Natal é época de partilha, alegria e convívio familiar, mas nem todos vivem a festividade com o mesmo espírito e para algumas pessoas a ansiedade ou a depressão aumentam e pode afectar ainda mais a saúde mental.
Os momentos de tristeza ou stress porque vai ser o primeiro Natal e passagem de ano sem aquele ente querido que morreu recentemente e as tensões familiares são algumas das razões que impedem vivenciar a quadra em pleno.
Para as crianças, há ainda o divórcio dos pais e a primeira vez em que se vêem privados num dos dias de um dos progenitores, e os idosos, sobretudo, enfrentam muitas vezes a solidão, que apesar de ser diária é mais sentida no dia em que milhares de famílias estão reunidas.
Júlia Santos tem dificuldade em pensar como vai ser o primeiro Natal sem o pai. Recordar os anos anteriores deixa-a com os olhos marejados e apesar das lembranças lhe colocarem um sorriso na cara, saber que ele não estará junto de filhos e netos aperta-lhe o coração. António Santos morreu em Julho.
“Pensar no Natal sem ele é sentir um vazio. A saudade está sempre presente, mas nesta quadra é ainda maior. Vai faltar o mimo que nos dava e nós a ele, a felicidade dele quando comia as filhoses, que tanto adorava. Prefiro nem falar disso”, constata Júlia.
Daniela Anéis adianta que as situações de luto recente são sempre tristes, porque é “reviver a perda e confrontar-se com a ausência”. A psicóloga aconselha a deixar que a tristeza esteja presente, mas, sobretudo, que se reconheça o sentimento na pessoa que a sente.
“Por vezes, as pessoas só querem que entendam a sua dor, seja de um ente querido ou até de um animal que fazia parte da família”, constata.
Segundo exemplifica, há situações de pessoas que perderam o cão ou o gato, que passaram dezenas de Natais juntos. “O que mais custa a essas pessoas é a sua tristeza e a dor de não serem compreendidas pelos outros”, aponta.
Nem só o luto recente marca o Natal. A ausência de familiares muito próximos também deixa marcas todos os anos. Filipa Sousa teve duas perdas nesta quadra. O avó paterno faleceu no dia 24 de Dezembro e o pai, mais tarde, no dia 26 de Dezembro.
A jovem recorda ainda hoje o quanto lhe custa recordar todos os anos, o dia 25 passado no Instituto Português de Oncologia, onde se despediu do pai. “Julgo que só nos avisaram da sua morte no dia 26, às 7 horas, para tentar minimizar o impacto”, conta, ao garantir que esse Natal foi de uma tristeza enorme para todos, porque já sabiam que a morte estava próxima.
“Durante os três anos em que estava bastante doente, os natais foram sempre vividos com grande ansiedade, porque temíamos perdê-lo a qualquer momento. Era uma grande violência. Nesse Natal, o meu psicológico estava mesmo afectado. Ver as ruas iluminadas, as pessoas felizes… Até me ‘passei’ com aqueles voluntários que estão no hospital a tentar animar as pessoas. Aquilo não era dia de animação”, revela.
Os natais e as passagens de ano seguintes continuaram a ser muito dolorosos. “Era um vazio. A ansiedade e a depressão que sentia na época, amenizou quando fui mãe pela primeira vez. A criança trouxe alegria à casa.”
Sem nunca esquecer o pai e o avô, todos os natais Filipa e a mãe deslocam-se ao cemitério como forma de os homenagear, mas também de se confortarem. “Falamos sempre deles na noite de Natal. Ajuda a lidar com a ausência. Às vezes rimos, outras vezes choramos, mas tenta-se viver sem eles”, afirma, ao relatar que a estrela que coloca no cimo da árvore com os filhos é um símbolo do pai e o presépio, que insiste em fazer todos os anos, é também uma maneira de sentir o falecido por perto, porque era a sua tradição.
“Chorar é sempre saudável e faz parte da cura no processo do luto. O problema é a incompreensão dos outros. Devemos tentar dar espaço à pessoa que está a sofrer, para viver a sua tristeza e expressar as suas emoções, pois é necessário. É uma forma de nos auto-regularmos e acalmar a dor”, refere Daniela Anéis, ao admitir que quem está deprimido também deve esforçar-se para não passar a noite a chorar para não contaminar todo o momento.
