O peso da insolvência de pessoas particulares no total dos processos tem vindo a crescer, passando de 18,7% no segundo trimestre de 2007 para 77,2% no mesmo período deste ano, ou seja, “mais do que uma quadriplicação”, tendência acompanhada por uma “redução comparável a nível das pessoas colectivas”, lê-se no último Boletim Estatístico da Direcção-Geral de Política de Justiça.
“É verdade que as insolvências de pessoas singulares aumentaram nos últimos anos, ultrapassando as das pessoas colectivas”, afirma Leonel dos Santos. Este administrador judicial de Peniche explica que “as causas prendem-se, em primeiro lugar, com o conhecimento que as pessoas vão tendo deste processo”, o que leva um maior número a recorrer a este instrumento, e ao “facto de a tão apregoada retoma não ter chegado ainda a toda a gente”.
Segundo dados do Ministério da Justiça, neste caso relativos ao primeiro trimestre deste ano, findaram por decretamento da insolvência 2208 processos de pessoas singulares no País (80% do total). “No primeiro trimestre de 2019 e face ao primeiro trimestre de 2018, registou-se um aumento de cerca de 3,4 pontos percentuais na proporção de pessoas singulares declaradas insolventes”, aponta o Boletim Estatístico da Direcção-Geral de Política de Justiça.
Na comarca de Leiria foram 77 nos primeiros três meses de 2019. Os dados facultados ao JORNAL DE LEIRIA permitem ainda perceber uma ligeira queda (2,4%) no número de processos no ano de 2018 (320), face a 2017 (328). Também este número traduz uma descida, de 3,5%, face aos 340 processos de 2016.
A nível nacional nota-se igualmente uma tendência de descida no número de processos findos por decretamento da insolvência: 9509 em 2016; 9154 no ano seguinte e 8383 no ano passado.
[LER_MAIS] Wilson Mendes, administrador judicial da Marinha Grande, diz que o auge no número de processos de insolvência de particulares foi em 2013/2014, e que de então para cá tem havido uma diminuição, sentida igualmente este ano. Mesmo assim, em termos percentuais, estes processos continuam em maioria. O endividamento das famílias, que se foi acumulando ao longo dos anos, poderá ajudar a explicar a situação.
Também Carlos Inácio afirma que este ano se nota um decréscimo, na ordem dos 20%, no número de novos processos de particulares face aos anos anteriores. “Reflexo da estabilidade da economia e de pessoas mais cautelosas. Por outro lado, a banca também já não facilita tanto o crédito como anteriormente”, considera o administrador judicial da Benedita, adiantando que foi nos anos de crise que se notou um aumento exponencial no número de novos casos de processos de particulares.
Vitor Ramos está a tentar deixar de acompanhar estes processos há dois anos, mas nota um ligeiro aumento das insolvências de particulares, que “não terá ultrapassado mais de 10% em relação aos dois anos anteriores”. “Creio que esta situação tenderá a agravar-se, porque voltou o ‘facilitismo’ na concessão dos créditos, que não são compatíveis com os rendimentos que as pessoas auferem. Bastará a nossa economia ‘arrefecer’ para dispararem de imediato as insolvências”.
Das duas modalidades de insolvência possíveis – com exoneração do passivo restante e com plano de pagamentos – a maioria dos devedores recorre à primeira, apontam os profissionais ouvidos. “De acordo com a minha experiência, as pessoas recorrem mais aos processos de insolvência [com exoneração], uma vez que na maioria das vezes os credores não se mostram disponíveis para negociar com os devedores, já que muitas vezes os planos de pagamento contemplam a liquidação dos créditos em prazos muito longos e frequentemente com perdões de capital e juros”, explica Leonel dos Santos.
“Tendencialmente, há um maior recurso à insolvência com a exoneração do passivo restante, sobretudo quando há dívidas à Autoridade Tributária e à Segurança Social, que nunca são anuladas, e se mantêm sempre vivas e acompanham os insolventes. No entanto, caso consigam aguentar os cinco anos, depois podem tentar liquidar as dívidas ao Estado”, aponta por sua vez Vítor Ramos.
Wilson Mendes explica que a insolvência com plano de pagamentos “se revelou pouco eficaz na prática” e que muitas das pessoas que recorreram a esta via “passaram por experiências desagradáveis”. Por isso, a dada altura, e porque a lei não era clara, muitos passaram a recorrer ao PER (Processo Especial de Revitalização). Em 2017 o legislador clarificou e veio dizer que este instrumento é só para empresas. Para os particulares foi criado do PEAP (Processo Especial para Acordo de Pagamento), mas este é apenas para quem não está já insolvente.