São anos e anos a acumular memórias e agora há um novo momento, seguramente inesquecível. A casa de férias dos Grosso Rodrigues em São Pedro de Moel abre-se para acolher Maryna, Daniel e o filho de três anos e meio, Yaroslav, que fogem da Ucrânia em chamas.
Torna- se abrigo não subterrâneo, zona de exclusão aérea, corredor humanitário para a família proveniente de Irpin, uma das cidades mais castigadas pela ofensiva russa.
Como não imaginar que Maryna, Daniel e Yaroslav chegam do inferno ao paraíso? “Quando viram no terraço o mar e olharam para o vale à frente deles… e estava um dia lindo, um dia de sol”, recorda Catarina Grosso, que disponibilizou o imóvel na plataforma SOS Ucrânia criada pela Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria (CIMRL). “Achei que o alojamento seria a forma de eu poder ajudar, porque queria contribuir de algum modo. Lembrei- me da casa de São Pedro, é uma casa que está desocupada quase todo o ano e é uma casa óptima num sítio óptimo. E achei que para quem vinha de um cenário tão difícil e tão desumano, seria paz e seria um sítio bom para estar até pensarem como vão viver a vida daqui para a frente”.
Segundo Paulo Batista Santos, primeiro secretário executivo da CIMRL, cerca de 120 pessoas residentes em Leiria, Marinha Grande, Batalha e noutros concelhos do distrito já submeteram na plataforma SOS Ucrânia – Região de Leiria, através de um formulário online que se preenche em menos de um minuto, alojamento suficiente para 380 refugiados, que não conhecem, mas querem amparar na chegada a Portugal.
Maryna e Daniel encontraram em São Pedro de Moel uma moradia de praia totalmente equipada, com o frigorífico repleto e brinquedos para Yaroslav, que lhes é entregue “para poderem estar nela como se fosse deles”, em segurança.
“Se eu estivesse numa situação destas, como seria?”, pergunta Catarina Grosso, psicoterapeuta e psicóloga clínica. Depois de semanas em fuga, é urgente “tempo para se reorganizarem internamente e não terem de estar preocupados em cumprir determinados papéis que são exigidos quando estão a partilhar casa com alguém”. Ou seja, tempo para “estarem como são e como sentem que precisam”.
Em São Pedro de Moel desde sábado, 19 de Março, vêem o oceano pela primeira vez e sentem “uma sorte estranha” e “irreal”, diz Maryna Subbotin ao JORNAL DE LEIRIA. “Agradecemos à câmara municipal e a todos os voluntários”. Têm carro, algum dinheiro para recomeçar, mas o que construíram em Irpin já não existe. “Esperamos uma nova vida, depois de tudo o que perdemos”.
Pais e irmãos permanecem na terra mãe, expostos ao furor inimigo. “Os nossos familiares dizem-nos: que pelo menos uma família da nossa grande família possa estar segura”. E eles encaram a responsabilidade. “Percebemos que somos o futuro dos nossos familiares e temos de continuar, não podemos estar em depressão, temos de conseguir um novo trabalho, temos de construir, é a primeira coisa que temos de fazer. Somos jovens, podemos”.
Daniel é programador informático, Maryna fala inglês e mandarim e vê-se a trabalhar numa escola ou como tradutora. Saíram da Ucrânia no dia 22 de Fevereiro, por já preverem (e temerem) a repetição dos acontecimentos de 2014, quando viviam em Lugansk. Fugiram para a Roménia, onde ajudaram outros refugiados a atravessar a fronteira. E a sucessão de bombardeamentos trouxe-os até Portugal, um país historicamente neutro. E a Leiria, um ponto no mapa, aleatório, a possibilidade de refúgio.
“Se a guerra terminar, vamos voltar e reconstruir a nossa casa”, diz Maryna. “Queremos ser úteis em Portugal enquanto estamos cá. Depois queremos ser úteis para o nosso país”.