André Barros atende o telemóvel e explica que nos próximos dias anda pelos Estados Unidos, à espera da cerimónia dos Hollywood Music In Media Awards, que se realiza na próxima semana, em Los Angeles. O músico da Marinha Grande está nomeado em duas categorias: clássica contemporânea ou instrumental e composição original para anúncio publicitário. Viajou mais cedo, mas em trabalho: tem a agenda preenchida com reuniões, incluindo clientes já conhecidos e outros que espera conquistar. Além de o colocar num evento de passadeira vermelha em que também estão nomeados Thom Yorke, Pharrel Williams e Beyoncé, ou filmes e séries como Joker e Chernobyl, o tema Rising Melody, composto por André Barros para a campanha internacional da LG sobre o novo televisor Signature OLDE Rollable, é o contrato mais valioso que já assinou e o primeiro em que é pago com cinco dígitos. Para trás, há um longo caminho de promoção. Ou melhor, de autopromoção. Enviar emails, bater a todas as portas, nunca desistir. “É absolutamente decisivo”, reconhece. “Metade do meu dia são contactos, não tenho ninguém que os faça por mim”. Daí o voo antecipado para os Estados Unidos. “Vou não só porque estou nomeado mas porque já marquei uma série de reuniões com realizadores. Se não fizer este trabalho de campo e não estiver onde eles estão, tudo se torna mais difícil”.
Curiosamente, o percurso começa, há menos de 10 anos, quando André Barros decide trocar um escritório de advogados, depois de concluir a licenciatura em Direito, pelo curso de produção e criação musical na ETIC. Segue-se o estágio no estúdio dos Sigur Rós, na Islândia, o primeiro disco, Circustances, os primeiros concertos, os primeiros projectos na produtora do irmão, até que, em 2013, entra no universo da música para cinema, com a banda sonora original do documentário Wounds of Waziristan, realizado por Madiha Tahir. A estreia no grande ecrã, após “dezenas, se não centenas”, de tentativas. Valeu 1.000 dólares. Já o anúncio para a campanha da Volvo focada na Ocean Race, em que começa a nadar com os tubarões da publicidade, data de 2017.
Com quatro álbuns de originais editados, o último deles com a islandesa Myrra Rós, o músico que continua a viver na Marinha Grande diz que, aos 35 anos de idade, é a composição para cinema e publicidade que lhe garante a independência financeira. As encomendas chegam, tipicamente, do estrangeiro. Com uma mão cheia de prémios no currículo, lembra que é obrigatório ser proactivo e saber amadurecer possibilidades, que às vezes demoram um ano, ou mais, a concretizar-se. “Há duas coisas essenciais: ter portefólio – e isso pode implicar no início fazer alguns trabalhos pro bono ou a receber muito pouco – e perceber que nas áreas criativas é importante criar uma ligação emocional com a pessoa com quem vamos trabalhar”.
Faça você mesmo
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), o sector cultural e criativo mobiliza a nível nacional actividades responsáveis por um volume de negócios total de 4,9 mil milhões de euros (dados de 2016). Números impressionantes que não escondem outra realidade: fazer da arte profissão, a tempo inteiro e exclusivo, é um estatuto que só alguns, poucos, conseguem reclamar. Em parte, por falta de continuidade, dada a dimensão do País. Mas, também, porque a lógica do voluntariado, do trabalho gratuito para construir currículo e do acesso livre a espectáculos e conteúdos continua a viciar a relação entre público e criadores. Ou seja, mais depressa se abre a carteira para comprar um par de sapatos do que para suportar um filme, álbum ou peça de teatro.
