Sempre que parte um prato ou taça cerâmica ou renova os azulejos e mosaicos da sua cozinha ou casa de banho, o destino dado aos cacos é o depósito em aterro, uma vez que não existem mecanismos destinados a reciclar estes produtos. O mesmo acontece quando, na linha de produção de uma fábrica de cerâmica ou sanitários um lote é afectado por um defeito.
Tal representa um elevado custo ambiental e um desperdício de matéria- prima, contudo, este cenário pode estar prestes a mudar.
A INOV. Recycle, uma test bed, liderada por uma empresa de Leiria, está a desenvolver processos de reciclagem de produtos cerâmicos após tratamento térmico, de forma a que o material resultante seja reincorporado.
“Queremos aproveitar um resíduo, transformando-o em subproduto e, depois, em matéria-prima”, resume Luís Vieira, um dos responsáveis da empresa líder, a Corbário, sediada no Barracão, na freguesia das Colmeias, concelho de Leiria.
Com prazo de conclusão em Setembro de 2025, a INOV.Recycle é financiada pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), no âmbito da medida Rede Nacional de Test Beds que integra o investimento 02 – Transição Digital das Empresas da componente 16 – Empresas 4.0. Esta rede colaborativa que agrega a Deartis – Cerâmicas, a Associação Empresarial da Região de Leiria – Nerlei – CCI, a tecnológica inCentea, a Distrim 2 (Grupo Vangest) da área dos moldes e plásticos, a Void Software, a Yesols, a TCC, a Iberpolymer e a Corbário, direcciona- se para o desenvolvimento experimental, teste e validação de novos produtos e processos de base tecnológica, no domínio da gestão e recolha de resíduos, urbanos e industriais.
Carolina Mota, também responsável pela Corbário, adianta que a INOV.Recycle assenta igualmente na transformação digital. “O nosso contributo, enquanto Corbário, será nos testes laboratoriais e industriais para estas soluções cerâmicas.” Luís Vieira convida as PME e startups do distrito, que pretendam testar produtos e conceitos em laboratório ou em ambiente industrial, que se adequem à lógica de test bed.
“Teremos muito gosto em contribuir com equipamentos, ferramentas e knowhow para acelerar o seu desenvolvimento e testar efectivamente nos diversos modelos que se sintam confortáveis.”
Reciclar cerâmica é mais barato?
O impacto ambiental, faz notar Carolina Mota, é positivo, mas admite que, economicamente, ainda falta percorrer caminho.
“Neste momento, a tecnologia ainda é relativamente cara e o processo de reciclagem, em termos financeiros, ainda não é vantajoso. Teremos de ganhar escala, para que fique mais barato”, diz.
O ganho, para já advém da poupança no uso de matéria-prima nova. Afinal, as reservas da indústria extractiva são finitas, contudo, os empresários acreditam que a reutilização de materiais que já foram extraídos, processados e purificados, permitirá prolongar a vida dos depósitos minerais.
Ainda assim, os líderes da test bed vêem outros benefícios económicos nesta tecnologia de reciclagem, em especial na comercialização do produto final. “Isto é a ponta do iceberg. Queremos a integração, no futuro, no conceito de smart city e, um dia, poderemos ter um ‘ceramicão’, como temos o vidrão ou o papelão, e recolher a cerâmica e transformá-la em matéria-prima”, adianta Luís Vieira.
O reaproveitamento é feito triturando os cacos e incorporando o produto resultante em matéria- -prima virgem e a percentagem de incorporação é já “muito significativa”, contudo, em conjunto com investigadores da Universidade de Aveiro, ainda estão a ser feitos estudos para chegar a uma percentagem fina.
Apesar de não ser um conceito muito comum e de não ser utilizado em grandes volumes, há algum tempo que alguns produtores fora de Portugal aplicam material reciclado em pequenas quantidades. “A ideia foi escalar esse conceito e torná-lo transversal entre os vários sectores dentro da indústria cerâmica”, afirma Carolina Mota.
O restante caberá ao PRR. O financiamento está a ser aplicado na criação de uma nova unidade de processamento na Redinha, no concelho de Pombal.
Este espaço está a ser construído junto a uma fábrica já existente do grupo empresarial, a fim de se aproveitar a proximidade física para a transferência de matérias-primas reaproveitadas.
A equipa de administração, laboratório e produção, chegará às sete pessoas, logo no arranque, esperando-se que se venha a contratar mais colaboradores.
Durante o mês de Janeiro, será instalada a maquinaria.
As peças produzidas deverão ser alvo de uma certificação, um novo passo a ser realizado após a conclusão da test bed, de forma a permitir a rastreabilidade de todo o processo e certificar que o produto tem uma percentagem de material reciclado, além de ser um sinal de confiança para o consumidor.