A primeira fase dos exames nacionais que dão acesso à entrada no ensino superior terminaram na semana passada. Os resultados serão divulgados no dia 12 de Julho.
Milhares de alunos tentam libertar-se da ansiedade que a espera lhes provoca, porque o seu futuro pode ser decidido por uma décima. Alguns continuaram a estudar para se prepararem para a segunda fase, que lhes dá a possibilidade de melhorar a média.
Se há alunos que têm bem definido qual a licenciatura que pretendem seguir, outros não fazem ideia. Ainda há aqueles que já excluíram o que não querem mesmo fazer.
Segundo dados do portal infocursos com base na informação da Direcção- Geral de Estatísticas de Educação e Ciência (DGEEC), dos alunos que se matricularam pela primeira vez em 2015/16 – último ano disponível – um ano depois, 5% dos candidatos estava inscrito num curso de outro estabelecimento de ensino e 4,4% mudaram de licenciatura dentro da mesma instituição (página 6).
Trocar de curso não é uma decisão fácil para a maioria dos alunos. A principal razão é perceberem que estão infelizes e não se vêem no futuro a trabalhar diariamente na área. Se a mudança pode levantar menos oposições em cursos com menos prestígio, já trocar Medicina por História ou Gestão nem sempre é facilmente aceitável pelos pais.
Boas notas, mas…
Catarina Sardinha Monteiro concluiu no mês passado a licenciatura em Gestão na Universidade Católica, em Lisboa, mas esta não foi a sua primeira escolha. A jovem de 21 anos entrou em Medicina, que abandonou um ano depois.
“Quis Medicina desde que comecei a ter noção das profissões. Não sei de onde surgiu esta ideia, talvez da associação de ser um curso com prestígio e de ter médias altas”, conta.
A jovem admite que desde que mostrou algum interesse por Medicina sentiu que foi direccionada para o curso, por pais e professores, sobretudo porque tinha boas notas. “Talvez por isso nem pensei noutra hipótese. Habitualmente, os jovens têm um curso que gostam, mas há sempre outro por que também têm algum interesse. A família acabou por me incentivar, porque era bom.”
Entrou na faculdade de Medicina de Lisboa em Setembro de 2015. Fez o primeiro semestre e ainda começou o segundo. “Quis logo desistir, mas quando vieram os resultados dos primeiros exames, que eram bons, fiquei motivada e os meus pais também me incentivaram a continuar, dizendo que poderia ter sido o choque inicial.”
A verdade é que Catarina não se via a ser médica. “Não gostava dos conteúdos nem me imaginava a fazer tudo aquilo na prática.”
O pai, capitão-de-fragata, estava em missão nos Estados Unidos, acompanhado pela mãe. Sozinha em Portugal, a decisão foi comunicada via skype. “Ainda me tentaram convencer, mas disse-lhes que ia mesmo desistir. Foi um grande choque para eles. Não gostaram nada da ideia. Perguntaram-me o que ia fazer, lembraram que teria de repetir os exames e voltar a candidatar-me e ainda sugeriram que poderia tirar Medicina e depois especializar-me mais em investigação ou gestão hospitalar.”
Catarina Sardinha Monteiro estava irredutível: “não gostava mesmo do curso e não estava feliz”. Quando os pais perceberam que tinha planos concretos e estava decidida a fazer Gestão acabaram por a apoiar.
“Perceberam que não era um capricho ou que tinha preguiça. Tinha mesmo uma ideia do que queria fazer. Mesmo sem acreditarem que seria a melhor opção deram-me o benefício da dúvida e apoiaram-me. Agora sei que foi uma decisão acertada. Terminei em Junho a licenciatura.”
Receosa de que tivesse a tomar uma opção precipitada, a Gestão não foi amor à primeira vista. “Estava muito nervosa, porque tinha mudado de curso e sabia que não podia dizer que não gostava deste também. Não teria hipóteses. Nunca tinha tido nenhuma cadeira de economia. Caí mesmo de paraquedas no curso. Mas rapidamente comecei a gostar”, recorda.
A matéria era “interessante” e quando chegou à prática, se dúvidas houvesse, elas dissiparam-se por completo. Quando desistiu de Medicina, Catarina conversou com amigos que tinham seguido Gestão e Engenharia para perceber melhor as áreas.
