Começar, há dez anos, a carreira com um disco chamado Farewell [Até sempre] foi mais um olá de Sean Riley&The Slowriders do que um adeus?
Na época, foi visto com curiosidade o facto de o primeiro disco de uma banda ter esse título. A verdade é que foi mesmo mais um "olá" e a abertura de imensas portas para um admirável mundo novo que temos vindo a descobrir ao longo destes dez anos. Foi bom ao ponto de merecer ser revisitado.
Gomo, outro músico natural das Caldas da Rainha, quando lançou o seu primeiro álbum também lhe chamou Best of. Nada melhor do que começar a carreira com uma compilação dos melhores trabalhos?
Há muita gente que defende a teoria do que o primeiro disco é um verdadeiro best of da nossa vida até ali. Na prática, se se editar os primeiro álbum aos 20 anos, tivemos, pelo menos, dez anos para pensar nele. Farewell, sendo o vosso primeiro trabalho, era já um CD com muita qualidade, coisa que não é comum em bandas acabadas de surgir. Já tínhamos alguma maturidade quando lançámos o disco. Há bandas que lançam trabalhos, quando os elementos têm entre 17 e 20 anos… mas já tínhamos passado essa idade há algum tempo. Estávamos a meio dos nossos 20 anos e, talvez por obra do acaso, termos esperado mais algum tempo para publicarmos o álbum, permitiu uma maior maturidade. Mas, na banda, tínhamos pessoas como o Filipe Costa [Bunnyranch] e o Bruno Simões [Tu Metes Nojo] que já tinham muita experiência musical e isso contribuiu para a qualidade e exigência de Farewell. Já tínhamos ouvido muitos discos, ido a muitos concertos e feito muita coisa… Isso clarificou, na nossa cabeça, o que queríamos fazer. De qualquer modo, isto também tem a ver com o tipo de pessoa que somos e, se tivéssemos 20 anos, iríamos procurar ter o mesmo nível de exigência e de qualidade… É difícil prever o que teria sido, se o tivéssemos feito noutra idade.
Alguma vez pensaram que iriam esgotar salas, semanas antes dos espectáculos?
A sensação é excelente. No caso de Leiria, esgotámos três semanas antes, e, em Lisboa, um mês antes. É super gratificante e um sinal claro que as pessoas querem ver e ouvir o que temos para oferecer. Quando decidimos celebrar o 10.º aniversário, jamais pensámos que isto iria ter esta dimensão. Considerámos fazer uma edição comemorativa com um disco em vinil, daí passou-se para fazermos, igualmente, uma reedição do CD e, por fim, para alguns concertos comemorativos. Mas, mesmo essa ideia dos concertos, era para ser num fim-de-semana, em Lisboa, Leiria, Coimbra e Porto. Nem sequer pensámos em fazer uma tournée. No entanto, quando começámos a anunciar os espectáculos, começámos a ver as salas a esgotar… é mesmo uma boa sensação.
Como é voltar a Coimbra e Leiria, já com uma carreira de sucesso na música?
Gostámos muito de fazer o nosso percurso, mas, olhando para trás, a composição e gravação de Farewell foram dos momentos mais especiais deste trajecto, principalmente, pela novidade, ingenuidade e pela forma como, aquela primeira vez a trabalhar num disco, foi mágica. Podermos voltar a viver tudo isso e em sítios que nos são tão importantes, como Coimbra e Leiria, que são as principais cidades onde nos movimentávamos há dez anos é um sabor único de voltar atrás no tempo… faz-nos, obviamente, pensar em muitas coisas e de muitas coisas das quais temos saudades.
Por que razão o vosso som caiu tanto no goto dos portugueses?
Não faço ideia. Sei que as pessoas gostam de canções, de sentimentos e de coisas genuínas, seja no metal, no rock,no folk, no soul, seja em Inglês ou Português, seja em que área for. Devem ter sentido veracidade naquilo que fazemos e relacionaram-se com ela. Não me parece que gostem por haver uma guitarra acústica, uma harmónica ou por eu cantar com um determinado timbre. Acredito que é devido aos sentimentos que as canções lhes transmitem. Há uma sensação de verdade e o público relaciona- se com isso.
