“A droga dá-me um grande bem-estar. Gosto mais de MD, apesar de ser uma droga mais perigosa, é a que de certa forma me faz sentir mais as coisas, como por exemplo a música, e também me dá mais energia. Quando tomei haxixe senti-me com mais apetite, com o corpo mais mole e, sem dúvida, um estado de espírito mais alegre.” São estas sensações que levam Francisco (nome fictício), 16 anos, a consumir drogas.
Iniciou-se no haxixe no final do 9.º ano, em 2015, porque “simplesmente queria experimentar”. Fê-lo com o grupo de amigos. Gostou e repetiu. Consome entre quatro a cinco vezes por semana. Além do haxixe, Francisco experimentou canábis e MD, droga esta que lhe 'bate' mais.
O jovem consome simplesmente porque gosta das sensações que a droga lhe proporciona. “Não é que precise, mas, sim, faz-me sentir melhor”, admite, reconhecendo os riscos dos consumos. “Tenho noção do perigo. De todas as que consumo, o MD é a mais perigosa directamente. Em relação aos charros, visto que é mais regular, acredito que a longo prazo possa ser pior, já que pode causar dependência ou até mesmo problemas ao nível das vias respiratórias”, afirma Francisco, que confessa ter receio de se tornar dependente.
Apesar de já ter pensado em parar, o jovem não pretende fazê-lo. Além de gostar do que sente, Francisco admite que quando está sob o efeito de substâncias psicoactivas esquece os “vários problemas que tem em casa”. Mas também revela que as drogas interferem nos estudos. “Não consigo concentrar-me. Embora, com a canábis, já parece que consigo estar mais concentrado, mas ainda assim não da mesma forma que no meu estado normal.”
Consome na escola, na rua ou nas saídas à noite. Os pais não sabem… ou talvez desconfiem.
Ana Filipa Soledade, responsável técnica pela prevenção do Centro de Respostas Integradas de Leiria, do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), informa que o padrão e a prevalência dos consumos nos concelhos da Batalha, Leiria, Marinha Grande, Pombal e Porto de Mós, são idênticos aos dados nacionais.
“A substância mais consumida pelos jovens é o álcool, com prevalências um bocadinho assustadoras, quando se olha para o início de consumos e depois os chamados consumos abusivos – binge drinking e embriaguez.
Constatando que os consumos de álcool se iniciam por volta dos 14 anos e da canábis aos 16, Ana Filipa Soledade lamenta a desvalorização que a sociedade faz destas drogas. “A iniciação do álcool faz-se, quase sempre, em família. A canábis, infelizmente, também é vista como uma droga leve. Por isso, a intervenção não pode passar só pelos técnicos de saúde, tem de ser uma intervenção integrada, na família e sociedade”.
A “desvalorização” que é feita por alguns adultos é também um motivo de preocupação para a psicóloga clínica Patrícia António, que alerta parao facto de a exposição dos jovens ao álcool ser hoje “mais precoce e mais arriscada”.
“Provavelmente, os pais bebiam, sobretudo, cerveja ou vinho, e ninguém consegue beber cinco ou seis cervejas num minuto. Mas os jovens bebem cinco ou seis shots nesse tempo e isso muda e aumenta substancialmente a gravidade e o risco. Uma preocupação particular diz respeito às raparigas, que tendem a ficar mais expostas, pelas naturais diferenças, a maiores riscos”, reforça.
Jovens buscam prazer imediato
A psicóloga revela que, na primeira pessoa, os jovens explicam que a iniciação na droga é “motivada sobretudo pela curiosidade, pela vontade de 'estar na onda' e para potenciar a diversão, em particular na noite”.
Em relação ao álcool, “as bebidas espirituosas são consumidas em contexto de diversão nocturna e a cerveja e o vinho, em jantares”. Para muitos jovens, “os consumos aparecem de 'mão dada' com o calendário dos eventos sociais, o que promove a sua desvalorização e o álcool aparece como a substância iniciadora, que poderá representar a escalada clássica de passagem para as outras drogas, nomeadamente o haxixe.”
Os jovens são o reflexo da sociedade. “Uma sociedade consumista e hedonista, do eu, aqui e agora, é claramente transportada para a procura de prazer. É fácil dizer que um jovem tem consumos porque tem uma família com violência doméstica. Não necessariamente. Claro que pode estar numa fuga para se sentir melhor. Mas, a maioria centra os consumos na procura do prazer associado à distração, divertimento, relaxamento e ao estar confortável, sem sentir a pressão do grupo”, considera Ana Filipa Soledade.
A técnica reforça que os jovens consideram que no “custo/benefício, vale a pena o risco”. Da sua experiência, os adolescentes admitem que podem ter problemas, mas “não é tão importante como as sensações que vão ter”. Por outro lado, a iliteracia domina nesta área. Há jovens – até com boas notas – que julgam que a canábis cura o cancro ou que o previne. “Em jeito de provocação pergunto-lhes: então vamos todos fumar umas ganzas e acaba-se com o flagelo do cancro? Ficam a pensar.”
