Não será por falta de placas informativas que, todos os anos, os turistas repetem gestos que os colocam a si e aos outros em risco. Pela costa da nossa região, multiplicam-se os cartazes a avisar sobre as zonas de praia não vigiada, sobre os locais onde a água é imprópria para banhos, também sobre os sítios de águas paradas cujos fundos estão cobertos de lodo, havendo ainda inúmeros cartazes que remetem para o perigo de derrocada das arribas.
Mas, por desconhecimento ou por comodismo, há sempre quem ignore as advertências e regras, sejam elas legais ou de bom-senso. Que o digam os nadadores-salvadores, que a cada ano que passa usam e abusam das palavras e do apito, para afastar banhistas da ondulação perigosa, em dias de bandeira vermelha, para frisar a interdição de animais no areal e que, muito além do que lhes compete, ainda arregaçam mangas para recolher das praias todo o tipo de lixo que muitos veraneantes continuam a deixar no areal. É um trabalho de sensibilização que urge manter, concordam autarcas e nadadores-salvadores.
Água contaminada e uma “praga” de beatas
Conhecida por “Baía”, esta zona de areal situada junto à foz do Rio Lis costuma ser utilizada por largas dezenas de pessoas na época de Verão, constata Álvaro Cardoso, presidente da Junta de Freguesia de Vieira de Leiria.
Apesar de não ser uma zona de praia vigiada e de a água do rio ser desaconselhada para banhos, devido a contaminação microbiológica, como informam devidamente as placas colocadas no local, o facto é que a “Baía” é “aprazível e as pessoas dão preferência à beleza em detrimento da segurança”, expõe o presidente.
“O areal está limpo, há vegetação nas imediações, as obras do reforço do molhe tornaram o espaço ainda mais apresentável e o rio é calmo”, o que atrai muita gente ao local, observa o autarca.
“Esperamos que para o ano já haja condições de podermos concorrer com a Praia da Vieira à Bandeira Azul. Para já, a qualidade da água do mar é boa, mas os valores das análises feitas na foz não o são. E na avaliação para a obtenção da Bandeira, tudo isso conta”, sublinha o presidente, para quem tudo dependerá da actividade da ETAR do Coimbrão, das Águas do Centro Litoral.
Com um aumento muito significativo da população na freguesia durante a época balnear, o autarca constata que os veraneantes estão a melhorar o seu comportamento quanto à colocação de lixo nos devidos caixotes. Deveria, no entanto, ser aumentada a frequência da recolha dos resíduos, para evitar a sua acumulação nos contentores, defende Álvaro Cardoso.
O que não mudou e se tornou numa autêntica “praga” são as beatas deixadas no areal, lamenta o autarca. Razão pela qual, na tentativa de sensibilizar os turistas e de minimizar o problema, começaram a ser disponibilizados à entrada da praia vários cinzeiros reutilizáveis.
Placas? Mas quais placas?
Tiago Oliveira e Maria Carreira, jovem casal natural de Fátima, procurou um local com mesas para fazer um piquenique e acabou por estacionar junto à foz do Rio Lis, na Praia da Vieira. Como nas imediações há uma zona de areal, onde a água é calma, não hesitaram em estender as toalhas. Reagiram com surpresa ao serem interpelados pelo JORNAL DE LEIRIA, acerca das placas que remetem para a contaminação microbiológica da água na “Baía”. “Nem sequer reparamos”, explica Maria Carreira, ao regressar do rio com a filha de oito meses, que com ela foi nadar.
“Por acaso não vimos a placa”, conta também David Garrido, natural de Pombal, que escolheu o mesmo local para passar a tarde com a família. O sítio é sossegado e por isso ajustado ao gosto das crianças deste agregado. “Mas será que está assim tão poluída? É uma entrada de mar”, uma zona onde a água está constantemente a renovar-se e que, se não tivesse qualidade, não teria nem a transparência nem a abundância de peixes que ali se multiplicam, aponta o turista, que se mostra confiante na sua escolha.
