É alarmante a significativa diminuição dos hábitos de leitura e o impacto irremediável produzido na espécie humana. «Desde o surgimento da linguagem, a humanidade não inventou nada melhor do que a leitura para estruturar o pensamento, organizar o desenvolvimento cerebral e civilizar a nossa relação com o mundo».
A afirmação extraída do mais recente livro de Michel Desmurget – “Ponham-nos a Ler” (Contraponto, 2024), é basilar. O acto de ler edifica uma tripla dimensão: intelectual, emocional e social. O declínio desta actividade vital é uma «catástrofe para a fecundidade colectiva da sociedade».
A leitura dissipa-se em favor da cultura digital recreativa, declaradamente rentável para inúmeros actores capitalistas, cujo efeito de embrutecimento é comprovado por uma vastidão de estudos científicos e clínicos, com influências negativas na linguagem, concentração, impulsividade, obesidade, sono, ansiedade e sucesso académico.
Não nos tornamos bons em nada se não praticarmos muito. A apetência leitora não pode subjugar-se às ordens do determinismo. A leitura é uma autêntica máquina de moldar a inteligência na sua dimensão cognitiva (inferir, reflectir, raciocinar) e na dimensão socioemocional (interagir, socializar, partilhar). O leitor como antítese do «cretino digital».
As aplicações digitais recreativas reduzem o tempo de leitura – individual ou partilhada. É pioneira a medida assumida pelo governo australiano, que anunciou os 16 anos como a idade mínima para aceder às redes sociais. A União Europeia também já tentou restringir o acesso. Porém, as iniciativas falharam, pois enfrentam a reacção das empresas tecnológicas.
O declínio da leitura não é matéria alarmista, é realidade estabelecida. A «máquina de lavar digital» que sub-repticiamente centrifuga a humanidade, visa a expurgação de inúmeras virtudes do Homem, tornando-o autómato, androide e ‘marionete’. Este «deficiente linguístico» evoca as palavras de Ray Bradbury, autor de “Fahrenheit 451”, romance distópico de 1953, que narra o futuro duma América hedonista e anti-intelectual. «Não é preciso queimar livros para destruir uma cultura.
Basta que as pessoas deixem de os ler.» Não conseguiremos inverter este vaticínio, se não travarmos a orgia de ecrãs que esmaga a inteligência até à repugnância, e se não reabilitarmos a leitura, cujos benefícios são tão profundos como insubstituíveis. É que «(…) a vida só é vida real quando sentimos fora de nós alguma coisa de diferente» (Agostinho da Silva).