O vosso léxico, quando cantam em Inglês, também chega a ser mais rico do que o que é usado pelos próprios britânicos e pela música anglo-saxónica.
Acredito que isso dependerá do tipo de música que se escuta. Se se ouvir coisas mais contemporâneas, do pop ou da música electrónica, provavelmente, o uso do idioma não há-de ser muito aprofundado, nem exigente, porque não é necessário, já que o tipo de sentimentos que se querem transmitir não o permite e o público não o iria compreender. O Julian Casablancas, vocalista dos Strokes, dizia que, por norma, escrevia letras complexas, a roçar a poesia, porém, quando chegava ao estúdio, por cima de um riff de guitarra soa muito melhor se se disser: "yeah! Baby, Yeah!" É mais simples e as pessoas irão perceber mais facilmente, do que se se tentar transmitir uma mensagem muito complicada. Há músicas onde isto se aplica e outras não. Nós sempre traçámos um caminho muito apoiado na escrita clássica de canções e em pessoas como Bob Dylan, Leonard Cohen, Bonnie Prince Billy ou Nick Cave, que são artífices da palavra. Autores que gostam de trabalhar as palavras e cuja música assenta na poesia. A nossa música também assenta na poesia.
O que mudou no panorama artístico português desde há dez anos?
Na viagem que fiz para o concerto em Leiria, vim a falar com o Eduardo Morais, um documentarista das Caldas da Rainha, que já fez muito trabalho sobre a música portuguesa, e falámos, justamente, sobre isso. Ainda esta semana ouvi um organizador de um festival nacional a dizer que já tinha convidado seis bandas portuguesas para a edição deste ano e que, noutros anos, nem duas conseguia. Agora, se quisesse escolher 16, com grande qualidade, conseguiria fazê-lo. Há muitos fenómenos que contribuíram para uma alteração do panorama largamente para melhor. Estamos garantidamente mais ricos do que estávamos há [LER_MAIS] uns anos. O Eduardo fez-me notar que há apenas cinco anos, não passaria pela cabeça de alguém que o primeiro concerto de uma banda fosse no Music Box, em Lisboa. Os espaços abriram-se mais aos miúdos e eles têm maior facilidade de fazer coisas. Além disso, a tecnologia permitiu que as gravações tivessem maior qualidade, as redes sociais canalizam e fazem passar a mensagem muito rapidamente, garantindo um bom grupo de seguidores. A alteração mais importante foi que os jovens e os portugueses deixaram de ter vergonha da Portugalidade e passaram a ter orgulho. Isso foi uma enorme mudança no paradigma. Antes, muita gente quase fingia, na sua música, que não era de Portugal. Agora, os putos assumem de coração que a sua música é escrita sobre o bairro de Alvalade, ou sobre a Penha de França ou onde quer que seja. Aliada a tudo isto está a facilidade com que as gerações mais novas escrevem em Português… e escrevem bem! De uma forma muito ligada à rua e à vivência real do quotidiano.
Como está a banda a superar o desaparecimento de Bruno Simões?
Essa é uma questão mais de carácter pessoal. A superação de se perder alguém que tem um papel importantíssimo na nossa vida é algo com o qual já tive de lidar outras vezes. Não se supera a perda. Com o tempo, aprende-se a tolerar. Não há nada que possa ajudar a não ser a passagem do tempo. Há momentos mais difíceis e outros mais fáceis. Na banda, o facto de termos continuado a tocar e a passar tempo uns com os outros e a viver a parte boa da música, tem um papel muito importante nessa prática "terapêutica", de aceitação da inevitabilidade. Perante algo que é tão negativo, é preciso encontrar formas positivas de lidar. Celebramos a música, uma coisa que ele gostava de fazer e aí o toque dele e a sua permanência será eterna. Pelo menos, enquanto estas músicas existirem e forem tocadas.
Dedica-se apenas à música, com os Keep Razors Sharp e Sean Riley & The Slowriders, ou tem o chamado “emprego a sério”?
Tenho uma actividade profissional ligada ao imobiliário. Passei pelo mundo das letras, estive numa editora, mas há três anos que não trabalho com livros.
