Tiveram um passado em comum, marcado pela pujança da indústria têxtil, uma pujança que trouxe desenvolvimento económico, mas que também acentuou rivalidades entre as duas comunidades. Entretanto, a indústria entrou em declínio. E, hoje, tanto Mira de Aire (Porto de Mós) como Minde (Alcaneca) continuam a sofrer as mazelas dessa decadência.
Grande parte das fábricas fechou e o desemprego acentuou-se. A tradição de cultivo da terra, que havia antes do sector têxtil se impor, não foi recuperada. Os jovens saem para estudar e, muitos, já não regressam. Ora, é para dar algum colorido a este cenário negro que nasceu o movimento cívico Mira-Minde, que se propõe, entre outros objectivos, a recuperar e valorizar o polje, o vale comum às duas povoações, tornando-o mais atractivo.
“A Mata [como também é designado o polje por mirenses e mindericos] é um tesouro, cheio de potencialidades. Antes da indústria, era o sustento das famílias destas terras, que aí tinham a sua horta, o seu olival ou o seu pedaço de vinha. Toda ela estava cuidada. Hoje, encontra-se abandonada. É quase um espaço selvagem”, constata Miguel Tristão, um dos impulsionadores do movimento, que nasceu da necessidade de pensar o futuro estes dois territórios – Mira de Aire e Minde – no período “pós-indústria”.
David Reis, outro dos elementos do grupo, frisa que a ideia “não é unir administrativamente” as duas freguesias, que no passado até chegaram estar juntas – até ao século XVIII Mira de Aire fazia parte da freguesia de Minde e do concelho de Alcanena -, mas sim pôr as duas comunidades, que “têm problemas e uma riqueza [polje] comuns”, [LER_MAIS] a pensar como fazer “a transição de um modelo económico industrial para um modelo ecológico e sustentável”.
O primeiro passo para esse debate foi a criação de um portal na internet (https://mira-minde-pt) e a dinamização tertúlias, que têm servido como espaços para a apresentação de ideias. Há, para já, 12 propostas em cima da mesa, a maioria das quais em torno da conservação e valorização da Mata.
“O polje é o que nos une. Apesar da rivalidade do passado, que hoje é mais simbólica do que real, o sentimento de defesa deste património faz parte do ADN de mirenses e mindericos”, frisa David Reis.
O primeiro projecto a avançar consiste no “resgate do caminho de 1866”. Trata-se da recuperação de uma antiga ligação – a “única” assinalada na carta militar dessa época –, que unia as duas povoações através da Mata, entre as capelas de São Sebastião (Minde) e de Nossa Senhora da Boa Morte (Mira de Aire).
Os trabalhos de limpeza, que aguardam ainda o aval do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, estão marcados para os próximos dias 15 e 22 de Setembro e irão juntar habitantes das duas freguesias.
“São cerca de três quilómetros, sendo que um deles se encontra quase intransponível. O que se pretende é que fique, de novo, transitável e que possa funcionar com elemento agregador entre as duas comunidades”, explica David Reis, adiantando que há também a intenção de limpar as lagoas existentes no polje.
A dinamização de workshops e a criação de um centro com formação “em diferentes níveis e temas, todos ligados à sustentabilidade ambiental”, e a implementação de “um corredor para as abelhas” junto à serra, com espécies da zona que favoreçam a reprodução deste insecto, são outras das propostas apresentadas. Com cerca de três meses de actividade, o movimento reúne já cerca de meia centena de pessoas das duas freguesias.
“A semente acabou de cair na terra e está a ser cuidada. Veremos se eclodirá e que frutos dará”, diz Miguel Tristão.
Junta de Mira de Aire aplaude iniciativa
Para Alcides Vieira, presidente da Junta de Mira de Aire, “é salutar que surjam movimentos desta natureza, porque, cada vez mais, temos de trabalhar em conjunto para conseguirmos fazer avançar os territórios”. No caso em apreço, a união de esforços pode “impulsionar” a recuperação da Mata, que “precisa de uma intervenção para que as pessoas possam voltar a usufruir” dos seus espaços, defende o autarca, recordando o tempo em as populações de Mira e de Minde “viviam muito dos recursos que a Mata lhes dava”.
“Não voltaremos a esse tempo, mas é possível criar condições para que a população volte a desfrutar desse espaço, sem pôr em causa a preservação do local”, diz o autarca, adiantando que tanto a Junta de Mira de Aire como a de Minde, “se disponibilizaram a ajudar o movimento, dentro dos condicionalismos que têm”.