Ao falar-se no Natal, imagina-se uma mesa farta, recheada com as típicas receitas portuguesas. O bacalhau está sempre presente, acompanhado com a couve portuguesa, enquanto à espera estão as famosas filhós, rabanadas ou bolo-rei para adoçar a boca no final da refeição.
Cada família tem a sua tradição e o Natal português inclui uma mistura de cheiros e sabores difíceis de igualar. Tudo ganha mais valor quando é feito à mão, por aqueles que mais gostamos, que por esta altura passam horas na cozinha a aperfeiçoar cada prato.
Isabel Afonso, de 69 anos, já passa horas na cozinha durante todo o ano, mas em Dezembro, tudo toma um gosto especial. Detentora de uma vasta colecção de livros de culinária, ela própria guarda receitas familiares que já provava em criança e que, agora, tem oportunidade de partilhar com as netas.
Natural de Alcobaça, esta cozinheira de mão-cheia muito dificilmente passaria ao lado do mundo gastronómico. Na família, os pais também já metiam as mãos na massa e, curiosamente, ambos confeccionavam a mesma receita de broinhas de batata-doce, mesmo antes de se conhecerem.
É, portanto, um doce que não falta na mesa de Natal (e todo o ano). Isabel Afonso perpetua a receita familiar e, agora, já depois de passar este conhecimento às filhas, também o faz com as netas, que nutrem o mesmo fascínio pela cozinha.
A antiga autarca recorda a época natalícia quando ainda era criança que, apesar de algumas diferenças, faz questão de manter a mesma génese. À mesa, não aparecia o bacalhau. “A minha mãe fazia goraz assado no forno. Dizia que bacalhau já comia todas as semanas.”
Esta é uma tradição que, hoje em dia, é mantida. A ementa da noite de Natal alterna entre o goraz e o polvo, a escolha deste ano, que será acompanhado com batatas a murro e migas.
Ainda em Alcobaça, havia sempre pasteis de bacalhau e queijo para as entradas. O almoço de Natal já incluía o cabrito, com batatas de cebolada.
Todos os anos, Isabel Afonso procura homenagear o Natal que sempre viveu. Como em todas as famílias, há cadeiras que vão ficando vazias e que são agora preenchidas pelas novas gerações. Por isso, é com a mesma alegria que esta avó se coloca entre tachos e panelas.
Para a véspera de Natal, “o programa é trabalhar o dia todo”. Há muito a fazer para garantir, mais que toda a ementa, ternura ao redor da mesa. Tudo é tradicional, garante. Massas, molhos ou doces, tudo é feito desde o princípio, sem recurso a alimentos pré-feitos. Também os instrumentos utilizados contam muitas histórias. Uma batedeira com taça que já conta quase com 50 anos, a funcionar na perfeição, poupa algum trabalho a Isabel Afonso, que também utiliza uma balança antiga, ainda com recurso a pesos.
Com o apoio das netas, a mesa contará ainda com as típicas broinhas – que só levam batata-doce, açúcar, farinha de milho e trigo e raspa de limão – o bolo-rei caseiro (e a fruta já está embebida em rum), o pão-de-ló e pastéis de feijão-branco e amêndoa. O vinho também ganha destaque a acompanhar cada prato e, assim, está formado um “Natal de ternura”.
No final das contas, o trabalho de produzir tudo de forma artesanal vale cada minuto passado na cozinha. À música de Natal que preenche o ambiente, juntam-se os risos e as conversas entre a família e celebra-se o nascimento do menino Jesus.
Nesta família, as receitas atravessam gerações e permitem aprofundar os laços familiares. Através do sabor, dão-se a conhecer familiares que já não estão presentes e, assim, têm sempre lugar à mesa. “[As receitas] permitem caminharmos com as pessoas que não estão cá e tornamo-las vivas. É a forma de perpetuarmos as pessoas que fizeram parte da nossa vida, fazendo as coisas que elas faziam tão bem. Sei que, quando partir, as minhas filhas farão as mesmas coisas e as netas também. Porque amam”, assegura a matriarca.