Sendo a música algo que dá muito trabalho, por que razão os artistas têm, mesmo assim, de arranjar um outro emprego, para sustentar a sua arte, pagar as contas e meter comida na mesa? O mercado nacional é demasiado pequeno?
Sim, tem muito a ver com a dimensão do mercado nacional. Se não se tiver um projecto com muita visibilidade, é difícil isso não acontecer. Consegue- -se subsistir da música. Eu próprio vivi sete anos só da música, mas quando o deixei de fazer foi porque me queria dedicar a outras coisas e entendi que a minha energia e inteligência deveriam ser postas ao serviço de outras actividades. Contudo, é verdade que também há um problema de escala. Em Portugal, um artista de média ou pequena dimensão que queira viver só da música, tem de ser hiperactivo e de estar sempre a produzir. Tem de dar umas duas ou três voltas, por ano, ao País.
Falando de letras, uma vez que trabalhou no ramo, o que se passa no sector livreiro?
Como se justifica a quantidade de livros que todos os meses são publicados em Portugal, por autores nacionais?
Não sei se é apenas a influência do ditado popular que diz que é preciso plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro mas… tendencialmente, somos um país de escritores e toda a gente gosta de escrever. A questão, depois, é saber se esses livros são lidos. Não sei se há mais escritores do que leitores, mas são claramente muitos. Isso deve perceber-se facilmente se se fizer um cruzamento entre o índice de vendas e o de publicações novas. Há um gráfico em ascensão, o das publicações, e outro que está mais ou menos estável, o das vendas.
Referiu, há pouco, a Portugalidade. Quando olha agora para Portugal e para os portugueses, o que vê?
Sem querer entrar em questões políticas, acredito que estamos a viver uma fase que é melhor em todos os aspectos. Estamos genericamente mais felizes, no entanto, as pessoas queixam-se de muitos dos factores que lhes trouxeram o bem-estar. A minha realidade é mais em Lisboa e lá, a cidade deu um salto enorme com o turismo, que foi o propulsor de todos os negócios, da restauração, à mediação imobiliária e à construção civil, mas as pessoas lamentam a cidade estar “demasiado” virada para os turistas e que está a ficar descaracterizada e com vários problemas trazidos pela gentrificação. Isto é a mentalidade portuguesa. É uma insatisfação permanente. Se há a troika, estamos tristes por causa da troika. se chegam os turistas que nos trazem o dinheiro que permite que a troika vá embora, ficamos tristes porque os turistas nos "roubam" o País e não se pode viver na Baixa porque já não é barato. Antes, os pobres não tinham onde cair mortos e os ricos não gastavam porque não sabiam para onde ia o País. Por outro lado, era crucial que valorizássemos a nossa Portugalidade. Ao nível do comércio e da restauração, nota-se muito essa descaracterização. Não há um café que não tenha um logótipo pensado por um designer… e a verdade é que preferia estar numa tasca, como havia ali na esquina.
Perfil
Do Direito para a música
Afonso Rodrigues estudava Direito, na Universidade de Coimbra, quando se tornou Sean Riley e iniciou a sua carreira musical com os Slowriders. Primeiro, o colectivo começou a passar nas ondas da Rádio Universidade de Coimbra e, a seguir, fez a primeira parte de um concerto com o sueco Ernesto, no Teatro Académico Gil Vicente, a convite do fundador da Omnichord Records, Hugo Ferreira. Os ensaios para esse concerto foram a primeira vez que a banda se encontrou para tocar junta. Antes, Afonso, já sob o alter-ego, Sean Riley, levava as gravações que compunha nas viagens entre Leiria, cidade onde viveu a sua juventude, e Coimbra, ao sótão de Bruno Simões, que lhe adicionava os teclado e a percussão, e, a seguir, Filipe Costa, juntava arranjos seus. Em 2007, com o lançamento do CD Farewell, o primeiro do conjunto, o vocalista decidiu desistir do Direito a apenas um ano de acabar o curso. O resto é história. A viver em Lisboa, desde há seis anos, o músico que nasceu nas Caldas da Rainha, volta a Leiria para visitar a família e vai acompanhando o que acontece na cidade, pelos ecos que recebe dos amigos. “Sei que a Surma vai ser a artista de Leiria com maior visibilidade nos próximos tempos”, prevê.