Das dezenas de discotecas que existiam nos anos 1980 na região Centro, são poucas as que hoje mantêm um funcionamento regular e que continuam a atrair clientes nacionais e estrangeiros.
Em Meirinhas, a cerca de 12 quilómetros de Pombal, situa-se um caso de longevidade quase ímpar no "campeonato" das discotecas que mantêm as portas abertas: a Palace Kiay vai a caminho dos 37 anos de existência e os proprietários – Jorge Duarte (na foto) e a mulher, Lara Prince – apontam a persistência, a perseverança, o gosto pela gestão daquele espaço de diversão e o investimento constante na inovação como segredos para manter a discoteca em funcionamento.
"Não tinha experiência nenhuma em discotecas. Só como frequentador", recorda à agência Lusa Jorge Duarte, que se lançou no ramo com 22 anos. Ainda hoje, com 58, quando a festa termina, é ele que habitualmente fecha a porta da Kiay.
"Estar presente é muito importante: o que faz uma casa é ter os donos presentes. A não ser que seja um McDonalds, mas mesmo assim é preciso umas vistorias de vez em quando", diz o proprietário, com o pragmatismo de mais de três décadas de gestão.
A localização da Palace Kiay – construída de raiz, por Jorge Duarte, em 1982, num terreno contíguo ao restaurante do pai, junto à antiga Estrada Nacional 1, hoje IC2 – também beneficiou o negócio.
"Quando arrancámos, a discoteca era muito boa: moderna, com tecnologia à frente para a época e espaço inovador. Mas ajudou que a estrada nacional fosse a única ligação entre Lisboa e Porto. Toda a gente tinha de passar aqui à frente. Pode parecer que não, mas é uma mais-valia", assinala.
Desenhada a partir do zero pelo próprio Jorge Duarte – "aparentemente correu bem", argumenta – ganhou fama e ainda hoje chega longe o nome da Palace Kiay. A designação é a conjugação de duas ideias: palácio, "porque na época privilegiava-se muito o luxo nas discotecas", e Kiay, uma adaptação do proprietário a partir do nome de uma discoteca de Paris, "Kai", que tinha como tema artes marciais e significava "último grito".
"Inventei o nome para parecer bonito e fácil de divulgar. A coisa pegou: era o palácio do último grito, Palace Kiay", afirma, com orgulho, o proprietário.
Também em França, a Palace Kiay é conhecida: implantada em Pombal, zona de forte emigração, apostou sempre na promoção em Paris e, até hoje, a discoteca abre todos os dias nos meses de Agosto, com DJ e música francesa, a pensar na comunidade emigrante que faz férias em Portugal.
Comparando com o que se passava há 30 anos, nos dias de hoje muita coisa mudou na diversão nocturna: se nos primeiros tempos, o mesmo DJ estava de serviço três ou quatro anos e os clientes "iam pelo espaço", actualmente Jorge Duarte diz que é preciso pensar num conceito e em convidados diferentes todas as semanas, porque "há muita oferta e o cliente não fideliza", mesmo que se para saborear a nostalgia dos primeiros tempos, a Palace Kiay promova, duas a três vezes por ano, a festa K80.
Com um escorrega famoso que desce do último andar à entrada, quatro espaços distintos e capacidade para cerca de duas mil pessoas, a discoteca de Meirinhas caracteriza-se por ser intergeracional.
"A nossa clientela envolve já pais e filhos e, um dia destes, netos. É um ambiente diferente e isso é que a torna especial", explica Jorge Duarte.
Mais a norte, junto à mesma estrada nacional 1, na Mealhada, a Três Pinheiros é contemporânea da Palace Kyay (abriu dois anos antes, em 1980) e outro exemplo de longevidade, tendo precisado [LER_MAIS] de pouco tempo para se transformar numa das maiores discotecas da região, atraindo jovens e menos jovens para uma experiência que incluía banhos de piscina e estadias no motel, com sandes de leitão e espumante da Bairrada.
"No auge dos anos 80 tínhamos três salas a funcionar, sempre cheias. Três mil pessoas lá dentro e filas de gente cá fora, a querer entrar", relembra Cláudio Pires, 50 anos, proprietário e DJ ocasional, 38 anos ligado à Três Pinheiros, uma vida.
Nos dias de hoje, a discoteca da Mealhada continua a funcionar, duas noites por semana. Adaptou-se aos tempos, mudou a música ("som da frente" às sextas, revivalismo ao sábado), passou a receber eventos corporativos, festas privadas, uma sala aberta em permanência, duas que abrem conforme as necessidades.
As filas à porta são agora pequenas ou inexistentes, mas a casa aguenta-se: "Temos clientes fiéis, gente que vem de muito longe. A discoteca é uma instituição", enfatiza Cláudio Pires.
Em Coimbra, na zona da Pedrulha, e também com vista para o IC2, resiste "mais como danceteria do que como discoteca" e com uma clientela "bastante mais velha" a Broadway, cuja origem, em 1987, derivou de uma disputa legal entre a empresa de som Furacão e o Fisco, contou à Lusa o antigo sócio gerente Mário Oliveira.
Na transição para o modelo de tributação do IVA, criado um ano antes, a autoridade tributária exigia "80 mil contos [a preços de hoje seriam 1,2 milhões de euros] em impostos" à firma e os responsáveis desta, perante a ameaça de encerramento, optaram, ao invés, por utilizar o material que a Furacão tinha e a experiência em montar discotecas para avançar com um novo espaço em Coimbra, em parceria com a Três Pinheiros, cliente regular daquela empresa de som.
O arranque quis vincar a diversidade da Broadway, com a abertura feita ao som de Tony de Matos e a segunda noite com Lena d'Água: "Ali, a água misturava-se com o azeite", recorda Mário Oliveira, salientando que a noite estava desenhada para agradar a gregos e troianos.
O espaço possuía uma orquestra própria, com dez músicos e dois cantores, que tocavam no início de cada noite "rumbas, pasodobles e chachachás". De seguida, entrava o DJ ou um espectáculo (passaram pela Broadway nomes como Rão Kyao, Amália Rodrigues, Herman José ou os Afonsinhos do Condado), seguia-se "meia hora para os slows", saiam os clientes mais velhos e entravam os mais novos. E o resto da noite decorria "até às 04:00 ou 05:00", ao som de música electrónica.
Se ao fim-de-semana a clientela incluía professores e médicos e enfermeiros dos hospitais de Coimbra, às quintas-feiras faziam sucesso os convívios para estudantes, com uma camioneta que andava "sem parar da meia noite até de manhã a acartar gente" da Praça da República para a Pedrulha.
"Era uma sala de espectáculos, um baile dos bombeiros e uma discoteca. Tudo num único espaço", resume Mário Oliveira, que já saiu da gerência do espaço há quase 20 anos.
Agência Lusa/Jornal de Leiria