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A Rock Solid Motorcycles é um dos segredos mais bem guardados no Vale do Horto, Leiria. Dentro da pequena aldeia da freguesia da Azoia, no primeiro cruzamento à esquerda, deixando a pequena igreja dedicada à Nossa Senhora da Saúde para trás e saltada uma lomba na estrada, encontramos por detrás de modestas paredes um alfobre de criatividade dedicado às duas rodas.
Das mãos inspiradas de Hugo Pereira, o mentor, construtor, designer e criativo residente, saem motos custom made e que, no mundo desta especialidade do motociclismo, concorrem com vários ateliers mundiais de topo.
É um trabalho de amor e inspiração, cuja origem se encontra recuando aos anos 60 e 70 do século passado, ainda antes de as marcas começarem a dotar os seus modelos de fábrica de um aspecto retro ou mais “costumizado”, copiando o esforço de personalização feito pelos pequenos fabricantes. Era uma época onde indivíduos imbuídos de uma visão inconformada alteravam o design dos veículos, tornando-o mais minimalista, desportivo ou de acordo com o gosto dos seus proprietários.
Hoje, ainda se vive entre o revivalismo focado nessas duas décadas de grande criatividade e soluções, bastas vezes, radicais. Quadros leves e nus, depósitos moldados e pintados à mão, com cuidado e atenção aos detalhes, num trabalho executado sempre com grande minúcia, são as características que marcam e agradam a quem tem a sorte de ser o dono de uma destas motos.
“São veículos de passeio e não utilitários. Representam um grande valor afectivo e monetário para o seu proprietário”, salienta o responsável pela Rock Solid Motorcycles – @RockSolidMotorcycles, a empresa que fundou com o irmão, Sérgio.
Atenção aos detalhes
“Na primeira moto que criámos, baseada num motor Triumph, demorei dias, de lima na mão, a esculpir na tampa do depósito o Union Jack [a bandeira do Reino Unido]”. O cliente que adquiriu o veículo acabou por perder essa tampa durante uma viagem, mas a minúcia e o cuidado atestam bem a arte, a paixão e o profissionalismo do criador.
“Até as rodas e os raios foram feitos, à mão, por nós”, diz, ao mesmo tempo que aponta para a moto que, por estes dias, veio fazer uma visita à casa paterna, para uma pequena manutenção. Em cima de uma plataforma, espera pacientemente pela carícia das mãos de Hugo.
Nas duas outras plataformas do atelier, estão uma Harley-Davidson a sofrer uma pequena, mas urgente, reparação e a mais recente criação da Rock Solid Motorcycles – @RockSolidMotorcycles. A base, como não podia deixar de ser, tem origem na mítica marca norte-americana.
“Não vejo a vantagem de transformar uma Honda ou Kawasaki, que, tecnicamente, até são muito boas e muito aperfeiçoadas. Escolho as marcas mais clássicas por uma questão de identidade, atitude e carisma”, afirma, defendendo a sua opção por preferir motos que, aos seus olhos, são mais orgânicas, ao ponto de serem quase como seres vivos que respiram e resfolgam.
Harley-Davidson, Triumph, BSA, BMW ou Norton são fabricantes que, pelas provas dadas e pergaminhos de história, se tornaram lendárias e o alvo preferido para quem personaliza motociclos. Se fossem vinhos, seriam garrafas de reserva limitada, por oposição ao vinho de pacote.
Aparte comparações próprias de escanção, também são estas as marcas que mais atraem o criativo da Rock Solid. “Quando se ouve o motor de uma Harley a trabalhar, sabe-se imediatamente que é uma Harley. Não há música igual.”
A inspiração do artífice
A criatividade de Hugo Pereira não pode ser forçada e sujeita a prazos. É um artista e hedonista diletante. Encara o trabalho de criação como uma fonte de prazer e cada parafuso, cada porca, cada solda devem, de acordo com a sua cartilha, ser alvo de uma enorme atenção e cuidados.
“Há dias em que acordo inspirado e passo horas apenas a experimentar e a tentar perceber onde devo colocar um guarda-lamas”, admite. E pode acontecer que o produto final até nem tenha guarda-lamas, mas o cliente saberá que, para atingir aquelas formas, o criador testou todas as possibilidades de design e as esgotou uma a uma.
Depois de muito soldar e cortar, Hugo sabe que burilou a forma ideal, quando o coração deixa de estar inquieto e acalma. Mas pode acontecer que, por vezes, a pulsação não repouse.
“Bebi muita da minha inspiração quando visitei inúmeras feiras e encontros e ainda trabalhava num atelier de um mestre desta arte, no Reino Unido”, conta. Um dos projectos concebidos e construídos pelas mãos hábeis e sábias de Hugo e Sérgio Pereira pode, ocasionalmente, ser visto a cruzar as ruas de Leiria.