Também no concelho da Marinha Grande, na Praia Velha, a zona de rio costuma ser por estes dias frequentada por muitas famílias, com dezenas de crianças a tomar banho, apesar da sinalização que o desaconselha.
Joana Godinho, natural da Marinha Grande, já visita o local há vários anos. Durante esta época balnear apercebeu-se da placa de aviso, mas, mesmo assim, decidiu arriscar. Com duas crianças pequenas, explica que não encontra nas redondezas outro local com estas condições, onde seja tão fácil vigiar as filhas enquanto elas se divertem na água.
O facto de ter frequentado a zona com a família noutras ocasiões e de nunca ter percebido que as crianças ficassem doentes devido a isso também a deixa de alguma forma tranquila, expõe Joana Godinho.
Cães, lixo e repetidos alertas para os perigos do mar
Tem 24 anos, boa parte deles passados em diferentes praias do País, como nadador-salvador. Nesta época balnear, Francisco Sanchez presta serviço na Praia da Vieira, onde, apesar de verificar algumas melhorias, designadamente no que respeita à poluição, continua a constatar erros que se perpetuam de Verão para Verão e sobre os quais continua a ser necessário sensibilizar.
“Muitos banhistas não têm ideia do que representam as cores das várias bandeiras. Com a verde, a natação é permitida; com a amarela, pode tomar-se banho, mas não se pode nadar; e com a vermelha não há banhos para ninguém”, realça o jovem.
A sinalética que mais perguntas tem suscitado são as bandeiras que juntam amarelo e vermelho. Trata-se da zona mais recomendável para banhos, informa o vigilante.
Ao contrário do que se poderia esperar, não são as crianças que mais preocupações suscitam ao nadador-salvador. “É sobretudo o pessoal mais velho, que frequenta a praia há mais tempo e que julga conhecer o mar. Não percebem que a praia muda todos os dias, que há muitas correntes marítimas e que eles próprios, ficando mais velhos, também não têm a resistência física de antes”, observa Francisco Sanchez.
Da lista dos “abusadores” fazem parte também muitos imigrantes e turistas estrangeiros que desconhecem o mar, acrescenta o nadador-salvador. E nesta praia em particular, “a bandeira vermelha está hasteada mais de 30% das vezes. Porque na maré cheia as ondas batem com muita força e há correntes fortes que puxam para dentro quem está à beira-mar”. Nesta época balnear, por exemplo, até agora, talvez se conte pelos dedos das mãos o número de vezes em que foi hasteada a bandeira verde, expõe.
“Tento não apitar, opto mais por conversar com as pessoas”, explicava o nadador-salvador que, minutos depois deste seu testemunho, se via forçado a apitar para chamar a atenção de um banhista que já nadava demasiado afastado da costa.
Além disso, prosseguia, “não se mentalizam que para esta praia concessionada não se podem trazer cães. Se os animais ficarem quietos e se os donos os levarem a fazer necessidades noutro local, ainda tolero”, ressalvava o nadador-salvador. O problema é que isso nem sempre acontece, notava o vigilante.
Outra infracção é a poluição da praia. Já foi pior, repara o jovem, que, mesmo assim, não raras vezes tem retirado do areal todo o tipo de plásticos, invólucros de gelados e um número infindável de beatas.
Óbitos e sustos valentes desencadeiam processo para vigiar Lagoa da Ervedeira
Apesar de ter fixadas no local diferentes placas, que remetem para o perigo da zona de lodo, bem como para o facto de não se tratar de uma zona vigiada, são muitas as pessoas que todos os anos frequentam a Lagoa da Ervedeira, no concelho de Leiria, sendo que algumas delas costumam afoitar-se para locais de algas e canaviais.