O consumo de álcool e canábis pode ser depois o salto para outras drogas. Ana Filipa Soledade explica que quem consome frequentemente canábis sofre do síndrome amotivacional. “Em situações recreativas precisam de outra droga para se divertirem. Procuram o álcool, mas não alcançam o pretendido, porque não sabem que é um depressor. Acabam por ter aquilo que eles chamam de bad trip. É aqui que por vezes experimentam cocaína ou outras substâncias estimulantes.”
Intoxicações alcoólicas graves
Bilhota Xavier, director do serviço de Pediatria do Centro Hospitalar de Leiria, não tem dúvidas que a droga mais popular entre os jovens é “de longe o álcool, consumo que não deve ser ignorado e deslocado de todas as outras drogas”.
Em 2015, ficaram internados 37 jovens com intoxicações alcoólicas graves, revela o pediatra, explicando que não é possível quantificar outros tipos de consumo, pois “muitos não são de imediato identificados”.
“Os comportamentos disruptivos têm diferentes causas e estes jovens são sinalizados para uma consulta de pedopsiquiatria para avaliação posterior”, diz Bilhota Xavier, que recorda que as urgências da Pediatria só “esporadicamente” recebem jovens vítimas de consumo de produto estupefaciente. “O atendimento na urgência pediátrica é feito até aos 18 anos, idade a partir da qual se torna mais frequente esses consumos.”
Patrícia António, psicóloga clínica integrada numa equipa multidisciplinar no âmbito do abuso e dependência de substâncias lícitas e ilícitas, também garante que as maiores preocupações com os consumos na adolescência estão relacionadas com o álcool e a canábis. “Depois também algumas preocupações começam a surgir perante novas substâncias psicoactivas e o risco da sua aquisição via internet. No que diz respeito ao álcool, tem havido o emergir de no- vos padrões de consumo, como o binge drinking, que passa por beber num curto período de tempo mais de cinco a seis bebidas, com maior teor alcoólico (shots)”, adianta.
Este é um padrão que “tende a estar muito disseminado junto dos jovens e que é muito preocupante, uma vez que atingem rapidamente grandes estados de intoxicação, em idades muito precoces (sobretudo entre os 13-15 anos), quando ainda não têm suficiente maturação biológica, social e psicológica para lidar com uma substância tóxica tão poderosa e as suas consequências, o que é uma dupla desprotecção”.
Os consumos na adolescência são, segundo a psicóloga, “vividos no contexto da relação com o grupo de pares, onde se faz muitas vezes a iniciação”. A entrada na universidade pode depois servir como promotora da intensificação dos consumos, o que pode “trazer um maior risco de passagem de um padrão de consumo excessivo para um padrão de abuso, na fronteira da dependência”.
Patrícia António alerta ainda para a “adesão mimética e passiva ao discurso da banalização, que importa clarificar e informar, traduzir”, de que é exemplo a ideia de que “o haxixe não dá dependência, é bem pior o tabaco”.
Existem drogas. Ponto.
A expressão droga leve ou pesada é muito criticada no meio clínico. “Existem drogas. Ponto. Substâncias psicoactivas com propriedades alteradoras da nossa consciência (estimulantes, depressoras, psicadélicas, ansiolíticas, sedativas, tranquilizantes, etc..)”, frisa Patrícia António.
Para a especialista um dos problemas do consumo prende-se com a ausência da capacidade que existe na sociedade em aprender a lidar com o excesso. “E é no excesso, na fixação ao comportamento de risco, que se esconde o perigo. É isso que é importante ensinar aos nossos jovens, combatendo o excesso pela voz, pela palavra, pela conversa entre todos e pela troca de ideias, de afectos e de preocupações. Isto aprende-se, em primeiro lugar, em casa, desde muito cedo na relação com os pais, com afecto, respeito e limites.”
“Possuir uma boa dose de entusiasmo e não perder de vista a sua pró- pria adolescência” é um dos conselhos que Patrícia António deixa aos pais para ajudar os filhos a não caírem em tentação. “É importante saber recordar a nossa adolescência quando se pretende ir ao encontro dos filhos adolescentes e depois, ouvi-los, compreendê-los, amá-los. A verdade é que apesar dos protestos, das respostas tortas, do isolamento, da procura dos pares e do grupo, é dos pais que os filhos precisam e querem que façam parte das suas vidas. É dos adultos que esperam receber ensinamentos, orientações, limites e protecção, numa etapa da vida em que tudo é transformação, mudança e por vezes ruptura.”
3%
dos alunos do ensino público português, que completaram 13 a 18 anos – num universo de 16.500 – já tiveram contacto com drogas do tipo anfetamínico, segundo o Estudo sobre os Consumos de Álcool, Tabaco, Drogas e outros Comportamentos Aditivos e Dependências (ECATD), de 2015
19%
dos jovens já experimentaram canábis e 8% utilizam esta substância regularmente em Portugal
71%
dos jovens em meio escolar já experimentaram álcool e destes 61,5% mantêm-se a consumir, segundo o ECATD