Trata-se de uma moto com mecânica Harley Davidson, semelhante ao modelo TT da mítica marca norte-americana. Datado dos anos 70 e usado na Ilha de Man, na mais extrema prova de motociclismo realizada anualmente nas ruas do pequeno território situado no mar entre a Irlanda e a Grã-Bretanha, quando, há cinco décadas, os fabricantes europeus e norte-americanos se envolviam em acesas lutas pelo pódio.
Mas há mais, muitas mais, motos a quem a Rock Solid deu forma e soprou vida, a partir do atelier do Vale do Horto. Além das apresentada aqui, uma visita ao site ou à página de Facebook da Rock Solid Motorcycles – @Rock- SolidMotorcycles leva-nos a um mundo que não imaginávamos sequer existir em Leiria.
Rock Solid nasceu em 2012
As motos personalizadas são uma paixão que, há muito, atormentava a carne e o espírito de Hugo e Sérgio, ao ponto de, em 2007, terem largado tudo e partido para o Reino Unido, onde estavam, no seu ponto de vista, os melhores criadores. Sérgio foi o primeiro a embalar a trouxa e zarpar, relatando as suas experiências naquele admirável mundo novo.
Acicatado por aquilo que ouvia da boca do irmão, Hugo seguiu-o. Conseguiram trabalho num dos mais reconhecidos fabricantes de Londres e, à maneira dos aprendizes do início do século XX, perduraram pacientemente e sujeitaram-se a longas horas de labor, para dominarem a arte.
Ao volante de uma carrinha onde cabiam todos os seus parcos pertences, aproveitaram também o tempo para percorrerem os maiores eventos da especialidade e adquirirem não apenas conhecimentos, mas ainda para estabelecer contactos e forjar amizades.
“Foi um tempo muito produtivo”, diz o fundador da Rock Solid, recordando esses tempos de moderno cavaleiro do asfalto, com olhos enormes de quem já viu muito e sabe que, mesmo que vivesse mais 100 anos, não conseguiria conhecer nem metade daquilo que há para ver pela estrada fora.
Em 2012, após adquirirem experiência, os irmãos sentiram necessidade de se lançar em nome próprio. Já reconhecidos em publicações norte-americanas e japonesas, como a revista Sportster (Harley Davidson), e após verem as suas criações serem figuras de capa, Leiria pareceu-lhes o local indicado para darem a conhecer a sua arte.
A região aparecia no seu olhar, com um local onde os amantes das duas rodas se contentavam em comprar motos como se as tirassem da prateleira de um supermercado. Em 2014, as motos custom made – as Café Racer, por exemplo, são apenas um dos exemplos dos vários estilos de custom made – ainda não se tinham implantado em Portugal mas, no resto da Europa, explodia o gosto por motos feitas com design arrojado.
A partir da sua oficina de artífice, em Vale do Horto, Hugo e Sérgio estavam determinados a mudar o estado das coisas e a dar a conhecer o maravilhoso mundo das motas feitas à medida do gosto e personalidade do seu proprietário. “Como um bom fato feito no alfaiate.”
“Há alguns obstáculos a nível da documentação, mas nada que, com paciência e perseverança, não se consiga ultrapassar”, admite Hugo. Com o passar dos anos, Sérgio acabou por abraçar uma carreira como designer industrial. Mas Hugo persiste. Precisa de continuar a viver rodeado pelo cheiro a gasolina, cabeça ocupada a criar novas formas estéticas e a adaptar mecânica e tecnologia.
O seu sonho seria encontrar alguém que, como ele, tivesse a paixão e a necessidade de curar as maleitas das motos que lhe aparecem a precisar do seus conhecimentos técnicos. “Para quê? Para me libertar desse trabalho para que me possa dedicar a 120% a criar novas motos e a dar largas à imaginação”, diz com um sorriso nos olhos.
Certo apenas, é que o vírus das duas rodas corre no sangue da família e a filha, de sete anos, já sabe acelerar numa moto à sua medida. “Deixo-a andar pela oficina a ver o que estou a fazer. Quero que persistam nela as memórias do trabalho que o pai faz. Acredito que será importante para ela.”
Ao sair da Rock Solid Motorcycles, no momento de entrar no carro para a viagem de regresso, o rádio toca um inconfundível riff e ouvimos Big wheels keep on turning/Carry me home to see my kin/Singing songs about the Southland/I miss Alabamy once again/And I think it's a sin, yes. Dizem que não há coincidências: Sweet Home Alabama, dos Lynyrd Skynyrd…