Desavenças familiares
As desavenças familiares são uma das causas principais da ansiedade no Natal. Juntar pessoas que não se dão bem, esforçar-se para conviver com alguém de quem não se gosta não é fácil e sofre-se por antecipação. “Sempre me senti excluída pela família do meu marido. Eu e a minha filha estávamos desenquadradas, porque percebíamos que não éramos bem-vindas. Claro, que isso mexe connosco, porque queremos estar com quem amamos”, conta Francisca Machado.
Também na sua família, algumas irmãs estão desavindas, logo, saber que se tem de deslocar para um ambiente ‘pesado’ causa ansiedade, que procura combater concentrando-se em estar mais próxima dos familiares com quem melhor se relaciona. “Nunca é fácil, mas aprende-se a viver com isso. O Natal também não me traz boas memórias. Nunca tive natais espectaculares na infância. Havia sempre alguém que o estragava, por isso deixei de dar grande importância à quadra.”
Daniela Anéis confirma que estes momentos de ansiedade e depressão antecipada podem ter por detrás traumas vividos na infância, que nunca se percebeu, “porque não se viveram boas experiências de Natal”, justifica.
A psicóloga acrescenta que até o facto de nunca se ter passado um Natal familiar pode causar ansiedade a quem, de repente, vai passar a quadra com a família alargada dos filhos ou marido. “A ausência de boas experiências vividas é também motivo de ansiedade e até de conflitos, assim como ter famílias mais tóxicas. As mães narcisistas, por exemplo. Socialmente não dá para escapar nem é confortável não passar o Natal com a sua mãe, de quem se gosta, mas são momentos de grande ansiedade”, confessa.
Segundo Daniela Anéis, “o dilema entre fazer o que é melhor para a saúde mental e o correcto causa ansiedade”. “Habitualmente isto acontece mais com as mulheres, que vivem em função dos outros. Por isso, preferem deixar todos felizes”, revela.
Natal solitário
Ter família emigrada, estar de relações cortadas com os filhos ou simplesmente estar praticamente sem ninguém próximo no mundo deixam muitos idosos sozinhos no Natal. Apesar de a solidão já fazer parte do seu dia-a-dia e de muitos assumirem que não dão importância à data, Daniela Anéis adverte que a noite da Consoada é sempre diferente, pois o Natal acentua a sensação de ser esquecido.
“O Natal sozinho é doloroso. O corte familiar é das coisas mais difíceis na vida, porque é fazer o luto de alguém vivo. Quando se faz é porque se entende que é mesmo o melhor. Essa é uma ferida que está sempre aberta e não se cura. Verifica-se o mesmo com o abandono emocional. Os problemas mentais tendem a agravar-se nesta época”, diz.
“Uma estratégia que utilizam é fazer de conta que o Natal não está a acontecer: desligar a televisão e deitar-se mais cedo. Há pessoas que têm mecanismos de defesa melhor do que outras. Alguns também encontram o conforto juntando-se a acções comunitárias. Mesmo que não seja no próprio dia, a mensagem que passa é que não estão esquecidos.”
Sem dados concretos, a psicóloga acredita que as situações de parassuicídio aumentem nesta época. “Não são tentativas de suicídio, é abandonar a medicação, ser-se descuidado consigo. São actos de auto-negligência, porque nada vale a pena”, menciona.
O primeiro Natal após a separação do casal não é fácil para as crianças nem para os pais. Mariana Sousa conta que os filhos ainda eram pequenos quando se separou, portanto, quando tiveram consciência da quadra estavam habituados a dividir os progenitores em dias diferentes.
“Foi mais pesado para mim e para o pai. Senti-me deprimida porque ver os outros casais juntos faziam-me pensar que fui incapaz de levar em frente um projecto de vida, que penalizou os meus filhos. Mas também sentia uma enorme ansiedade quando se aproximava a hora de deixar os meninos com o pai e quando chegavam. Tinha sempre medo da comparação. Que do outro lado era melhor do que comigo”, admite.
Para Daniela Anéis, os problemas existem quando os pais não se relacionam. “A forma como se reage ao divórcio é que tem impacto nas crianças. Se não houver conflito, as coisas correm melhor, mas é sempre complicado o primeiro Natal após a separação, porque é o desfazer dos hábitos.”