O cancro do pâncreas não é o mais comum, mas está entre aqueles que têm uma taxa de sobrevivência baixa. “As estatísticas reflectem o péssimo prognóstico da doença em todo o mundo, com uma sobrevivência global aos cinco anos de apenas 9%”, afirma Alexandra Fernandes, especialista no CHL e vogal da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia (SPG).
A médica esclarece ao JORNAL DE LEIRIA que há múltiplos factores com impacto na sobrevivência destes doentes, como a idade e as co-morbilidades. No entanto, “o factor determinante no prognóstico do cancro do pâncreas é o estadio no momento do diagnóstico”. Este cancro “é muito difícil de diagnosticar nas fases iniciais, apresentando um crescimento rápido e um comportamento agressivo”.
“A maioria dos doentes desenvolvem uma doença localmente avançada ou metastática na fase assintomática. Os sintomas iniciais são inespecíficos, o que atrasa a procura de cuidados médicos e contribui para que a maioria dos doentes (cerca de 80- 85%) não seja diagnosticada até fases avançadas da doença, pelo que apenas 15 a 20% dos casos são ressecáveis no momento do diagnóstico”, constata.
“Na Europa, o cancro do pâncreas é responsável por mais de 95 mil mortes anualmente, com uma sobrevivência global expectável no momento do diagnóstico de apenas 4,6 meses”, sublinha Alexandra Fernandes.
Segundo os últimos dados europeus, referentes a 2017, “apesar de ser o sétimo tipo de cancro mais comum[LER_MAIS], o número de óbitos ultrapassou a mortalidade por cancro da mama, passando a ser a terceira causa de morte por tumor na Europa, logo após o cancro do pulmão e o cancro do cólon e recto”, alerta a vogal da SPG.
Alexandra Fernandes aponta que o cenário em Portugal é idêntico. Em 2018, o cancro do pâncreas era o décimo mais frequente, com uma incidência ajustada à idade de 13,9 casos por 100 mil habitantes, sendo a sexta causa de morte por tumor, com uma taxa de mortalidade de 13,7 óbitos.
Os números
77
número de novos casos e óbitos em 2040. Não obstante, o cancro do pâncreas recebe menos de 2% dos fundos europeus reservados à investigação na área dos tumores
O Centro Hospitalar de Leiria (CHL) é, desde 2019, Centro de Referência de Oncologia de Adultos no Cancro Bilio-Pancreático, com base na sua casuística, na oferta dos cuidados prestados e nos resultados apresentados.
“Considerando apenas os casos de adenocarcinoma do pâncreas (que corresponde a 85% dos casos de neoplasias malignas do pâncreas) foram registados 46 casos em 2019” na unidade hospitalar, que tem uma área de influência de cerca de 400 mil habitantes.
Com base nos tumores operáveis e algumas situações de lesões prémalignas do pâncreas, o CHL realizou 18 cirurgias pancreáticas em 2019, “com uma mortalidade aos 30 dias de 6,7% (correspondente a dois doentes)”, revela Alexandra Fernandes.
Segundo a especialista, “o número de óbitos entre o total de doentes com diagnóstico de cancro do pâncreas é muito superior, porque, infelizmente, uma grande proporção de doentes (cerca de 80%) não é candidato a terapêutica cirúrgica, que é a única opção curativa”.
Entre os sinais e sintomas clássicos da doença destacam-se a icterícia, a dor abdominal e/ou dorsolombar, a perda de peso, as náuseas e vómitos, a diarreia e o aparecimento recente de diabetes.
O papel dos médicos de Medicina Geral e Familiar passa por ter um “elevado nível de suspeição clínica” para conseguirem um diagnóstico rápido. “Nos doentes submetidos a resseção cirúrgica em centros de referência, a sobrevivência aos cinco anos ronda 30%, contrastando com uma sobrevivência de 6-11 meses na doença localmente avançada e 2-6 meses na doença metastática.
Alexandra Fernandes sublinha também a importância de se “aumentar a proporção de doentes ressecáveis, dos actuais 15% para mais de 50%, o que se traduzirá num aumento da sobrevivência.”
O cancro do pâncreas é mais frequentemente diagnosticado entre os 65 e os 74 anos, com uma idade média na altura do diagnóstico de 70 anos. Mas, apesar dos últimos avanços no tratamento médico e cirúrgico, as melhorias na sobrevivência aos cinco anos “não são suficientes, o que realça a urgência em desenvolver métodos de rastreio para doentes de alto risco”, refere Alexandra Fernandes, apontando que se começa a verificar um aumento do número de casos em idades mais jovens.