Pedro Neves, 42 anos, cineasta natural de Leiria a viver no Porto, dá um exemplo ocorrido há anos, um projecto para dois dias e seis pessoas com 200 euros de orçamento. “Lembro-me de acabar a dizer ao cliente que o melhor que ele tinha a fazer era ir a uma Worten, comprar uma câmara e fazer ele próprio o vídeo”. Formado em Ciências da Comunicação, trabalhou como jornalista, com reportagens no semanário Expresso e em canais de televisão internacionais, mas desde 2001, inspirado pelo programa da capital europeia da cultura no Porto, e, sobretudo, pelo festival de documentário Odisseia nas Imagens, que aconteceu nesse ano, na cidade do Douro e das francesinhas, persegue outra paixão – o cinema. Começa a sobressair em 2011, com a curta-metragem Água Fria, três vezes premiada no estrangeiro, incluindo no festival DocumentaMadrid, em Espanha. Actualmente, soma nove prémios com os filmes que realizou, que foram exibidos na RTP, Canal Plus e TVCine e entraram na competição em mais de 40 festivais nacionais e internacionais, como Clermont- Ferrand, Guadalajara, Doclisboa e CPH:DOX. Entre eles, Tarrafal, Bairrismos e A Praia. Nos últimos “três ou quatro anos”, tem-se dedicado praticamente sem interrupções à produtora Red Desert, que fundou. “Continuo a ter uma estrutura muito pequena. Consigo ganhar dinheiro e viver disto porque acumulo muitas funções e faço muita coisa sozinho”. Levar por diante uma carreira na sétima arte, em Portugal, “é muito difícil”, por “muitos motivos”, diz o realizador, um dos quais “é o facto de termos um mercado muito pequeno”.
Se o financiamento privado “é praticamente inexistente”, também os apoios do Estado, via Instituto do Cinema e do Audiovisual, são escassos para tanta procura. E face à magreza das receitas obtidas em sala e ao número reduzido de operadores interessados em comprar obras de autores portugueses, o melhor argumento é o que cada um consegue desenvolver, em filmes com olhar próprio, no intervalo do trabalho comercial e institucional, explica Pedro Neves: “De repente, começaram a vir ter comigo, por causa do meu percurso, em vez de ser eu a ir ter com as entidades”.
Nas asas do Padre Amaro
A trabalhar em casa, no ateliê, Sílvia Patrício termina os preparativos para a próxima exposição: Germinar, a meias com Hirondino Pedro, inaugura no final do mês na Galeria de Arte Banco de Portugal. A artista formada na ESAD, em Caldas da Rainha, é conhecida pelas telas inspiradas no romance O Crime do Padre Amaro, no centro histórico de Leiria, mas, também, pelos retratos oficiais de Francisco e Jacinta que cobriram a fachada da Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima durante a cerimónia de canonização dos dois pastorinhos. Desde 2007, tem na pintura a única ocupação e fonte de rendimento. “Não dar demasiado peso” à incerteza do dia seguinte, porque “as vendas são sempre” uma incógnita, é um dos segredos. Outro passa por “acreditar muito” naquilo que se faz, e “ser optimista”, aconselha. “Tento não pensar muito nas coisas à volta e focar-me em trabalhar”.
Uma fracção das encomendas são retratos de família – solicitados por empresários, por exemplo – e retratos oficiais para instituições. “Já me pediram algumas coisas que não aconselhei, porque achei que mais tarde se iriam arrepender”, comenta. “Quando são trabalhos menos aliciantes, aquilo que tento fazer é apaixonar-me pela ideia”. No resto do tempo, a liberdade criativa é total. “O que ganho tem dado para viver. Não preciso de grandes luxos”. O momento que Sílvia Patrício atravessa só é possível porque a dado ponto no enredo trocou o certo (dar aulas, gerir uma loja) pelo incerto (as artes plásticas). Aos 45 anos de idade, com exposições em Espanha, França e Macau no currículo, além de Portugal, o maior obstáculo é a luta pela visibilidade, a divulgação, que anda “de mãos dadas” com a criação. “Há uma coisa que não se aprende na escola, que é essa parte: como é que se alcança as pessoas. Tenho tido dificuldade em promover o meu trabalho”. O circuito é “muito pequenino” e só “uma minoria” de portugueses tem folga para adquirir arte. O que não muda, nem com o tamanho da conta bancária, é o sentimento: “Quando as pessoas vão ver as exposições sentem algo. Se as conseguir transportar para fora desta realidade, fico feliz”.
