serração e 600 mil para trituração. 40% da madeira ardida que o Estado vai alienar é proveniente do Pinhal de Leiria: 530 mil toneladas para serração (a madeira de melhor qualidade) e 140 mil para trituração (com diâmetro inferior a 20 centímetros). Questionado sobre o destino a dar a estas receitas, Rogério Rodrigues não garantiu o reinvestimento nas matas nacionais, em particular no Pinhal de Leiria. "É preciso saber o que fazer para a recuperação destas matas, que não é um processo para um ano, nem sequer para uma década”, disse, antes de acrescentar que o processo "vai, nos primeiros cinco a dez anos, ter o maior impacto de investimento", mas "vai-se realizar ao longo das sete décadas seguintes". O presidente do ICNF explicou ainda o parqueamento da madeira ardida e vendida pelo Estado, pelo período mínimo de nove meses e até três anos. "Será o mercado que vai determinar a aquisição e a colocação em parques para que essa madeira num curto espaço de tempo, três a cinco meses, seja toda cortada, parqueada e regada, para que tenha uma duração acima de nove meses, perspectivando- se que alguma possa durar até três anos", disse. Esta é uma medida "para todas as empresas que pretendam adquirir madeira e guardá-la, para que esse parqueamento seja feito de forma regrada" porque esse parqueamento “é essencial para que as empresas tenham uma boa laboração nos próximos dois anos”. A madeira de qualidade, de maior idade, é proveniente do Pinhal de Leiria, que é a maior propriedade florestal das sete matas nacionais litorais.