Na curtíssima carreira de Miguel Ferreira enquanto treinador de futebol há um nome que lhe passou pelas mãos e, não nega, o enche de orgulho. Poucas serão as pessoas deste País que podem dizer que foram técnicos de um jogador que se tornou profissional.
Menos ainda de alguém que chega a um nível tão elevado que marca presença, até, numa fase final de um grande evento internacional de futebol, mas ele pode.
E mesmo quando o rapaz se tardava em afirmar ao mais alto nível, já sénior, achava que a culpa só podia ser dos técnicos, nunca do atleta.
O ex-pupilo chama-se João Palhinha e por estes dias está às ordens de Fernando Santos. Está inserido no grupo de trabalho que tenta revalidar o título europeu de futebol, mas tudo começou no Colégio do Sagrado Coração de Maria, em Lisboa, um daqueles estabelecimentos que, todos os anos, aparecem nos melhores lugares dos rankings das escolas.
É lá que ainda hoje trabalha este docente da Marinha Grande e foi lá que, durante os primeiros anos do milénio conviveu durante seis anos lectivos com o agora craque do Sporting.
Tirou o curso em Educação Física em Leiria, esperava trabalhar no ginásio do pai, mas como não havia emprego naquele momento acabou por mudar-se para a capital, onde dava aulas de primeiro ciclo. E por lá ficou.
Craques
Quando arrancaram com uma equipa no colégio, o objectivo era que os miúdos fossem felizes, que o companheirismo fosse fomentado e que aprendessem alguma coisa de futebol para entenderem o jogo quando fossem espectadores.
“Dávamos treinos de futsal e futebol de sete, mas participávamos apenas no torneio de São João de Brito e noutros para os quais nos convidassem. Só mais tarde entrámos no Desporto Escolar”, recorda Miguel Ferreira.
A verdade, porém, é que rapidamente apareceu um craque ou outro. Mal entrou na equipa, logo no primeiro ano de escolaridade, já João Palhinha se destacava.
“Primeiro, porque era o maior deles todos. Depois, porque era um miúdo que vivia para o futebol. Fazia todas as posições, desde guarda-redes a ponta-de-lança. Adorava jogar e se fosse ele a escolher as equipas era capaz de escolher a pior para jogar mais ou, se fosse a baliza, para poder defender mais.”
[LER_MAIS]Mas não era o único. Como ele, havia outro rapaz que chamava a atenção, mas pouco tempo ficou na equipa.
“Era o primeiro dia de aulas do primeiro ano e de repente vejo dois miúdos a jogar muito mais do que os outros todos. Pensei que seria fabuloso para jogar na nossa equipa. Uma era o Palhinha, o outro o Francisco Geraldes, mas que só fez um treino ou dois porque foi para o Sporting.”
Exercício físico
Curiosamente, nos terceiro e quarto anos, Miguel Ferreira foi também professor do futebolista da selecção.
“Há crianças que têm de encontrar o seu elemento e o João era muito mais feliz a fazer qualquer coisa que tivesse que ver com exercício físico do que sentado numa sala de aula. Apoiei o João e trabalhámos bastante, mas era um sítio de que gostava menos. Era feliz a correr, a saltar, a pular e tinha uma grande aptidão”, explica o docente.
O percurso de Palhinha até ao estrelato foi improvável. Apesar de começar a dar nas vistas, jogou na escola durante seis anos.
“Ficou ali, sempre muito acompanhado pelos pais e pelo avô de quem fala muito. Iam aos jogos todos. Era uma família muito próxima. No torneio de São João de Brito jogávamos com o Sporting e com o Benfica, viam-no jogar e ele sobressaía e falavam com o pai. Esteve para ir, mas continuou connosco, com os amigos, com quem gostava muito de estar. Ainda hoje falam muitas vezes, apesar de terem seguido caminhos diferentes”, revela o professor.
Só aos 12 anos, já “bastante tarde”, é que se tornou federado, no Sacavenense, com uma breve passagem pelo Alta de Lisboa.
Aos 17 anos, já júnior, chegou finalmente ao Sporting. Esteve emprestado ao Moreirense, ao Belenenses e ao Braga antes de vingar de verde e chegar à selecção nacional.
“O João fez o percurso dele, percebemos que ele ia ficar ligado à exercício físico, mas tínhamos lá outros rapazes com paixão e técnica e a coisa corria mal. Lembro-me de outro miúdo que foi para o Sporting, teve uma lesão e no ano seguinte já não ficou. São histórias tristes que não ouvimos. Ouvimos a história do Palhinha que é de sucesso.”
Hoje, Miguel Ferreira está afastado do Desporto, mas continua a seguir com orgulho a carreira do ex-atleta.
“Quando a minha filha nasceu deixei de ter tanto tempo. Os jogos eram ao sábado e eu tive de fazer uma opção. Acreditava que o Palhinha podia ter aparecido antes. Sempre disse que achava que podia dar mais alguma coisa. Era um miúdo sossegado, muito calmo, mais no canto dele. Tem este aspecto mais reservado e foi muito educado. O colégio vai tentando transmitir valores aos miúdos, pode ter ficado essa parte do poupado com quem os colegas tanto brincam, de não entrar a comprar à maluca.”