Uma cerâmica abandonada foi transformada, na última década, num dos locais mais icónicos do skate, em Leiria e na região.
“Era um forno antigo enorme, onde cozinhavam tijolos, que estava abandonado e cheio de mato”, contam dois leirienses que, em 2009, viram “potencial no chão liso e nas paredes inclinadas”.
Desde então, os fins-de-semana passaram a ser dedicados à limpeza do mato e à construção e pintura de rampas em Santa Clara, nos Parceiros. “Fizémos tudo à mão, até a mistura do cimento porque não havia electricidade, com carinho e vontade, o que tornou tudo mais especial”, recordam João Sales e Hugo Cruz, de 46 e 34 anos.
Rebocaram algumas paredes, usaram cimento para criar curvatura que permitisse subi-las, criaram um corredor com rampas e fecharam o circuito à volta do forno. “Era diferente de tudo o que já existia, com inclinação mais apertada e rápida, o chão mais rugoso e quando caíamos isto aleijava a sério”, atiram entre risos, no local, na tarde chuvosa e cinzenta do último sábado.
Sem regras, sem confusões e sem as imposições dos skateparks construídos na cidade. “Sentíamos que precisávamos de velocidade para um lado e acrescentávamos mais uma rampa, queríamos uma curva e acrescentávamos outra. Era um organismo vivo que se ia transformando e, há medida que vinham pessoas de fora, traziam outras ideias”, explicam.
A histórica chaminé passou a ser testemunha desta ‘ode’ à forma de estar do skate, com liberdade, criatividade, convívio e amizade.
“Estávamos mais à vontade num sítio destes, descampado e com pouca gente por perto, entre um grupo de amigos e com as coisas à nossa maneira, isso dava outro gozo”, tenta traduzir o João.
No fundo, acrescenta Hugo, “era um sítio histórico que passou a ter um novo viver”. Além das acrobacias de skate, iam à lenha para fazer fogueiras, tinham uma churrasqueira para os convívios, desfrutavam do pôr-do-sol e chegavam a pernoitar por lá.
Aos da terra foram-se juntando amigos, namoradas, forasteiros e até adeptos de outras modalidades. Foi cenário de uma festa de prémios da modalidade, registo de fotógrafos de renome na área, inspiração para arte de rua e até rampa de atletas de outras modalidades, como o BMX.
Esforçaram-se sempre por cuidar, mesmo quando havia quem deixasse lixo, partisse tijolos para levar para casa ou arrancasse tubos das rampas para vender na sucata.
O sonho foi alimentado ao longo de quase 13 anos à revelia de burocracias, mas sabiam que tinha os dias contados, até porque não sabiam quem eram os donos.
Há uns meses, receberam uma fotogra com tudo destruído. “Fiquei triste”, “doeu ver”, assumem, a olhar para a antiga cerâmica reduzida a um monte de entulho.
Ficou apenas a chaminé e a esperança de um dia recuperar a carolice e a loucura necessárias para recomeçar tudo do zero, com mais experiência, mas num novo lugar.
Sem nada planeado, garantem que vão continuar a fazer o que sempre fizeram, antes e depois da cerâmica: andar de skate e trabalhar.
O João inspirou-se neste projecto para abrir uma empresa de construção de skateparks e impulsionou a criação da primeira associação dedicada à modalidade na cidade; o Hugo seguiu outros rumos profissionais, mas sempre que pode mata saudades da liberdade em cima das quatro rodas.
Sobram as memórias, os vídeos e as fotografias de anos felizes que vão ser transformados num documentário.