“Sempre adorei matemática. Foi o meu ponto forte em todo o meu percurso escolar e considero que tenho boas capacidades comunicativas, o que seria importante para Gestão e, de certa maneira, nunca gostei muito de biologia nem de química.”
Com um contrato com a consultora Deloitte, Catarina Sardinha Monteiro começa a trabalhar em Setembro. O mestrado virá depois. “Vou aproveitar a oportunidade, ganhar experiência e também perceber qual a área de gestão que mais gosto. Irá ajudarme a escolher a área do mestrado.”
Catarina concorda que as escolas precisam de realizar um “trabalho mais amplo” junto dos estudantes do ensino secundário, para lhes mostrar o que existe. “Alunos com médias de 18 ou 19 são logo direccionados para os cursos que exigem melhores notas. Dizem logo que não devemos desperdiçar. Mas por que razão esses alunos não podem estar num curso cuja média é mais baixa e sentirem-se melhor?”
Os seus pais aprenderam a lição e a abordagem com os irmãos mais novos “é completamente diferente”.
“Já se preocupam com o que se interessam e com o que se vêem a fazer no futuro. É importante haver uma orientação vocacional, mas também há que dar espaço para os jovens pensarem. Sei que se seguisse Medicina e fosse para o privado, poderia ganhar mais, mas não seria feliz. No fim do dia, a satisfação com o que se está a fazer é o mais importante. A prova disso é que nem pensei no salário. Pensei: vou ser feliz. Tem de se fazer o que se gosta.”
Um lugar a fazer História
Sara Marques da Cruz trocou Medicina por História e passados cerca de 15 anos não se arrepende. Confessa que foi empurrada um pouco por todo o lado para seguir Medicina. A mãe era médica, Sara gostava de estudar, tinha notas altas e o estatuto de alta competição permitia-lhe entrar no curso com mais facilidade.
Fez as “cadeironas” do 1.º ano na Universidade Nova de Lisboa. “Até anatomia concluí, que é uma das mais complicadas. Era boa estudante, mas não me sentia minimamente vocacionada para exercer medicina. Via a minha mãe, toda a entrega e abnegação à profissão e eu não sentia nada disso.”
A paixão por História sempre existiu. “Sempre quis estudar História e saber de onde viemos e para onde vamos. Gostava de montar o puzzle todo da História.” Apesar do desgosto inicial, os pais aceitaram a decisão. “A minha mãe, por ser médica, foi quem mais me compreendeu. Deve-lhe ter custado, mas percebeu claramente.”
Voltou a realizar os exames nacionais e manteve-se na Universidade Nova de Lisboa, mas agora num curso de humanidades. “Senti mesmo que era a minha praia, como o é agora. Estava muito contente, porque estava a fazer o que gostava e a prova disso é que nunca mais pensei no curso de Medicina.”
Sara Marques da Cruz, na altura, nem pensou com clareza [LER_MAIS] sobre a segurança financeira que ser médica lhe podia trazer. “Tinha noção que História era uma área com mais desemprego e mais mal remunerada, mas quando tomei a decisão não pensei muito, e ainda bem. Assim não me impediu de mudar. Acredito que faça o que fizer, se for suficientemente competente, vou conseguir fazê-lo”, constata.
Neste momento, é investigadora na Universidade de Lisboa e está a trabalhar no Museu de Leiria no âmbito de um projecto conjunto. Sara garante que seria muito infeliz acordar de manhã para ir trabalhar em algo que não gostasse.
“Gosto de sentir entusiasmo em tudo o que faço e até em resolver os problemas que surgem no trabalho. Não me atraía nada exercer medicina. Se fosse hoje voltava a tomar a mesma decisão, embora não com a mesma leveza com que o fiz.”
Apesar da distância, Sara Marques da Cruz considera que a escola deveria trabalhar mais o acompanhamento dos estudantes no secundário. “Há os testes psicotécnicos no 9.º ano, mas depois ninguém explica o que se faz em cada curso, em que consiste, as saídas, o que julgo que seria importante”, embora admita que a universidade serve, sobretudo, para “aprender a procurar coisas” e “não há melhor aconselhamento que esse”.
Rabiscos animados
Trocou Arquitectura por Belas Artes e sente-se realizada. Ana Fernandes nunca tinha pensado escolher outro curso que não fosse Arquitectura. O objectivo era a faculdade do Porto, onde a média é mais alta.
