Um ano de mandato, em grande parte marcado pela pandemia. Que balanço faz?
Tem sido um desafio. Quando me candidatei desenhei um programa com três eixos e assente em valores. Neste primeiro ano, tinha previsto um conjunto de iniciativas. Algumas consegui pô-las no terreno e outras ficaram um pouco presas, porque a pandemia obrigou a dar resposta a outros desafios que se sobrepõem àqueles que tinha idealizado. Iniciar o mandato com um desafio destes tem sido uma experiência de dedicação quase a 100%.
Que oportunidades e dificuldades trouxe a pandemia?
Tenho dificuldade em identificar muitas coisas boas. Quando se fala do digital e das aulas online, não era preciso haver uma pandemia para ficarem estes métodos e em alguns casos já acontecia, como em seminários com oradores internacionais. Enquanto sociedade fomos obrigados a comunicar melhor. Alguns serviços do Estado tiveram, pela primeira vez, que conversar e foi muito claro que não estavam preparados para trabalhar em conjunto. O que pode ficar é esta experiência de juntar sinergias e as pessoas perceberem que em conjunto se consegue mais. O nosso ensino está pensado para ser presencial. Já viu o que é formar um enfermeiro ou um fisioterapeuta com a restrição de não poder tocar ou tocar com medo, porque se pode transmitir a infecção? Tudo isto tem sido uma coisa extraordinariamente difícil.
De que forma a ESSLei se preparou?
O ensino é presencial. Em casos excepcionais, devidamente justificados, pode-se fazer uma estratégia de ensino online. Há restrições da DGS [Direcção-Geral da Saúde] relativamente ao número de pessoas numa sala. Montámos um sistema de vídeo-aula em que metade da turma tem aulas presenciais x dias e depois troca com o outro turno. Numa aula teórica, os alunos não ficam a perder, porque o método é expositivo. A parte prática tem de ser prática e nós fizemo-la. Tivemos de criar mais turnos e ter mais professores. O grande desafio foi o ensino clínico, os chamados estágios. Os hospitais começaram a ter surtos e os nossos estudantes tiveram de vir embora. Por exemplo, uma licenciatura de Enfermagem tem duas mil horas de estágio, divididas em vários serviços e hospitais. Os estudantes alugam quarto nas localidades onde vão fazer o estágio e de repente surge um surto e o estágio é suspenso. Está a ser uma gestão muito difícil para a escola, para os professores, para os alunos e, sobretudo, para as famílias. Podíamos dizer: não há condições, não há estágio. Só que isto compromete a conclusão do curso e são precisos profissionais de saúde. Os nossos alunos de Enfermagem do ano passado estão todos a trabalhar e as instituições já nos perguntaram se vamos ter alunos a concluir a licenciatura. Estamos a tentar colocar os alunos do 4.º ano nos poucos estágios que existem para os formarmos.
O Politécnico de Leiria foi elogiado pelo ministro da Ciência na sua última visita. A forma como preparou este ano lectivo tem dado resultados?
Iniciámos o ano lectivo um mês antes do que fazíamos nos outros anos. Isso faz com que neste momento, os 2.º, 3.º e 4.º anos praticamente já não tenham aulas. Não temos casos de contágio entre a comunidade. Isso deve-se muito às medidas que implementámos e também ao comportamento exemplar que os nossos estudantes, professores e colaboradores têm tido. Temos um número de telefone para cada escola, que permite aos alunos esclarecerem dúvidas, como o que fazer se tiverem estado com alguém que esteve com alguém que deu positivo. O que quebra a cadeia, por vezes, são estas indecisões. Se conseguirmos agir antes, recomendando que o aluno não vá à escola, podemos impedir o contágio nas turmas.
A ESSLei começa a ser pequena para a procura. Que soluções estão previstas para crescer?
Sempre achei que a escola tinha um potencial enorme para crescer. Sabia da qualidade do que aqui se fazia, mas era preciso alavancar isso. Formamos profissionais de qualidade. Isso é importante e vamos continuar. Mas apenas esse objectivo é pouco ambicioso. Quero ter capacidade, e temos, para captar os melhores alunos. Tenho de ter a capacidade de ter uma escola em Leiria que é diferente da escola de Coimbra. Quero que ao fazer a candidatura um aluno diga: vou para Leiria porque o curso tem esta característica e não porque há vagas. Há um ingrediente extraordinário que é a região. Temos aqui indústria, parceiros prestadores de cuidados de saúde, investigação, empresas ligadas à investigação e spin-offs, há um potencial enorme para que a nossa formação tenha esta tarimba diferenciadora. Enquanto professor, tenho de ser capaz de ensinar aquilo que me ensinaram, produzir conhecimento e ensinar o que investigo. Isso é que vai diferenciar os cursos de Leiria, assim como esta ligação à região. Neste momento, temos alunos a fazer estágios em unidades de investigação. Os alunos não têm de seguir apenas aquela carreira e aqui tem sido possível construir estes currículos diferenciadores.
Mas como vão crescer?
De facto o edifício é este. Temos um centro de simulação em saúde no campus 5 e quando é preciso temos lá aulas. Vamos continuar a dar as formações ligadas às profissões clássicas da saúde. Neste momento, temos a funcionar três mestrados na área da Enfermagem, mas submetemos à Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior mais três. Para o ano acredito que teremos mais três mestrados em Cuidados Paliativos, outro em conjunto com a Universidade de Burgos na área da Terapia da Mão, e ainda outro na área da Saúde Pública. Este ano avançámos, no núcleo de Torres Vedras, com um TeSP [curso técnico superior profissional] em Secretariado Clínico, que teve uma procura extraordinária, e com outro em Estética, Cosmética e Bem-estar. Depois temos o TeSP em Alimentação Saudável, criado em conjunto com a Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar. Tivemos aqui uma colaboração extraordinária da Câmara de Torres Vedras.
