O Seminário Diocesano de Leiria é acusado de “apropriação indevida” de um caminho público. O caso é antigo e pode acabar agora em tribunal, como admitiu o presidente da câmara, na última sessão da Assembleia Municipal (AM), onde o assunto foi exposto por proprietários de terrenos localizados do seminário.
De acordo com o relato apresentado, a ocupação remota à construção do seminário, na década de 60 do século passado. Mais tarde, foi tentada a desafectação do caminho do domínio público para privado, mas “como houve reclamação”, o processo acabou arquivado, conta Gil Mónico, proprietário de um terreno confinante com o acesso, onde, segundo diz, a câmara “autorizou o seminário a instalar uma vedação”, que fechou “parte do caminho”.
Na ocasião, não terá havido contestação, porque existia outro acesso, transversal à rua Joaquim Ribeiro Carvalho, que dava acesso aos terrenos em causa e a uma habitação existente no local, propriedade da instituição religiosa. “Como tinha iluminação pública e era limpo com regularidade, assumiu-se que era um acesso alternativo ao original, ocupado pelo seminário”, relata Isabel Rocha, co-proprietária de um dos terrenos, que só se apercebeu que tal não era assim quando, em 2017, submeteu à câmara um pedido de informação prévia para construção de uma moradia no local, que foi indeferido.
“Consta-se que o caminho em toda a sua extensão não é do domínio público, pelo que se conclui que o prédio do local em causa não se encontra infra-estruturado, pelo que se propõe o indeferimento”, lê-se no despacho camarário. A decisão apanhou Isabel Rocha de surpresa, uma vez que “sempre” tiveram acesso à propriedade, “inicialmente pelo caminho público que percorria toda a extensão do terreno” e posteriormente pelo arruamento transversal à Rua Joaquim Ribeiro Carvalho.
Além disso, quando a parcela passou para a família, em 1949, este “confrontava a poente com um caminho público”. “O terreno não mudou de sítio. Como pode ter ficado sem acesso?”, questiona a proprietária, que na intervenção que fez na AM lamentou que a parcela esteja numa “espécie de ilha” devido à “actuação do seminário e conivência/omissão dos serviços camarários”.
Também Gil Mónico acusa o município de “inércia”, revelando que há um parecer da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), “datado de Maio de 2022”, que, segundo o munícipe, indica que “o caminho sempre foi e continua a ser público no seu traçado original”, uma vez que os processos de desafectação não ficaram concluídos.
Em resposta, o presidente da Câmara de Leiria, Gonçalo Lopes, lamentou o arrastar da situação, mas alegou que, perante “a complexidade jurídica” do caso, “não há certeza absoluta da decisão a tomar”, defendendo que o parecer da CCDRC “não é vinculativo”.
“Se não conseguirmos uma base de entendimento entre a vossa [dos proprietários] versão e a do seminário, só vejo hipótese de encontrar solução em tribunal”, afirmou o autarca, perante a AM, onde admitiu que, no passado, “a câmara possa ter errado”.
Seminário refuta acusações
O reitor do seminário refuta as acusações, alegando que o processo de desafectação “implicava uma permuta” com a câmara, com a instituição a ceder terreno para a rua Joaquim Ribeiro Carvalho e a integrar na sua propriedade parte do caminho público, o que aconteceu.
O padre José Henriques Rodrigues assegura ainda que os proprietários “nunca deixaram de ter acesso aos seus terrenos”, quer através da parte do caminho público que não foi ocupada pelo seminário, do lado sul – um “pequeno carreiro” que os proprietários alegam não ter condições – e através de uma servidão privada cedida pela instituição.
Em relação a este acesso, o sacerdote esclarece que, apesar de existirem postes de iluminação pública no local, estes “não têm luz”.