“Põe-se mais um cobertor ou veste- -se mais uma camisola. E a botija de água quente aos pés não pode faltar”. Esta é a ‘receita’ de Florinda de Jesus, de 82 anos e residente no concelho de Leiria, para enfrentar os dias de frio, numa casa onde o único ‘aquecimento’ que existe é o da lareira da cozinha, alimentada com lenha que, durante o Verão, os filhos vão buscar aos pinhais da família.
“Se tivesse de comprar, ao preço que está, se calhar nem lareira podia ter”, assume a idosa, reconhecendo que, com a parca reforma, dificilmente conseguia pagar “300 ou 400 euros por uma carrada”.
Tal como acontece com a casa de Florinda, quase um quarto das habitações no distrito de Leiria não tem aquecimento. Os dados dos últimos Censos, referentes a 2021, indicam que, das cerca de 293 mil habitações existentes no distrito, 72.772 (24,8%) não dispunham de qualquer sistema de aquecimento.
Este é um dos dados considerados para o cálculo do Índice de Vulnerabilidade Energética Municipal (IVEM), criado por um grupo de investigadores no âmbito do estudo Pobreza Energética em Portugal: Uma análise municipal, divulgado recentemente.
Coordenado por Susana Peralta, economista e docente da Nova School of Business and Economics (Nova BSE), o estudo permite traçar um retrato mais fino de quem sofre com a pobreza energética em Portugal, a partir de dados dos Censos 2021 e do Inquérito às Condições de Vida e de Rendimento (ICOR2021) e descendo à escala concelhia.
Segundo a investigadora, natural de Alcobaça, a partir de indicadores relacionados, por exemplo, com a qualidade das casas, capacidade para fazer obras de manutenção e para despesas com energia, rendimentos e situação face ao mercado de trabalho, foi criado um modelo estatístico para calcular o IVEM. “É uma estimativa da percentagem de famílias que vive em situação de pobreza energética, ou seja, sem capacidade para manter as casas devidamente aquecidas”, explica Susana Peralta.
Menos dificuldades em Leiria
Olhando para os dados regionais, o estudo indica que entre 16 a 23% dos agregados familiares do distrito encontram-se em situação vulnerabilidade energética, ou seja, não têm capacidade financeira para garantir o devido aquecimento das habitações.
Os resultados indicam, por exemplo, que, na região (distrito de Leiria e concelho de Ourém), Pedrógão Grande e Castanheira de Pera são os municípios que registam um IVEM mais elevado, respectivamente, 22,8% e 23,4% (ver tabela). Aliás, quatro dos cinco concelhos do Norte do distrito integram o lote de municípios com o nível de pobreza energética entre os 20,4 e 25,5%, o segundo mais elevado do estudo.
A maioria dos municípios da região está no grupo de concelhos com IVEM entre 17,1 e 20,4%. Só Leiria se encontra no grupo de municípios do País com menor pobreza energética, com um valor abaixo de 17% (16,2%).
A nível nacional, o estudo conclui que, em 2021, quase duas em cada dez pessoas não conseguiam manter a casa aquecida e três em cada dez viviam em habitações com necessidade de reparação.
“A melhoria da qualidade das casas, com a resolução de problemas estruturais, é essencial para reduzir a pobreza energética”, afirma Susana Peralta, que alerta para o facto de o parque habitacional em Portugal “não estar preparado para os desafios da pobreza energética e da transição climática”.
Por isso, os autores do estudo, no qual participaram também Miguel Fonseca e Bruno B. Carvalho, salientam a “importância de uma política pública de apoio à renovação do parque habitacional”, que permitirá não só reduzir a pobreza nesta área, mas também diminuir o consumo de energia, com vantagens evidentes” do ponto de vista ambiental.
Os dados do estudo indicam ainda que a pobreza energética afecta mais as pessoas acima dos 65 anos e quem está desempregado. A investigação teve também em conta o regime de ocupação das casas, concluindo que 25% dos agregados que arrendam casa e 37% dos que usufruem de renda apoiada viviam sem aquecimento.
“Quase 40% dos inquilinos vivem em edifícios com necessidades de reparações, o que traz dificuldades acrescidas para manter o conforto térmico”, acrescenta Susana Peralta, que admite que há vários factores a contribuir para essa situação, como ter “senhorios descapitalizados, inquilinos com insuficiente capacidade negocial para exigir melhores condições na habitação ou falta de fiscalização”.