Não está então prevista a construção de um novo edifício?
Assinámos um protocolo com a Câmara Municipal para criar um polo da Escola de Saúde em Torres Vedras, onde iremos apostar em cursos da área da saúde que não têm uma carteira profissional. Crescer em Torres Vedras é também estratégico por causa da proximidade a Lisboa, pelas empresas que estão à volta e por causa do Hospital do Oeste, que entretanto será construído. Em Leiria, temos a oferta formativa consolidada. Vamos avançar com mestrados e falta-nos apenas uma coisa: um doutoramento, que está em preparação. Iremos tê-lo, para já em associação, mas estou em crer que em breve não precisaremos dessa associação. Vamos tendo ofertas paralelas para dar resposta às necessidades da região. Se está pensado para o meu mandato construir um novo edifício? Não. Temos de formar pessoas para o mercado de trabalho. Vamos crescer para responder às necessidades de formação, não só regionais, como nacionais e até internacionais. Quero é pôr [LER_MAIS]esta assinatura regional. Somos líderes de uma universidade europeia que se chama Regional University Network. A região é o ingrediente fundamental para que a formação e a investigação que aqui fazemos seja diferenciadora. Nesta faixa litoral esse ingrediente é da melhor qualidade.
A longevidade da população e o consequente aumento das doenças crónicas é um dos desafios da Saúde para o futuro, que inscreveu na sua candidatura. De que forma a ESSLei irá dar resposta a estas necessidades?
A esperança média de vida esticou e de certeza que irá esticar até um determinado limite. Há um conjunto de doenças das quais se morria. Um exemplo paradigmático é a sida, mas temos outras que hoje são doenças crónicas. Importa perceber como é que podemos aumentar a qualidade de vida nesses anos que vivemos mais. É fundamental a literacia em saúde, a alteração de comportamentos e a promoção de estilos de vida saudável. Na ESSLei fazemos isso por duas vias: pelas unidades curriculares e pela investigação. A ESSLei e o ciTechCare, em particular, têm linhas de investigação ligadas à promoção e qualidade de vida da saúde e à gestão da doença. Os nossos alunos são envolvidos nesses projectos, o que é muito enriquecedor para eles. Portanto, a escola aposta na literacia para a saúde, que é uma arma extraordinária e muito poderosa nos tempos actuais, e depois na formação e na investigação.
A ESSLei começa a ser conhecida pela sua investigação. A criação do ciTechCare foi um marco na viragem da investigação da instituição?
Não tenho dúvidas em afirmar que sim, mas temos de fazer jus à forma como o centro foi criado. Havia uma unidade de investigação em saúde na ESSLei que não era financiada e, em Portugal, para termos um selo de qualidade temos de ser financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia [FCT]. Na altura, o actual presidente, Rui Pedrosa, era o vice do professor Nuno Mangas e tinha a pasta da investigação. Desafiou a professora Maria dos Anjos Dixe, que era a coordenadora, para avançarem para uma unidade de investigação com financiamento. Neste momento, o ciTechCare, tem investigadores da ESSLei, mas não é da escola de saúde. Parte dos professores da ESSLei são lá investigadores, mas há também investigadores da ESTG. Temos ainda parcerias com o hospital de Leiria, ARS [Administração Regional de Saúde] e uma empresa.
A escola tem condições para aliar a investigação à prática pedagógica de excelência?
Não tendo acesso a doentes de forma tão fácil temos de ser capazes de fazer simulação. Essa prática e inovação pedagógica podem e vão passar por reforçar o C2S – Centro de Simulação em Saúde, que já funciona no campus 5, onde temos modelos para dar suporte básico e suporte avançado de vida. A ideia é poder simular em modelos anatómicos que respondem, utilizando a inteligência artificial. Se puder treinar alunos, e já estamos a fazê-lo, em modelos deste género, quando for para a prática em humanos já vou com outra segurança. Não quero que se pense que a inovação pedagógica é apenas usar a simulação. Há outros métodos de inovação pedagógica que podem ser implementados em sala de aula e que estamos a tentar acompanhar. Por isso, temos professores a fazer formação nessa área.
Como quer ver a ESSLei daqui a uns anos?
Tem de ser uma escola de ensino e de investigação. Tenho de ensinar aquilo que investigo. Isso é que é diferenciador. Tenho uma investigação na área da reabilitação cardíaca. Quando produzir resultados, vou publicar, mas os meus alunos vão ser envolvidos e quando se formarem e forem para a prática clínica já vão levar um know how que estudantes de outras escolas não têm. Ensino superior só faz sentido se tiver a dimensão da investigação.
Da Matemática para a Medicina
Licenciado em Matemática, deu aulas no ensino secundário. “O meu sonho sempre foi ser professor, mas conceptualmente sou um curioso.” Rui Fonseca-Pinto, natural de Resende, 43 anos, acabou por se desiludir com a docência no secundário, acabando por enviar um currículo para a Escola Superior de Tecnologia e Gestão quando preparava o seu mestrado em Matemática Aplicada na área da Física Matemática. Só um ano mais tarde foi contactado pela ESTG e o professor Pedro Matos, já falecido, ofereceu-lhe o lugar. “Só conhecia Leiria de ir a Fátima, onde ia muitas vezes com os meus pais.” Numa conferência em que participou conheceu um professor que o desafiou a fazer o doutoramento, que viria a concluir em Engenharia Biomédica.