Crise e oportunidade
Queria ser astronauta, história verídica. E também queria viajar no palco, voar com as palavras. Duas décadas depois de ingressar na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, Ana Lázaro continua a sonhar com os astros, como na infância, em Leiria, mas tem inúmeros motivos para dizer missão cumprida. Actriz, dramaturga e encenadora, já trabalhou com algumas das mais reconhecidas companhias de teatro em Portugal e também passou pela televisão. Venceu em 2017 o Prémio Literário Maria Rosa Colaço de literatura para a infância, com Pescadores de Nuvens, e recebeu o Prémio Fnac Novos Talentos da Literatura de 2014 e o Prémio Literário Internacional Sea of Words, da Anna Lindh Foundation/IEMED, em 2013. Age por conta própria – “totalmente free lance, com todo o gosto” – e colabora regularmente com as companhias Teatro do Eléctrico e Teatro dos Aloés, além da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, num projecto que leva as artes a contextos desfavorecidos.
Aos 36 anos, está a viver o momento em que a protagonista supera os desafios do enredo. Que, no caso dela, surgiram no período cinzento da austeridade. “A páginas tantas, iniciei o meu próprio trabalho de dramaturgia e dois ou três espectáculos que tiveram circulação internacional. Foram anos que serviram de embrião, de trampolim”, afirma. Ou seja, fundou a plataforma Dobrar, cujo espectáculo de estreia, Por Um Dia Claro, mereceu apoio da Gulbenkian e da GDA. “É um lugar comum, mas acontece. A crise económica e a precariedade foram um bom pretexto para desenvolver autonomia criativa, que permite trilhar novos percursos”.
Actualmente, em simultâneo com a actividade da Dobrar e da escrita para a infância, é requisitada por terceiros enquanto autora de textos para teatro. Aos que agora começam os primeiros passos no mundo da representação, deixa um conselho, que “tentem encontrar a sua voz, o seu espaço, a sua linguagem”. A profissão “implica ler e conhecer a realidade”, vai além “da técnica de actor”. O resto é dedicação inteira. Nada menos. “Trabalho as horas que for preciso, com folgas e sem folgas, com noitadas, é uma resiliência não só diária mas em termos de percurso vital”.
De acordo com a sinopse sobre indústrias culturais e criativas publicada no ano passado (2018) pela Direcção-Geral das Actividades Económicas, os profissionais das indústrias culturais e criativas são tipicamente trabalhadores independentes, muitos deles em acumulação de empregos. Tanto colaboram nas indústrias criativas como nas mais tradicionais e as carreiras tendem a basear-se em projectos concretos. Segundo dados do INE, o sector empregava 81 mil pessoas em 2017.
Indústrias criativas valem milhões
São ainda escassos os estudos que procuram medir o contributo económico das indústrias culturais e criativas em Portugal. Os que existem demonstram, sem margem para dúvidas, que o sector já tem um peso muito relevante e se encontra numa trajectória de crescimento.
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), o sector cultural e criativo empregava 81.300 pessoas em 2017 e contava 55.422 empresas (dados de 2016) com um volume de negócios total de 4,9 mil milhões de euros.
O panorama é ligeiramente diferente, mas ainda mais positivo, na sinopse sobre indústrias culturais e criativas publicada no ano passado (2018) pela Direcção-Geral das Actividades Económicas (DGAE): 58.555 empresas em 2016, com 123.985 pessoas ao serviço e um volume de negócios total de 6,7 mil milhões euros (dos quais 34% em actividades de consultoria e programação informática).
Os números comparam, por exemplo, com 102 mil postos de trabalho e um volume de negócios de 12,1 milhões de euros no cluster Engineering and Tooling (moldes) ou 100 mil empregos e um volume de negócios de 7,5 mil milhões de euros na economia do mar.
No conceito de indústrias culturais e criativas adoptado pela DGAE cabem as artes performativas e visuais, o património cultural, o artesanato e a joalharia, o cinema, a fotografia, a rádio, a televisão, a música, a edição, videojogos e outro software e serviços de informática, os novos media, a arquitectura, o design, a moda e a publicidade.
É um sector mais expressivo em termos de volume de valor acrescentado bruto do que de emprego, ou seja, com produtividade superior à média nacional.
Segundo informação disponível nas Estatísticas da Cultura do INE, o valor das exportações de bens culturais com origem em Portugal, no ano de 2016, foi de 39,5 milhões de euros, com cerca de metade do volume de negócios relacionado com livros, brochuras e impressos semelhantes.