No concelho de Leiria, os presidentes de junta estão “impedidos” de, em sede de Assembleia Municipal (AM), “apreciar, discutir e votar” propostas que impliquem a transferência de verbas para a sua freguesia, através, por exemplo, de contratos inter-administrativos ou atribuição de apoios, com excepção do previsto no orçamento municipal.
O impedimento, denunciado, no fim-de-semana, no congresso da Associação Nacional de Freguesias (Anafre) pela presidente da União de Freguesias de Monte Redondo e Carreira, Céline Gaspar, foi imposto no actual mandato autárquico, com base num parecer da Direcção-Geral das Autarquias Locais (DGAL), que, ao que o JORNAL DE LEIRIA apurou, apenas está a ser seguido em Leiria.
“Será caso único no País”, admite Jorge Amador, vice-presidente da Anafre e presidente da junta de Serra d’el Rei, em Peniche.
O entendimento da DGAL é que, ao votar a atribuição de um apoio à sua própria freguesia ou um contrato inter-administritivo, o autarca encontra-se “em conflito ou potencial conflito de interesses, na medida em que representa simultaneamente o órgão que beneficia do subsídio”.
“Quando na assembleia municipal se decida em relação à sua freguesia o presidente da junta deve considerar-se impedido enquanto membro da assembleia municipal”, lê-se no parecer da DGAL.
O caso já tinha sido abordado na sessão da AM de Leiria de 18 de Dezembro, com Paulo Pedro, da bancada do PS, a considerar que se trata de uma situação “absurda”, que configura “uma injustiça muito grande”.
“Em limite, estamos perante um abuso de poder”, por incumprimento da Constituição”, afirma Jorge Amador, frisando que a Lei Fundamental “é clara” ao reconhecer que os presidentes de junta são membros constituintes” da assembleia municipal.
“Não se lhes pode impor qualquer limitação de participação, a não ser que se altere a Constituição”, alega o vice-presidente da Anafre, advertindo que, com tal parecer, a DGAL põe em causa os contratos de transferência de recursos para as juntas, que representam “milhões de euros” e que foram votados pelos representantes das freguesias nas respectivas AM.
“Na assembleia municipal represento os interesses da freguesia”, defende Céline Gaspar, que lamenta “não poder sequer participar na discussão do ponto ou prestar um esclarecimento que pode ser decisivo para o sentido de voto”. “Já houve presidentes de junta que intervieram, mas que foram advertidos de que essa participação pode trazer problemas com a deliberação”, conta a autarca socialista.
António Sales, presidente da AM de Leiria, defende-se, alegando que “a mesa da assembleia é alheia ao processo”. “Há um parecer da DGAL, homologado pela tutela, o que o torna vinculativo”, justifica, assegurando que os presidentes de juntas “nunca foram impedidos” de intervir nos pontos em causa, mas que, quando o fazem, “são alertados para consequências que podem decorrer de tal pronúncia”.
Confrontado com o facto de apenas Leiria fazer esta interpretação do parecer da DGAL, António Sales é peremptório: “Seremos os únicos a cumprir a Lei”.
A Associação Nacional de Assembleias Municipais (ANAM) também já se pronunciou sobre o assunto, assumindo uma posição contrária à da DGAL. “O interesse, no caso de atribuição de subsídios e / ou contratos inter-administrativos, da junta de freguesia, representada pelo seu presidente, não é, nem nunca pode ser qualificado, como sendo um interesse pessoal. (….) O interesse é dos cidadãos”, defende a ANAM.