Apesar de ser boa aluna, acabou por entrar no Instituto Superior Técnico. Quando o curso começou percebeu que não correspondia às suas expectativas. “O curso era bom, estava bem estruturado, mas eu detestei tudo aquilo. Acabei o primeiro ano e fiz os exames nacionais e pré-requisitos para entrar em Belas Artes.”
Através dos amigos, já conhecia o ambiente da faculdade de Belas Artes, onde se sentiu logo em casa. “No IST era tudo muito técnico e a parte artística não era suficiente para mim. Em Belas Artes tudo era diferente, até a maneira de pensar, que era mais parecida comigo. Sempre tive boas notas no desenho e sabia que teria de ser algo na área do desenho e da pintura.”
Ao início os pais não aceitaram muito bem. “Não foi fácil convencê-los, mas não me via a fazer aquele trabalho. Ia ser frustrada a vida toda.” O problema dos pais era ser uma profissão alegadamente com menos futuro. “Era trocar algo certo por algo incerto”, afirma Ana Fernandes.
Depois de se licenciar tirou o mestrado em ilustração e desenho animado. É freelancer, mas trabalho não lhe tem faltado. O mais recente projecto é um jogo digital. “Não perdi nada. Ganhei na mesma. Aprendi muita coisa, como a maneira de estruturar o pensamento. Nunca tive um plano delineado, mas sei o que não quero. Tinha a nítida sensação que não iria ficar bem. Mesmo em termos psicológicos estava a ir-me abaixo.”
Ana Fernandes considera que um apoio escolar no secundário seria bem-vindo para ajudar a esclarecer os estudantes. “Mas só estando lá é que se vê se gostamos ou não. A orientação vocacional até pode indicar que tenho vocação para aquilo e eu não gostar.”
A falta dos números
No secundário optou por sócio-económicas, mas sempre foi uma pessoa indecisa e com dúvidas sobre o melhor curso a seguir. Gostava de Direito e Economia e Gestão por influência do pai e do avô.
“Quando fiz os exames a nota não foi a que esperava e não me permitiu entrar no curso de Economia e Gestão em Lisboa, para onde sempre quis ir estudar”, conta João Marques, 22 anos.
O jovem acabou por entrar na faculdade de Direito, em Lisboa, mas sentiu falta dos números. “O primeiro semestre correu bem e no segundo comecei a ponderar as escolhas. Faltavam- me os números. No Direito iria sempre seguir o económico, fiscal ou bancário, que é a área do meu pai.”
“Sempre fui muito indeciso e com 17/18 anos ainda somos muito novos para decidir o que queremos realmente. A minha ligação aos números começou a pesar. Tive uma grande ajuda da minha madrinha de curso, que me foi alertando que o curso era muito teórico e baseado na história do direito. Fiz o primeiro ano e congelei a matrícula. Quem sabe um dia poderei terminar.” Candidatou-se a Gestão e optou pela Universidade Lusíada, “a que está melhor classificada nos rankings”.
O primeiro impacto foi bom, apesar de difícil. “A matemática e a contabilidade não eram fáceis, mas senti que me estava a realizar. Era mesmo o que queria. No Direito não ia ser feliz”
Licenciou-se em Junho e já está inscrito no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa para fazer o mestrado em contabilidade, fiscalidade e finanças. “Um dia quero ter a minha empresa de consultadoria, começar com uma coisa pequena e ir crescendo. Vejo-me mais na área da contabilidade. Foi das áreas da licenciatura de que mais gostei.”
O pai está ligado à gestão bancária e o avô às finanças. João Marques admite que “indirectamente” acabaram por influenciar as suas escolhas, até porque sempre conviveu com estas áreas.
O recém-licenciado defende que o ensino secundário deveria ter disciplinas opcionais que os jovens pudessem experimentar “para abrir horizontes” e ajudar os indecisos.
“Fazemos os testes psicotécnicos e na secundária existe uma psicóloga que nos orienta, mas só se a procurarmos. Deveria haver uma hora extra ou algo que desse um conhecimento geral aos alunos da oferta que há, das saídas e do currículo dos cursos. Há licenciaturas que as pessoas nem sabem que existem”, constata, salientando que teve a sorte de os pais o levarem a Lisboa para visitar algumas universidades e perceber a oferta. É pena que não haja esse trabalho nas escolas.”