Virgílio Cruz, porta-voz do Grupo de Amigos da Lagoa da Ervedeira, supõe que quer o óbito do homem de 35 anos, que no início do mês perdeu a vida neste lugar, assim como uma outra morte, que ali aconteceu em 2016, deverão ter resultado da indisposição das vítimas. Contudo, não raras vezes já verificou também que, quando uma bola se afasta para a zona de canavial, quem se atira à água para a recuperar entra facilmente em pânico ao confrontar-se com os caniços e as algas. “Mesmo quando ainda se encontram em zona de pé”, como observou Virgílio “há cerca de um mês”, com um homem que entrou em stress nesse local.
“Nem sempre a Lagoa da Ervedeira tem gente em número suficiente para justificar ser uma zona balnear vigiada”, reconhece Virgílio Cruz. No entanto, pelo menos atendendo ao movimento atingido em Agosto, deveria ser equacionada a mobilização de um nadador-salvador para o local, nem que fosse apenas por esse mês, defende o porta-voz do grupo.
Afinal, devido à presença de areal, aos passadiços, ao parque de merendas e ao bar, há dias em que a Lagoa da Ervedeira chega a ser frequentada por cerca de 500 pessoas, verifica Virgílio Cruz. O porta-voz deste grupo já está a fazer uma contagem mais precisa do número de visitantes, a pedido da Câmara da Leiria, que encetou o processo para, junto das entidades responsáveis, aferir da possibilidade de tornar o local numa zona balnear vigiada a partir do próximo ano.
Toalhas sob as arribas e muita fé no destino
Foi através dos meios de comunicação social portugueses que Luís e Carmen Gonçalves, emigrados há longas décadas em França, tiveram conhecimento dos cinco mortos e dos três feridos, vítimas da derrocada de uma arriba, na Praia Maria Luísa, no Algarve, em 2009.
A memória continua muito presente neste casal de emigrantes, embora não sirva para os demover de escolher uma zona encostada às arribas do Vale Furado, para ali estenderem toalhas e fazerem praia durante toda a tarde, na companhia da família.
Carmen explica que foi o filho, numa das suas visitas a Portugal, que recomendou aos pais uma visita a esta praia do concelho de Alcobaça. O casal adorou esta zona da costa, de “beleza natural” e que é “menos concorrida” do que outras que já conhecia.
Desde então, frequentam-na repetidas vezes e um dos locais da sua eleição fica sob as arribas. Carmen reconhece o perigo, mas diz acreditar no destino. “Se estiver determinado que é para morrer nesse dia, assim será”, conta a emigrante. E o marido, que reconhece e aponta exactamente para as partes das rochas que mais depressa poderão desabar, também faz tábua rasa da placa que, mesmo atrás de si, alerta para o perigo de derrocada.
A Agência Portuguesa do Ambiente salienta que “a costa portuguesa apresenta em alguns locais da zona costeira uma paisagem que se caracteriza pelo recorte irregular da erosão” e que “a beleza natural procurada pelos utentes destas áreas é, no entanto, indissociável do risco decorrente da instabilidade das arribas”.
“Nas costas rochosas chamam-se arribas às vertentes que são permanentemente ou periodicamente expostas à acção do mar”, informa a agência, lembrado que “a evolução (erosão) natural das arribas processa-se numa sequência intermitente e descontínua de derrocadas instantâneas, dinâmica que constitui perigo para os utentes das praias”.
Frisa ainda que os desmoronamentos são “muito variáveis no espaço e no tempo, dependendo de inúmeros factores, como a intensidade e frequência da acção de agentes climáticos, a fracturação e o tipo de rocha em que a arriba é talhada, a ocupação humana, a presença de vegetação, a vibração, a sismicidade, entre outros”.
Neste sentido, em articulação com as entidades competentes, a agência promove a colocação de placas de risco, “como forma de informar e sensibilizar os utentes dessas zonas balneares”.
Quanto à faixa de risco, realça, corresponde à área passível de ser ocupada pelos resíduos de desmoronamentos. Ou seja, “tem largura igual a 1,5 vezes a altura da arriba”.